O jardim de cimento
Implicâncias existem e nenhum de nós está livre delas. Eu mesmo confessarei uma, mas me redimi do erro.
“Jardim de Cimento” foi o primeiro livro escrito pelo premiado autor britânico Ian McEwan. Foi originalmente publicado em 1978, e, confesso: nunca havia alimentado simpatias por esse escritor. A coisa era gratuita, boba, tipo, “nunca li e sempre detestei”. O motivo igualmente banal, eu não agüentava mais ouvir as pessoas dizendo com uma quase empáfia, aquele lugar comum dos afetados: “eu amo McEwan”. Tudo isso me deixava um pouco desconfiado. Até que certa vez, um cliente, de passagem pelo Brasil, e que nunca mais vi, me garantiu que o cara era bom. Bom mesmo. Foi a única vez em que trocamos algumas palavras. Mas foi o suficiente.
Pois bem, devo dizer que estava redondamente enganado. E que o preconceito que alimentava, além de fútil era injustificável. Ian McEwan é um grande escritor - e dos bons. E desde então, já li alguns. Mas “Jardim de Cimento” está entre os meus favoritos. E vamos ao livro.
Quatro crianças, com as seguintes idades: Julie, dezessete anos; Jack, quinze anos; Sue, doze anos e Tom, com seis anos de idade, se encontram numa situação de luto e sobrevivência.
Jack é o personagem principal e narrador, através dele a história é contada, como uma lente sobre a família. Ele é desafiador, chora minado por violentas explosões e sofre pela incapacidade de controlar seu temperamento. É quase um animal em cativeiro, refletindo o sentimento de aprisionamento que dita sua vida. Não toma banho e masturba-se duas vezes ao dia, tem o cheiro do seu próprio ambiente, exala seu próprio pesadelo. Assim, vive numa fantasia interior claustrofóbica com seus heróis de ficção científica e fantasias eróticas criadas por ele para driblar a realidade que lhe foi imposta.
O segredo da eficácia do romance está na descrição dos acontecimentos dentro do mundo mental das crianças envolvidas sobre o olhar de Jack. A introversão oriunda da solidão, numa periferia branca e decadente de uma cidade britânica qualquer é uma pista importante para entendermos essa família. Mas fica por aí. Nada nos é fornecido sobre suas origens. O jardim em ruínas e o ar de degradação urbana dão a atmosfera desse ambiente que mistura mato, terreno baldio, apartamentos modernos, onde mora essa família afastada de tudo e de todos numa paisagem desolada e decadente. Não há no texto nenhuma menção ao tempo e lugar.
Concluindo, podemos dizer que o romance “Jardim de Cimento” é o reflexo de um cenário urbano e anônimo onde o mundo individual e mental advém do isolamento e da falta de oxigênio social. O leitor sente a tragédia e a tristeza, sente a doença psíquica que todos estão vivendo, mas não há como parar.
E chega-se a última página do livro com a certeza de ter lido um grande romance.
E agora redimido: “eu também amo McEwan”.