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A noite dos desesperados

Para aqueles que não o conhecem, Horace McCoy foi uma dessas pessoas que não vieram à vida a passeio. Começou a trabalhar aos doze anos como jornaleiro. Serviu um ano e meio na França durante a Primeira Guerra Mundial. Foi caixeiro-viajante, motorista de táxi, guarda-costas de político. E trabalhou como leão de chácara em concursos de dança na época da Grande Depressão americana em 1929. Foi roteirista de cinema e escritor. E fundador do famoso Teatro de Dallas.

Como vocês poderão ver quando adquirirem este livro, ele foi traduzido no Brasil em 1947 simplesmente por nosso grande escritor Érico Veríssimo.

Antes de começar a falar sobre a história em questão, antecipo: o livro, que alcançou patamar de best-seller internacional, é maravilhoso. Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre classificaram-no como a primeira obra existencialista americana. Leva o leitor a conhece um dos lugares mais escuros da América. Não é à toa que Horace McCoy é considerado um dos maiores escritores americanos.

Vamos à história?

O livro é uma parábola sombria sobre a vida americana no início dos anos 30. A história segue o narrador, Robert Syverten, um jovem ingênuo que chega a Hollywood com o sonho de ser diretor de cinema. Ele conhece Gloria Beatty, que precisava de um emprego como figurante em um filme, o que lhe foi negado. Os dois se conhecem em uma manhã em que estão procurando trabalho. Até que Gloria o convence a participar de uma competição de dança. Como esse lugar era frequentado por estrelas de cinema e por produtores de estúdio, poderiam ser notados. Essa era a ideia motivacional. O concurso era realizado em um cais de diversões na praia, em algum lugar perto de Hollywood.

Os concursos eram extenuantes, duravam semanas ou meses, de acordo com a disposição física e mental dos participantes. A coisa funcionava da seguinte maneira: os participantes dançavam durante uma hora e cinquenta minutos; em seguida, vinha uma pausa de dez minutos. Cento e quarenta casais começam a competição. E ficavam apenas aqueles que aguentassem a maratona. Todos jovens e desempregados. A única benesse de todo esse esforço descomunal era que eles podiam ter comida grátis e caso vencessem ganhariam um prêmio de US$ 1.000. Não há descanso prolongado, todos têm que dançar até cair, ou morrer.

Se, durante a leitura, você se perguntar o que leva as pessoas a optarem por essa vida, a resposta ficará muito clara nas primeiras páginas, quando você conhecerá um pouco melhor os participantes e os protagonistas dessa história. Horace McCoy impiedosamente nos mostra todos os detalhes, como o cansaço, os membros doloridos e muitas outras barbaridades.

Os dançarinos, na verdade, são números. Afinal, todos os prisioneiros têm números, não é mesmo? Mas eles são livres, não são? Gloria Beatty é uma kamikaze, tentou suicídio e quase foi bem-sucedida. Perdera seu pai na Primeira Guerra e sua mãe mais tarde por doença, e foi morar com os seus tios. Seu tio tentou abusar sexualmente dela diversas vezes, e sua tia a perturbava temendo que ela pudesse passar-lhe a perna (financeiramente falando). Quando saiu de casa, foi morar em Dallas, no Texas. Seu objetivo era roubar alguma coisa para que fosse presa e tivesse roupa e comida de graça na cadeia. Em outras palavras, que a polícia pudesse cuidar dela. Os policiais a liberaram. Numa crise depressiva ingeriu veneno de rato, mas conseguiu sobreviver. Suas reflexões dão o tom de sua ausência de amor à vida.

“Me parece estranho”, disse ela, “que todo mundo dê tanta atenção para a vida e tão pouca atenção para a morte. Por que esses grandes cientistas estão o tempo todo bolando algo para prolongar a vida em vez de descobrir maneiras agradáveis de pôr fim a ela? Deve haver no mundo um monte de gente como eu, que quer morrer mas não tem coragem...” (pg23)

Mas o show não pode parar, os promotores desse evento macabro experimentam vários esquemas para aumentar a participação dos espectadores. Encenam, após a maratona, uma corrida de eliminação, chamada de derby, em que casais disputam uma corrida em torno de uma trilha e aquele que fica em último lugar é eliminado.

Todos estão vivendo os seus limites. As multidões crescem. Jornais cobrem o concurso. Alguns casais recebem patrocínios de empresas locais, geralmente sob a forma de roupas.

Personalidades de Hollywood chegam para assistir e são anunciadas pelos promotores e aplaudidas entusiasticamente. Gloria e Robert vão entendendo que essa maratona nada mais é do que a desesperada luta pela sobrevivência, o que significa vender suas almas para sustentar seus corpos e mostrar uma subserviência degradante ao público.

Os patrocinadores dessa miséria humana esperam lucrar com dançarinos desesperados. Para Beatty, só há uma fuga. Qual seria?

A noite dos desesperados” tornou-se um clássico não apenas por mostrar a vida na Grande Depressão. O livro revela como os sonhos podem ser desmoronados e como nossos egos podem trabalhar contra nós, dando-nos metas que estão além dos nossos limites para alcançá-las. Gloria quer ser atriz, muito embora não seja atraente e nem tenha talento algum. Esse não seria um tema universal? Quantos atores e atrizes sonham com o estrelato e submergem na desesperança? Todos querem ser famosos.

Os reality shows nos dias de hoje podem ser considerados similares às pistas de dança da Grande Depressão dos anos 30? Uma boa pergunta. Adoraria ter uma boa resposta. Seria essa analogia procedente?

A noite dos desesperados”, de Horace McCoy, é um livro perturbador e não é apenas um retrato de uma época.  O tema ainda continua vivo nos dias de ontem, hoje e amanhã.

Um livro que recomendo sem pestanejar e que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< A vítima perfeita Um pequeno herói >
A noite dos desesperados
autor: Horace McCoy
editora: Sá Editora

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