Dostoievski: As sementes da Revolta - 1821 a 1849
Quem conhece o site Bons Livros para Ler sabe que Dostoiévski é o autor que sempre mereceu um lugar na minha e na sua estante. Conheço alguns livros desse autor maravilhoso, que influenciou a literatura moderna no século XIX. Eu prometo a vocês que tudo que estiver traduzido para português desse autor estará presente aqui neste espaço literário. Devo dizer que ainda faltam muitos livros, como, por exemplo, “Gente Pobre”, o primeiro livro de Dostoiévski, que eu ainda não li, mas farei o possível para ler e resenhar aqui para todos vocês. Além de muitos outros.
Dostoiévski enfeitiçou muitos artistas importantes. Existe uma legião de escritores, cineastas e artistas fascinados por ele. Podemos enumerar aqui alguns escritores, como Joseph Conrad, Franz Kafka, Albert Camus; filósofos, como Cioran; cineastas, como Alfred Hitchcock, Kurosawa, Robert Bresson, Luccino Visconti, Martin Scorsese, Woody Allen. Esses são os que me vem à cabeça agora, fora aqueles que não me vêm à memória
Mas qual o motivo dessa legião de grandes artistas ser influenciada por Dostoiévski? Penso que esse fascínio pode ser explicado em parte pela maneira original como a escrita de Dostoiévski coloca os leitores face a face com o mistério da natureza humana. E isso Joseph Frank deixa claro em seu livro “Dostoiévski: As Sementes da Revolta – 1821-1849”.
A biografia de Joseph Frank é uma das mais notáveis já publicadas na segunda metade do século XX sobre Dostoiévski. No prefácio, Frank fala sobre o encontro com a literatura de Dostoiévski pela primeira vez, na década de 1950, quando foi convidado para dar uma série de palestras no Christian Gauss Seminars, na Universidade de Princeton. Na época do período pós-guerra (como ele próprio diz no prefácio), ele estava interessado por temas existencialistas, na literatura moderna, começando com uma análise das Notas do Subsolo de Dostoiévski. Seu fascínio foi tanto que ele deixou o seu tema original de pesquisa decidiu, em vez disso, aprender russo e escrever um livro sobre Dostoiévski.
De 1970 a 2010, Joseph Frank se dedicou a escrever uma biografia de três mil páginas em cinco volumes, na qual explora a vida, a época e a obra de Dostoiévski como um processo que ocorre no contexto sociocultural da época em que viveu. Ele estuda como os primeiros trabalhos prenunciaram os posteriores, ou seja, os romances que causaram mais impacto, como, por exemplo, “Crime e Castigo”.
Mas, nesse primeiro livro, “As Sementes da Revolta”, Joseph Frank, vai abordar as primeiras obras do autor, como “Gente Pobre” , “O Duplo”, entre outros.
Na verdade, uma coisa precisa ser dita. Joseph Frank é muito mais um historiador cultural do que um biógrafo. Ele nos mostra que é impossível fazer uma leitura exaustiva da narrativa de Dostoiévski sem uma compreensão detalhada das circunstâncias culturais em que os livros foram concebidos.
O objetivo de Joseph Frank é mostrar como os romances de Dostoiévski surgiram no mundo pessoal e sociocultural em que ele viveu. O primeiro volume vai de 1821 a 1840, não se concentra em minúcias nem se concentra em fragmentos de material conhecido, como, por exemplo, um encontro que aconteceu numa manhã de maio em Moscou. Não. Tudo que está relacionado à sua vida é tratado com rara e escrupulosa atenção ao desenvolvimento da arte de Dostoiévski. Como, por exemplo, seu polêmico envolvimento com a política na Rússia de sua época, as grandes tentativas de determinar a natureza do caráter nacional russo e as muitas decepções de sua carreira tumultuada de escritor.
O primeiro volume (1821 – 1849) prepara o palco. Mostrando a vida familiar de Dostoiévski e sua formação inicial, de forma alguma podem ser consideradas como anormais. A família era devotamente e convencionalmente cristã. Ao contrário da opinião de alguns, Dostoiévski foi um cristão durante toda a sua vida, todas as suas dúvidas, vacilações e transformações pessoais seguiam a cartilha cristã. No entanto, por baixo de todo o convencionalismo, havia tensões, cuja consciência apenas aguçou sua tendência romanesca posterior de ver, por baixo das aparências superficiais, o inferno que convive com cada ser humano. Especificamente do homem russo.
