O sol é para todos
Harper Lee é autora de apenas um livro, “O Sol é para todos”, mas que lhe valeu o Prêmio Pulitzer de literatura em 1961.
Para ser honesto com vocês, eu conhecia a autora, mas muito pouco sobre sua vida e muito menos a sua única obra, que acabo de ler.
Adianto a todos vocês que frequentam esse espaço que é um livro simplesmente magnífico.
Antes de falar sobre a obra, falemos um pouco sobre a autora.
Fiz uma pequena pesquisa na internet e achei alguns fatos pitorescos. Harper Lee é o pseudônimo de Nelle Harper Lee. É filha de um advogado e de uma mulher que sofria de doenças mentais, fato que teve um profundo impacto em sua vida. Seu único amigo, o legendário Truman Capote, também enfrentou problemas domésticos, e os dois desenvolveram uma grande amizade a partir dessas coincidências familiares trágicas. Harper Lee queria ser escritora, mas havia muitos obstáculos financeiros. Segundo aquela máxima que diz “onde há uma vontade há um caminho”, acabou conseguindo.
Formou-se em direito pela Universidade do Alabama, trabalhou em companhias aéreas, até encontrar o caminho da escrita, com o lançamento de "O sol é para todos" em 1960. O livro fez um tremendo sucesso e até hoje encanta leitores do mundo todo.
Foi adaptado para o cinema em 1962, com Gregory Peck no papel de Atticus Finch – o advogado que desafiou convenções em nome da justiça e da igualdade racial –, abocanhando um Oscar de melhor ator.
“O sol é para todos”, que foi traduzido para vários idiomas, tornou-se um símbolo. Uma curiosidade interessante é que no livro existe um personagem chamado Dill com uma imaginação extremamente fértil, que foi baseado em seu amigo Truman Capote (autor de sucessos como “Bonequinha de Luxo” e “A Sangue Frio”) que, com pais divorciados, ia passar as férias na casa das tias, ao lado da família Harpper.
Depois da publicação de “O Sol é para todos”, Harper Lee o acompanhou ao estado de Kansas para ajudá-lo na pesquisa para o livro “A Sangue Frio”, baseado em fatos reais. Harpper Lee tornou-se reclusa, um silêncio autoimposto após o sucesso estrondoso do seu romance de estreia, assim como o escritor Jerome David Salinger, autor do livro “O apanhador do campo de centeio”. Nunca mais deu entrevistas. Sua última aparição aconteceu em 2007, quando recebeu das mãos de George Bush a medalha da Liberdade.
Vendeu seu apartamento em Manhattan e fixou-se em sua cidade natal, Monroeville, onde vive num lar de idosos, cada vez mais afastada de curiosos. E ainda continua em silêncio. Vamos ao livro?
“O Sol é para todos” fala sobre a vida no sul dos Estados Unidos nos anos 30 do século XX durante a grande depressão. A história cobre um período de três anos, durante as quais os personagens passam por mudanças significativas. Maycomb é uma cidade fictícia situada no Alabama. Cada família tem a sua posição social e todos são a continuação dos antepassados, cultivando os mesmos valores antiquados.
Para termos uma ideia de que tipo de cidade que Harper Lee descreve, basta lermos o que ela escreve na voz de Scout, a narradora do livro:
“Maycomb era uma cidade antiga, mas quando a conheci, era antiga e decadente. Quando chovia, as ruas viravam um lamaçal vermelho; o mato crescia nas calçadas e o tribunal parecia afundar no meio da praça. De alguma maneira, fazia mais calor; num dia de verão, os cachorros pretos penavam, mulas ossudas atreladas a carroças abanavam o rabo para espantar as moscas na sombra escaldante dos carvalhos da praça. Às nove da manhã, o colarinho duro dos homens já estava mole. As mulheres tomavam um banho antes do meio-dia e outro depois da sesta das três da tarde; mesmo assim, ao anoitecer pareciam aqueles bolinhos que costumavam ser servidos nos chás com cobertura de suor e talco perfumado.” (pg14)
Ela enfatiza o ritmo lento do Alabama, o calor e os valores antiquados da cidade. Essa descrição situa Maycomb na mente do leitor como um lugar sonolento cercada de pobreza generalizada, o que indica o período da grande depressão vivida pelos americanos nessa época. Atticus Finch é advogado da cidade de Maycomb e pai de Scout e Jem, um homem que reflete a vida de uma maneira bastante descomplicada e que se orienta por alguns princípios muito firmes.
“– Em primeiro lugar Scout – ele disse -, se aprender um truque simples, vai se relacionar melhor com todo tipo de gente. Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela -É? - Precisa se colocar no lugar dela e dar umas voltas.” (pg43)
Atticus era um homem que sempre se pautou por princípios liberais e humanitários, e o único momento que se referiu à palavra pecado foi quando seus filhos ganharam espingarda de ar comprimido de presente diz: “Preferia que você atirasse em latas no quintal, mas sei que vai atrás de passarinhos. Atire em todos os gaios se quiser, se conseguir acertá-los, mas lembre-se: é pecado matar um rouxinol. Foi a única vez que ouvi Atticus dizer que alguma coisa era pecado e comentei com a Srta Maudie.
- Seu pai tem razão. O rouxinol não faz nada além de cantar para o nosso deleite. Não destrói jardins, não faz ninho nos milharais, ele só canta. Por isso é um pecado matar um rouxinol.” (pg118)
Essa citação, a meu ver, mostra uma das metáforas do romance: não fazem mal a ninguém, não prejudicam as pessoas, mas apenas cantam para nós com o coração. Dill (uma homenagem que Harper Lee faz a Truman Capote) é um garoto imaginativo que faz amizade com Scout e Jem e que incita seus amigos a entrarem na propriedade do Sr. Nathan Radley, onde o irmão dele, Boo Radley, vive por anos sem se aventurar a sair. No final do romance, Boo Radley se torna um indivíduo simpático, um dos rouxinóis dessa história.
O tema do livro é a exploração da natureza moral dos seres humanos. Mostra, como subtemas, a ignorância e o preconceito e o que isso representa para os inocentes.
A voz moral de “O Sol é para todos” é personificada, como já disse anteriormente, por Atticus Finch, que compreende o mal sem perder a fé na capacidade humana para a bondade. E ele tenta ensinar essa lição moral definitiva para Jem e Scout, mostrando que é possível viver com consciência, sem perder a esperança ou se tornar cínico. Dessa forma, Atticus Finch é capaz de admirar a coragem da senhora Dubose de enfrentar suas dores, mesmo lamentando o seu racismo.
O progresso de Scout (a narradora da história) como personagem do romance é definido por seu desenvolvimento gradual em direção ao entendimento das lições de seu pai Atticus.
O título do livro em inglês, “To Kill a Mockingbird”, significa a destruição da inocência. Ao longo do romance, personagens como Tom Robinson, Dill, Boo Radley podem ser identificados como mockingbirds – inocentes que foram feridos ou destruídos pelo contato com o mal.
O livro deve ser desfrutado como uma reflexão. E fiquem certos de que o livro é muito melhor do que a resenha. Mas fiz o que pude para que todos vocês sintam o terreno em que estão entrando. Um terreno onde o cinismo não é bem-vindo.
“O Sol é para todos” vai envolver você, leitor. E tenho absoluta certeza que deixará marcas. Por isso, esse livro merece um lugar de destaque na sua estante.