Limonov
Limonov, do escritor Emmanuel Carrére, é perturbador, mas convenhamos é simplesmente maravilhoso. Para início de conversa Limonov não é um personagem de um livro de ficção nem muito menos um escritor russo que morreu na ditadura de Stalin, ou assassinado pela KGB. Nada disso confere. Limonov é um escritor contemporâneo, sua maior obra é ele mesmo. E posso garantir: seu lugar na literatura francesa está garantido entre os grandes na atualidade. E a biografia de Limonov é simplesmente fantástica. O trabalho é incompleto, pois o personagem Limonov ainda (graças a Deus) está entre os vivos. É provável que, quando ele vier a falecer, ainda ganhe uma versão 2.0. Até porque Limonov nesse último dezembro foi preso.
Como esse personagem real mesmo se autodefine?
“Eu sou um encrenqueiro, uma pessoa perturbadora.” No livro as paixões não são suavizadas, a leitura pode ser encarada como um pretexto ideal para rever a história dos últimos 50 anos do século XX, com esse (anti-)herói que vive sempre no limite namorando com o abismo.
O livro é a biografia de um personagem, como já disse anteriormente, pouquíssimo conhecido entre nós. No entanto, a narrativa é de um romance de aventura. Um personagem ultrajante, o autor fala sobre si mesmo e nos dá um retrato bem particular dessa Rússia de Putin. Em um momento pós-ideológico em que vivemos, quando as fronteiras do bem e do mal são pouco claras, Emmanuel Carrére nos oferece fartos argumentos para que essa desorganização seja entendida minimamente. E ele não faz por menos. Vai fundo. E pode ter a certeza de que muitas convicções sobre a guerra dos Balcãs, onde Limonov se meteu, vão mudar algumas certezas que construímos ao longo desses anos.
Mas vamos ao início. Eduard Limonov é um personagem real nascido dez anos antes da morte de Stalin em 1943, nasceu em plena luta dos russos na batalha de Stalingrado. Mas é natural de uma cidade industrial no rio Oka, perto de Nizhny Novgorod. Em 1947, quando Eduard era pequeno a família se mudou para Kharkov, a cidade na Ucrânia, onde Limonov iria crescer.
Em 1967, ele finalmente se mudou para Moscou, e viveu lá até 1974. Estudou literatura e poesia - seu professor era Arseny Tarkovsky (um poeta soviético proeminente e tradutor cujos poemas apareceram nos filmes "O Espelho" e "Perseguidor", dirigido por Andrei Tarkovsky, seu filho). Limonov conseguiu ganhar certa popularidade entre os escritores subterrâneos soviéticos.
Muito jovem viu-se confrontado a uma realidade dura. Seu meio desprovido de interesse, acabou renunciando a sua função de proletário a qual o sistema queria introduzi-lo. Acabou alfaiate e por uma inclinação como poderíamos dizer... extravagante, esculpia sua própria roupa, ilegalmente vendida. Não queria seguir o destino de seus amigos. Tudo isso por uma mentalidade conturbada que batia de frente com a corrente oficial.
Aliás, não era apenas contra a corrente oficial que ele se rebelava, mas também contra as contracorrentes.
Sua mãe era fria, distante e não gostava de exibir afetos. E tudo isso para endurecê-lo. O pai não fora a guerra; monitorava uma fábrica de armas. E para o nosso herói o passado do seu pai era uma vergonha para ele. Até que um dia em uma estação viu seu pai com outros oficiais desesperadamente comuns e passivos, embarcar em um trem de prisioneiros de campo de concentração de trabalhos forçados. Para Eduard Limonov os prisioneiros tinham mais convicções, enfim, eram mais nobres que seu pai. Rejeitava seu pai e sua tarefa.
Acaba se tornando um bandido, mas com uma aura inteligente, um poeta do submundo. Ele iria abraçar a totalidade da experiência humana e não a forma mística dos profetas, mas como kamikaze, totalmente inconsciente de suas ações. A lista de suas aventuras é extensa. Sempre se relacionando com belas mulheres, encontrou uma modelo e foi morar em Nova York. Se prostituiu para clientes negros. Acabou morando na casa de um bilionário em Manhattan onde se tornou homem de confiança. Ele começa a escrever suas histórias que tem sua vida como foco. Sua escrita teve várias avaliações. Para uns era um grande escritor, para outros, nem tanto. Seus livros são recheados de palavrões. Sua escrita o fez sobreviver tanto do lado financeiro como do lado narcísico.
Limonov tinha certos problemas com os escritores dissidentes da Rússia stalinista. Não gostava de Nabokov, por razões estéticas e ressentimento de classe. Não gostava de Solzhenitsyn, pelo ar de santidade que o escritor assumia em suas aparições e declarações políticas. Limonov era um iconoclasta. Mas sua lista de desafetos era bem extensa, Sakharov que recebeu o prêmio Nobel de física.
De Manhattan emigrou para Paris para se transformar em escritor boêmio “cool”, depois foi abraçar a causa sérvia como um soldado durante a guerra nos Balcãs e, em seguida, encontrou a sua força política para desafinar o coro dos contentes com o novo regime russo. Foi acusado de promover um golpe de estado no Casaquistão, e ao mesmo tempo fazendo uma coalizão política com Gary Kasparov (famoso campeão de xadrez) para defender os novos excluídos da Rússia contra Putin.
Foi um dos criadores do Partido Nacional Bolchevique, os nasbols, que entre outras coisas flertavam com os nazistas, e mais tarde a suástica foi substituída pela foice e o martelo. Sua tropa de choque era de skinheads, punks, todos vestidos de preto.
Edward Limonov foi uma mistura de Jean Genet, Celine e Rimbaud. Refiro-me ao estilo de vida adotado por esses escritores. Não conheço a obra de Limonov. Emmanuel Carrére me fez acreditar que essa liberdade vivida por esse personagem real é sincera. Suas confusões ideológicas fazem parte da atualidade.
Paro por aqui querendo muito continuar. Mas não posso. A única coisa que poso ainda dizer é: o livro é sensacional. Não quero cortar a viagem de ninguém. E que cada um tire suas próprias conclusões. O livro é eletrizante, vencedor dos prêmios Renaudot, da língua francesa e Prix dês Prix 2011. Limonov, de Emmanuel Carrére, é um livro que merece um lugar na sua estante.