Para Dostoiévski, a vida em família nunca seria calma e serena, algo como dado e aceito de uma maneira resignada. Pelo contrário, a vida em família era um campo de batalha, um confronto de vontades, tal como aprendera a detectar na vida secreta dos pais.
“O Dr Dostoiévski era um homem de muitos defeitos, mas é oportuno declarar enfaticamente que ele não tinha a menor semelhança com o cínico e dissoluto patriarca da família Karamazov. Era um médico dedicado ao trabalho, cuja a capacidade profissional era tão apreciada pelos seus superiores que, quando decidiu aposentar-se, ofereceram-lhe uma polpuda promoção para demovê-lo da ideia (o que torna duvidosa de que era um notório alcoólatra). Era também um marido fiel, um pai responsável e um cristão devoto. Essas qualidades não transformavam um ser humano simpático ou fácil de gostar, mas suas virtudes foram tão importantes quanto os seus defeitos na determinação do ambiente em que cresceu Dostoiévski”(pg 41)
Para um garoto que se transformou em adolescente destinado a tornar-se famoso, sua família foi uma grande escola. Ter sido criado numa família que resguardava a visão alheia foi fundamental para aquele adolescente que aprendeu a fustigar e a intuir e ao mesmo tempo decifrar os comportamentos ocultos de sua família. Essa compreensão das complexidades da psicologia humana sempre foi a marca de Fiodor Dostoiévski, ou seja, cultivar o sentimento de fascinação e horror pela tentação ao sacrilégio.
A religião se confundia de modo natural com as mais excitantes experiências de sua infância, com os acontecimentos que se destacavam na sua rotina. Causa de grande orgulho e satisfação social.
“Na Rússia, como nos lembra um estudioso de sua época eclesiástica, “ os elementos nacionais e religiosos foram abraçados muito mais intimamente do que no Ocidente” As lutas dos russos contra os invasores estrangeiros” e um dos principais marcos dessa simbiose é o Kremlin. As lutas dos russos contra os invasores estrangeiros – tártaros, pagãos, turcos muçulmanos; católicos alemães ou poloneses, luteranos suecos – sempre foi travado em nome da religião ortodoxa. No início do século XIX, dois poderosos sentimentos- ideias, o nacionalismo e a religião, tinham-se tornado inseparáveis da história dos russos há mais de mil anos. Não é difícil imaginar como esses elementos devem ter-se combinado com a consciência de Dostoiévski durante essas excursões da infância, formando uma inextricável mistura de fervor e devoção que mais tarde foi impossível separar” (pg 77, pg 78)
Em parte da aristocracia russa, a religião foi introduzida nas famílias através dos criados, que levavam às crianças os ensinamentos de sua cultura nativa e os profundos sentimentos religiosos do sentimento popular.
E foi Alexander Puchkin (o grande poeta russo) que atribuiu a sua ama de leite o contato cultural entre ele e os seus serviçais camponeses, imortalizando em suas obras esse contato na vida de tantos russos educados.
Para Dostoiévski, não havia uma separação entre o sagrado e o profano, entre o ordinário e o milagroso; a religião para ele nunca se reduziu a determinados rituais ou festividades periódicos. Sua vida cotidiana era controlada pelas mesmas forças sobrenaturais que, de uma forma mais ingênua e supersticiosa, dominavam a mentalidade comum russa.
Dostoiévski estudou na Academia de Engenharia Militar, por insistência de seu pai. Seu pai, que já estava aposentado e sobrecarregado pelas condições financeiras difíceis, devido a uma fazenda que precisava ser administrada, não conseguia manter as necessidades de dinheiro quando seu filho era ainda estudante.
Quando sua mãe, Marya Feodorova, morreu, o jovem Dostoiévski rompeu o mais forte fio emocional que o ligava a Moscou, mas o conflito interno entre o desejo de partir e a desolação da falta de perspectiva à frente pode ter sido responsável pela misteriosa doença que o atingiu pouco antes de sua partida para a Academia de Engenheiros Militares.
