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As brasas

Romance “As brasas” foi publicado pela primeira vez em 1942. Homenageado em sua terra natal nos anos trinta, Sándor Márai teve sua obra banida após a guerra e logo depois pelo regime soviético. A partir deste momento, viveu seu desterro nos Estados Unidos até 1989 quando se matou. Os motivos que o levaram ao suicídio podem não ser precisos, mas o fato é que obra e autor ficaram esquecidos. Os motivos que Sandor Marai atribuiu a essa “displicência” traduz o seu estado de espírito: "O mundo não tem necessidade de literatura húngara", anotou em seu diário em 1949. Exilou-se para dentro de si quando a Hungria foi destruída pelos alemãs, depois pelos soviéticos e assim permaneceu.

Enquanto alguns escritores não se preocupavam muito com a política em geral, Marai enfureceu tanto nazistas quanto comunistas, e se recusou a ter seus livros publicados na Hungria enquanto as tropas soviéticas estivessem presentes. Tal opção o levou à obscuridade e à pobreza. A ironia acontece em 1990 quando os comunistas húngaros foram depostos - e a obra de Sandor Marai passa a ser traduzida em todo mundo.

Confesso que no dia em que terminei de ler esse romance fiquei pasmo com a força de sua escrita - eu não conseguia parar de virar as páginas - sua capacidade para atrair o leitor ao seu mundo é espantosa. Um escritor que sabe exatamente “como” contar uma história e demonstra controle absoluto sobre sua prosa. Elegíaco, sombrio, musical e emocionante, “As brasas” é uma ambiciosa e brilhante dissertação sobre a amizade na literatura. Tudo isso graças à tradução magistral de Rosa Freire d’Aguiar.

Fui cativado pelo estilo de sua escrita e, claro, não planejo contar a história do livro, apenas fazer uma breve introdução pois seria um desserviço ao leitor e ao autor. Diremos apenas o seguinte:

Em um castelo no sopé dos Montes Cárpatos, num verão sufocante, um velho general aristocrata recebe a carta de um amigo que não vê há 41 anos - a hora da verdade finalmente havia chegado. E para esta reunião, ele reabre as salas que ficaram fechadas durante todos esses anos à espera deste encontro. No decurso desta noite, do jantar até a madrugada, os dois amigos vão travar um duelo de palavras e silêncios, histórias, acusações e evasões, que irá abranger suas vidas e a vida de uma terceira pessoa que não se encontra mais presente. O passado vem à tona. Porém, a consulta do general é mais para si próprio do que para seu convidado. Tudo isso sem recorrer a auto-flagelação , ao contrário, o que vemos é a aceitação e prestação de contas entre os dois personagens maduros, em seu último encontro, que podemos interpretar como o último resquício de nobreza em um mundo em transformação.

Podemos revisitar ambientes e valores que já estavam morrendo antes da segunda guerra mundial, e traçar um paralelo com o filme de Renoir “A grande ilusão” que, a meu ver, compartilha com “As brasas” da mesma substância. O aço e o fogo apoderaram-se dos corações e mentes, numa época onde as questões eram resolvidas apenas com palavras.

Sándor Márai considerou “As brasas” uma de suas criações menores, mas devemos ter em mente que os escritores são notoriamente dotados de um sentido crítico que muitos leitores discordam. Tolstoi e muitos outros sofreram desses excessos. Para ler “As brasas” será necessário que o leitor deixe as velas arderem até a última página.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Drama


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As brasas
autor: Sándor Márai
editora: Companhia das Letras
tradutor: Rosa Freire D'Aguiar

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