Livros > Resenhas

A montanha mágica

Thomas Mann, sem dúvida alguma, tinha uma vasta cultura foi  extremamente importante para literatura mundial. Certa vez ele disse:

“Eu detestava a escola e até o fim não correspondi às exigências. O que possuo em matéria de cultura consegui adquirir livremente, como autodidata, aceitando do ensino oficial apenas o elementar”

Filho de um comerciante e senador, Johan Heinrich Mann, e da brasileira, Júlia da Silva Bruhns, o escritor herdou do pai uma loja de cereais, mas não tinha vocação para o comércio. Ao invés disso, trabalhou no escritório de uma companhia de seguros e depois tentou entrar no jornalismo. Como aluno ouvinte, entrou para Universidade de Munique, freqüentando os cursos de história da arte, literatura e economia política. Autor de diversos romances, foi através dos Buddenbrook (1901) que alcançou o sucesso e a consagração definitiva ganhando o Prêmio Nobel de literatura, em 1929, vindo a morrer em agosto de 1955.

“A Montanha Mágica” é uma das mais influentes obras de Thomas Mann e hoje considerada uma das mais importantes da literatura alemã no século XX. A obra reflete suas experiências e impressões durante um período em que sua esposa, que sofria de um problema pulmonar, foi internada no sanatório de Davos, na Suíça, por vários meses. Foi daí que o autor teve a ideia de fazer o romance. Confesso que li esse romance duas vezes. À primeira vez, tinha gostado muito, mas a segunda vez - simplesmente adorei. Este é um típico livro que deve ser lido e relido.

Algumas explicações precisam ser feitas antes de começarmos a conversar sobre o romance. “A Montanha Mágica” faz parte de um gênero que alguns críticos chamam de “romance de formação”. Ao contrário do romance social é um romance de educação ou um romance de formação educacional, pois centra-se na  educação do herói rumo a uma ideia significativa de si mesmo e do seu papel no mundo. ”A Montanha Mágica” possui essa característica de  um romance de formação. Para respondermos cabe a pergunta: “o que vem a ser um romance de formação?”.

Na Alemanha do século XVIII, a intelectualidade almejava a criação de uma literatura de caráter nacional, onde fosse possível expressar em forma de arte o “espírito alemão” o “bildungroman” (romance de formação) apareceu como representação desse desejo. Através de um personagem jovem e de origem burguesa, na busca de aperfeiçoamento pessoal e superação dos seus conflitos, a obra romanesca se integra ao contexto da produção europeia. Vale ressaltar a função didática que assume ao contribuir para educação e formação de quem lê, outra preocupação dessa época.

O livro inaugural desse estilo é a obra de Goethe que se chama: “Os Anos de Aprendizados de Wilhelm Meister”. Esse  romance traz um personagem central em conflito entre o “eu” e o “mundo”. A progressão dessa desordem interior é colocada em oposição aos ideais e a estrutura socioeconômica de uma sociedade burguesa e autoritária.

Feita essa pequena exposição, voltemos à “A Montanha Mágica”. Concebida antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, foi interrompida durante o processo do conflito, levando o autor a mergulhar numa grande avaliação da sociedade burguesa, incluindo suas fontes de destruição. Thomas Mann apoiou a guerra, diga-se de passagem, mas é bom que se diga também que os motivos da eclosão dessa hecatombe foram muito diferentes da Segunda Guerra Mundial, a qual ele não apoiou e foi contra ao seu próprio país. Os motivos foram bem outros. Mas, um dia, explicaremos com mais detalhes, em outros posts, esse período obscuro da história humana.

Na sequência desta catástrofe humana, Mann se sentiu compelido a rever radicalmente seu romance. Ele revisitou os temas originais do trabalho-doença, morte e isolamento, a fim de analisar, em pormenor, o filosófico, sociológico e artístico que faz desencadear a catástrofe da Primeira Guerra Mundial. Em particular, Mann estava preocupado em examinar explicitamente os anos do pré-guerra, um tempo caracterizado por um tremendo fluxo de novas ideias e filosofias e confusão que acabariam por se manifestar na "guerra para terminar todas as guerras,” o conflito mais caótico e violento da história humana até aquele momento.