Fyodor Dostoiévski era o segundo filho da família. Em 1938 foi mandado pelo pai para estudar na Academia de engenharia de São Petersburgo. Seu pai estava determinado a empurrá-los para carreiras seguras, apesar de Dostoiévski querer ser escritor.
No entanto, além dos requisitos da matemática e engenharia, a Academia de Engenheiros Militares também ofereceu a Dostoiévski uma educação humanística para futuros oficiais do Exército Russo. Foi na Academia, nos primeiros dois anos de estudos, que Dostoiévski assistiu a palestras sobre religião, história arquitetura civil, língua e literatura russa e francesa e também aulas de alemão.
Em 1839, o pai sofreu um derrame parcial vindo a morrer em junho desse mesmo ano. Todos os biógrafos presumiam até os tempos modernos que o pai tinha sido assassinado em sua pequena propriedade rural por camponeses indignados com sua severidade para com eles. Joseph Frank, no entanto, mostra novas evidências importantes de que o pai morreu na verdade por um ataque apoplético, e não nas mãos de um assassino.
Fyodor Dostoiévski, durante toda a vida, acreditou que o pai tivesse sido assassinado e, portanto, assumiu um forte golpe de culpa parricida, pois os camponeses que – assim imaginava – mataram seu pai estavam apenas representando um impulso que ele certamente sentira.
Freud analisa primeiramente as inclinações criminosas de Dostoiévski: essas se manifestavam em suas tramas literárias, no imaginário de suas construções fantasistas e no caráter de seus personagens. Peguemos o exemplo de Raskonikov, Ivan e Dimitri Karamazov, e Stávroguin. São personagens violentos, com sentimentos homicidas e egoístas, que fazem com que Freud creia que Dostoiévski tivesse essas tendências, mas gerando nele um sentimento de culpa.
Essa tese de Freud é contestada por Joseph Frank. Segundo Frank, Freud criou uma lenda em torno da infância de Dostoiévski. A origem dessa lenda, segundo Frank, consiste em uma nota de rodapé inserida na biografia de Orest Miller, publicada em 1883. Ele observa que a epilepsia de Dostoiévski, que se vincula ao trágico acontecimento na vida de Dostoievski, ou seja, a morte de seu pai.
Joseph Frank chama a atenção para o fato de que a interpretação mais plausível para essa nota de rodapé se refira ao assassinato do pai de Dostoiévski quando o escritor tinha 18 anos, e já não era uma criança como Freud imaginava.
“A análise de Freud sobre a constituição psíquica de Dostoiévski é também muito pormenorizada, mas boa parte dela não tem nada de particularmente relacionado com Dostoiévski – poderia ser aplicado a qualquer membro masculino da raça humana. Ou seja, como pano de fundo de seu argumento, Freud desenvolve sua teoria do complexo de Édipo e da inevitável “ambivalência” da relação de todo menino com seu pai por causa de um desejo pela mãe; quando esse desejo é reprimido pela ameaça de castração ocasiona a formação de um sentimento de culpa inconsciente. (Pg 471)
“...Em consequência, autopunição de Dostoiévski “tornou- se tão terrível quanto a pavorosa morte de seu pai”. No momento em que a punição interna foi substituída pela punição externa de uma condenação ao exílio e trabalhos forçados por um ato de rebelião contra a figura do pai-czar, a pressão e o conflito interno deveria ter sido avaliada. É por isso que Freud observa, com um certo constrangimento, que “seria muito importante que se pudesse confirmar que eles [os ataques epiléticos de Dostoiévski] cessaram completamente durante seu exílio na Sibéria; mas outros relatos contradizem isso”. Algumas páginas depois, Freud reitera: “Caso se provasse que Dostoiévski ficou livre desses acessos na Sibéria, só isso bastaria para comprovar que seus ataques eram sua punição”(pg 477)
“... É razoável supor que Freud tinha conhecimento da distinção entre os dois tipos de doença, mas tende a confundi-la em favor de seu argumento. De fato, se, de um lado, ele admite em certo momento que” não se pode[...] provar que os ataques epiléticos abrandaram na Sibéria” (afirmação que implica, é claro, que algum indício menos incisivo do que uma “prova” levava-o a pensar o contrário), de outro, observa que “parece certo que a detenção de Dostoiévski na prisão Siberiana alterou de maneira acentuada sua condição patológica”. Essa última frase é verdadeira no que diz respeito a sua “doença nervosa” de Dostoiévski. Mas para um leitor pouco familiarizado com pormenores da biografia de Dostoiévski e que é alertado por Freud a desconfiar das declarações de um neurótico, a frase cria certamente a presunção de que Freud tinha bons motivos, além da necessidade teórica, para acreditar que a epilepsia de Dostoiévski tivesse diminuído na Sibéria” (pg 478)
De todos os grandes escritores russos da primeira parte do século XIX – Pushkin, Lemontov, Gogol, Herzen, Turgenv, Tolstoi, Nekrasov –, Dostoiévski foi o único que não veio de uma família pertencente à pequena Nobreza. Esse é um fato importante e influenciou a visão que ele tinha da própria posição de escritor.
