Os largados
Michele Serra, nascido em Roma, Itália, é escritor, jornalista, roteirista de televisão e o seu novo livro promete ser um sucesso. O motivo desse sucesso deve-se ao tema por ele abordado: as dificuldades de comunicação e entendimento entre ele, pai, e seu filho, que vive, segundo o narrador, no fuso horário de Anchorage, no Alasca.
O conflito de gerações não é um tema novo. Esse conflito sempre existiu, mas os avanços tecnológicos dessa época em que vivemos, que influem de uma maneira significativa nas relações sociais e familiares, estão tornando as gerações mais distantes.
Jovens e velhos, dois mundos, duas sociedades que não conseguem se comunicar. Explorar esses universos paralelos, com suas fraquezas e suas aspirações, parece algo impossível. Será?
Antes de entrar na história propriamente dita, devo dizer que adorei o livro. Existe uma ironia fina e ao mesmo tempo amarga, que torna-se impossível não dar umas boas risadas. Acho que esse livro serve tanto para os jovens como para os não tão jovens assim, ou seja, como eu, os velhos. Ter a opinião de um jovem ou uma jovem sobre este romance seria de grande ajuda para debates aqui neste espaço. O que eu quero dizer com isso? Simples. Antes de uma guerra ser travada entre os mais novos e os mais velhos, seria importante que você, leitor(a), lesse este livro para podemos refletir se não há algum ponto de encontro possível entre esses dois mundos. A leitura faz você pensar e não é pouco não, é muito mesmo.
Nada fica em pé, o narrador faz uma análise crítica sobre os jovens, que parecem estar sempre ausentes, colados em videogames, smartphones, fones de ouvidos para música e, claro, nas redes sociais, sem ideais, mas vivendo em sua fruição anárquica autista, em que tudo que começa nunca é concluído.
O jovem, como diz o narrador do livro, está sempre dormindo quando o mundo está acordado, e acordado quando o mundo está dormindo. São “os largados”, pois estão sempre cansados, lentos, que preferem a tela da TV ao espetáculo da natureza.
Neste livro, o autor, Michele Serra, descreve uma relação de um pai, de cinquenta e poucos anos (com uma margem de erro tanto para mais ou para menos) e um filho de dezoito anos. E descreve essa relação com uma sinceridade desconcertante.
Narrado sob o ponto de vista do pai, que se pergunta e se questiona o tempo todo se esse filho é produto de seu sangue ou fruto de uma abdução marciana, um “alien”. Incapaz de entender a linguagem dos seres extraterrestres (seu filho), o narrador luta para entender o filho que gerou.
“As convenções sociais, através dos séculos e das gerações, estabeleceram mais ou menos como alguém deve se dirigir ao ginecologista da esposa, ao pedicure da mãe, ao cabeleireiro da irmã; mas não, ainda ao tatuador do filho.” (pg57)
Para abrir uma passagem que permita um diálogo mínimo é preciso que todos nos lembremos do adolescente que um dia fomos ou, em alguns casos, ainda somos, só que com alguns cabelos brancos a mais. Como assim, ainda somos? Fincamos em nossas certezas e de lá também não saímos, somos autistas em graus diferentes. Afinal, muitos de nós (pais) não conseguimos ouvir a voz do outro, só conseguimos ouvir a nossa própria voz.
E é aí que o livro vai ficando emocionante. Uma reflexão de fato se estabelece quando o pai diz: “eu sou um burguês de esquerda. Em lugar nenhum está escrito que você deve tornar-se um burguês de esquerda”. Com essa confissão o nó se desata.
“Os Largados”, de Michele Serra, é um livro que merece uma reflexão. Sobre esse livro posso dizer que existem duas notícias, uma má e uma boa. A má notícia: o trabalho de um pai é uma profissão impossível. A boa: os melhores pais são aqueles que estão conscientes dessa impossibilidade.
Em “Os Largados” o autor nos coloca de frente ao espelho, de frente à angústia generalizada dessa nova era em que vivemos, ou seja, a era da evaporação dos valores.
Um fato fica claro no livro: todos nós, os mais velhos, tivemos sonhos, e cada um com o seu próprio passado para trás, com seu contexto histórico-social, cada um com as suas modas e suas próprias canções. Nenhuma geração foi isenta da adolescência. No entanto, algo muda ao longo do tempo.
Um campo que já foi vazio torna-se um conglomerado de fábricas, uma pequena cidade se torna uma grande cidade. O tema é universal e interessante, e nos atinge de uma forma ou de outra. Mas os personagens deste romance são apenas uma parte do que é a nossa sociedade de hoje. Mas, afinal, existem saídas? Leia o livro.
Fico por aqui e indico esta obra maravilhosa. E não é à toa que o livro está fazendo sucesso em todas as livrarias brasileiras e europeias. Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.