Muitos elementos formais desse tipo de ficção estão presentes: como o protagonista de um típico romance de formação. O personagem central nos é apresentado, é Hans Castorp, um jovem alemão com os seus vinte anos, prestes a ter uma carreira naval em Hamburgo, sua cidade natal. No entanto, antes de iniciar suas atividades profissionais, ele empreende uma viagem para visitar seu primo tuberculoso Joachim Ziemssen que está buscando a cura  em um sanatório em Davos, no alto dos Alpes suíços.

Durante a sua estada prolongada, conhece uma variedade de personagens que representam um microcosmo do pensamento do pré-guerra na Europa. Entre eles se encontram o humanista e enciclopedista Lodovico Settembrini, o jesuíta totalitário Leo Nafta, a hedonista Mynher Peerperkorn e Madame Chauchat que foi seu grande affair romântico. Sua estada em Davos permite que ele aprenda sobre arte, cultura, política, a fragilidade humana e o amor. Também integrado neste vasto romance algumas reflexões sobre a experiência do tempo, a música, o nacionalismo, as questões sociológicas e as mudanças no mundo natural.

A estada de Hans Castorp na “Montanha Mágica” lhe proporciona uma visão panorâmica do pré-guerra, da civilização européia e seus desencantos. Mann usa os personagens principais do romance para introduzir Castorp às ideias e ideologias de sua época. O autor observou que os personagens são todos os expoentes, representantes e mensageiros dos diversos campos do pensamento intelectual deste mundo moderno.

“A Montanha Mágica apresenta toda a sociedade burguesa ocidental como um sanatório e faz de seu protagonista Hans Castorp, um rapaz singelo, contraponto deste mundo doentio. Castorp, a despeito de sua ingenuidade, é o único a encarar sua doença com fascinação pela morte característica deste mundo pré-guerra, como uma crise espiritual. Assim, assumindo-se como doente, inicia uma exemplar busca pela cura. Ele é o único a procurar pela “água da vida”, à qual Thomas Mann dá o epíteto de “alquímico”. Foram três semanas que Hans Castorp pensou em passar lá em Davos e acabou ficando sete anos de encantamento.

Esse mundo doente lá em cima das montanhas é de uma força e de uma coesão a ponto de alienar completamente a vida ativa. A montanha mágica tornou-se o canto do cisne de uma forma de existência. É nessa febril montanha que o nosso herói abraça aventuras. Hans Castorp ultrapassa sua devoção inata diante da morte e todo escuro misterioso da vida, mas as inclui sem se deixar dominar espiritualmente por ela.

Em “A Montanha Mágica”, o herói realmente cumpriu a sua meta? Sua formação o ensinou a dirigir de uma forma evasiva, diferentes visões de vida, mas também roubou-lhe o vigor para encontrar o caminho do meio entre teoria e prática. Paga o preço formidável da esterilidade por sua paquera prolongada com o mundo dos sonhos de encantamento estético e sensual no sanatório.

Se por um acaso a Primeira Guerra não tivesse acontecido, Castorp teria voltado para o "mundo inferior"? Seja qual for a resposta o narrador diz sobre Hans Castor:

“Felicidade, Hans Castorp, enfermiço e cândido filho da vida! Tua história terminou; contamo-la até o fim. Ela não foi nem breve nem longa; é uma história hermética. Conta-mo-la por amor a ela e não a ti, pois tu era simples. Mas, afinal, era a tua história, e como ela te coube em sorte,deves ter certas qualidades. Não dissimulamos a simpatia pedagógica que, ao narrá-la, começamos a nutrir por ti, e que seria capaz de nos induzir a tocar delicadamente o canto de um olho com a ponta do dedo, ao pensar que nunca mais tornaremos a te ver nem ouvir.

Adeus – para a vida ou para morte! Tens poucas possibilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda por vários anos malignos. Não queremos apostar muito na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar indecisa essa questão. Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram o teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absortos na tua obra de “rei”, viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia de amor?”

A Montanha Mágica é um clássico que precisa ser lido e relido a cada dois, ou três anos. Um livro inesquecível.

Recomendadíssimo.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< As brasas Diário da queda >
A montanha mágica
autor: Thomas Mann
editora: Nova Fronteira
tradutor: Herbert Caro

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Um pequeno herói

Resenhas

Antônio: O Primeiro dia da morte de um homem

Resenhas

Drácula