Durante o tempo em que estudou na academia, leu muitos autores românticos franceses e alemães. Mas de longe a sua influência maior e mais profunda foi Gogol.
A influência de Nikolai Gogol foi trazida à tona no início dos anos 1840. Seu trabalho inspirou os personagens visionários e prosaicos da escrita de Dostoiévski. Como Joseph Frank afirma, uma confluência de Pushkin e Gogol impele Dostoiévski para longe do Romantismo. Uma síntese do sentimento gogoliano e do prisma de Pushkin produz uma nova forma chamada “naturalismo sentimental”, uma síntese dos dois mestres e da crescente assinatura dostoiévskiana. Conforme articulado por Frank, a influência de Gogol pode ser percebida nos personagens de Dostoiévski que “rasgam o coração”.
Segundo Joseph Frank, tanto “Pobre Gente” (romance que ainda não li) como “Capote”, de Gogol (que também não li), contêm algo em comum. Em Gogol vemos o riso entre lágrimas, em Dostoiévski as lágrimas predominam.
No início de 1840, Dostoiévski ainda era um obscuro estudante de engenharia militar com vagas ambições de uma carreira literária, mas sem nada que mostrasse que tais ambições um dia seriam realizadas. Em 1845, entretanto, ele estava sendo saudado por Belinsky – a força crítica mais poderosa da literatura russa – como a mais nova revelação no horizonte literário russo.
O primeiro livro de Dostoievski foi considerado revolucionário e conseguiu se encaixar no gosto de Belinski (que era uma espécie de crítico literário mais importante da época), que dizia que a arte deveria mostrar “tendências sociais”.O sucesso de “Pobre Gente” revelou algumas coisas. Em primeiro lugar, que as preocupações sociais sempre estiveram vivas desde o início para Dostoiévski. Sua crítica à injustiça social. Mas, ao mesmo tempo, o sucesso despertou alguns de seus demônios, como, por exemplo, a megalomania.
Como aconteceu com Macbeth, seus demônios o conheceram no dia de seu sucesso, e isso o tornou objeto de caricatura. Como Rousseau, ele era uma criatura tímida e socialmente inepta. Era capaz de se sentir incomodado quando via uma mulher atraente. Ao mesmo tempo, assim como Rousseau, sua inaptidão social derivava de um alto senso de superioridade dele em relação aos outros. Mas foi o segundo livro que fez sua popularidade despencar: “O Duplo” (já li, mas não foi resenhado, mas vou ler de novo). Os elogios inebriantes do primeiro livro despencaram no segundo livro. “O Duplo” recebeu muitas críticas negativas e fizeram a sua autoestima despencar. Belinski, embora reconhecesse seus talentos, se voltou contra “O Duplo”. As alegações de Belinski (um importante crítico russo) diziam que a obra tinha um colorido fantástico, um lugar para manicômio, não para literatura. Em síntese, o tema abordado por Dostoiévski tinha que ser abordado por médico, e não na literatura, não para poetas.
Quando Dostoiévski publicou “O Duplo”, em 1846, e o livro não alcançou as dimensões do reconhecimento de sua primeira obra, “Pobre Gente”, do mesmo ano, Joseph Frank nos faz entender que nem mesmo Dostoiévski imaginava a complexidade de sua segunda novela. Ao aprofundar-se nas ”aventuras do senhor Goliadkin”, (protagonista da história), Dostoiévski estava construindo a base de seu pensamento, cuja representação perpassa parte de sua obra. Não era possível saber como o “O Duplo” reapareceria em vários outros romances e assumiria tantas outras formas, mas, ali, em 1846, Dostoiévski já encontrava uma divisão drástica de todas os personagens, uma ideia e, até mesmo, uma sociedade. Tal visão fez o poeta Máikov dizer:
“Em “O Duplo”, o estilo de Dostoiévski e seu amor pela análise psicológica expressam-se em toda a sua plenitude e originalidade. Nessa obra ele mergulha tão fundo na alma humana, perscruta com tal destemor e paixão as maquinações secretas dos sentimentos, pensamentos e ações humanas que a impressão deixada por “O Duplo” só é comparável à de um pesquisador que investiga a composição química da matéria” Essa “visão química da sociedade”, prossegue Máikov, é tão profunda que parece “inundada de uma luz mística”; mas não existe ali nada de “místico”; o contrapõem à acusação de Belínki de que “O Duplo é fantástico demais para satisfazer o gosto dos leitores contemporâneos e que personagens como Goliádkin só ficam bem no manicômio” (pg 273)
Quando foi preso, foi condenado à morte, mas antes do pelotão de fuzilamento apertar o gatilho, foi recebida uma ordem do Czar para que fosse suspendida a execução. A razão da acusação foi a adesão às ideias socialistas utópicas francesas. Dostoiévski passou quatro anos no campo de prisioneiro, e não recebeu nenhuma visita de seus familiares.
Após passar anos condenado a trabalhos forçados na Sibéria, Dostoiévski fez amigos, como Wrangel e Yakushkin, que transmitiram cartas entre ele, sua família e o velho círculo de amigos em são Petersburgo e Moscou, possibilitando-lhe, embora distante dos centros da vida social e cultural russa, saber das tendências que então agitavam a intelectualidade.
Poucas obras na literatura moderna são mais amplamente lidas do que as “Notas do subsolo”, de Dostoiévski, ou tão frequentemente citadas como um texto-chave revelador das profundezas ocultas da sensibilidade de nosso tempo. O termo “homem subterrâneo” tornou-se parte do vocabulário da cultura contemporânea, e esse personagem agora alcançou – como Hamlet, Dom Quixote, Don Juan e Fausto – a estatura de uma das grandes criações literárias arquetípicas.
A partir de um retrato da juventude de Dostoiévski, podemos discernir qualidades emergentes que o alinham com outras figuras significativas de um gênio religioso e artístico. Dotado dessa sensibilidade hiper-imaginativa, tinha a capacidade de se identificar inteiramente com o que estava lendo, fosse literatura russa ou um romance gótico.
A mistura do universal com o particular que caracterizam as “Memórias do Subsolo”, por exemplo, não pode ser entendida a menos que se entenda as intenções polêmicas que os animam, ou seja, nesse caso, dramatizar seus temas morais e espirituais usando a história russa como pano de fundo.
“Dostoiévski: As Sementes da Revolta - 1821 a 1849”, de Joseph Frank, é o primeiro livro (de cinco livros que ainda virão) dessa imensa e relevante obra de Fiodor Dostoiévski. O autor dessa, vamos chamar de biografia, que na verdade é mais como um historiador cultural, nos oferece um fio condutor e a certeza da necessidade da reconstituição do contexto histórico. Joseph Frank realizou um trabalho de fôlego, onde as fontes documentais ultrapassam a ficção. Ele se esforça para delimitar com precisão aquilo que pertence ao terreno dos fatos e o que pertence ao terreno da especulação. Dessa forma, a biografia busca compreender a obra e a vida de Dostoievski fincada a partir de um método histórico, trazendo fontes de pesquisas variadas para o seu trabalho.
“Dostoiévski: As sementes da Revolta: 1821 – 1849”, de Joseph Frank, é um livraço que merece um lugar de honra na estante daqueles que admiram Dostoiévski.