Boneco de neve
A primeira vez e única que visitei a Escandinávia em 1982 uma cena me chamou atenção. Era inverno. E a noite começava a partir das 14 h da tarde. Um frio e muita neve no chão. Um sol ralo sem vida esquentava aquela cidade. Entrei em um bar cheio. E vou revelar para vocês outra coisa que me chamou atenção. Estava silencioso. Não se ouvia nada. Parecia que estava entrando em uma dimensão totalmente diferente. Parecia que estava dentro do museu de cera Madame Tussauds. Lembro-me que um amigo em tom de piada me disse: “O carnaval existencial dos noruegueses é animado, não?” Era fim de janeiro, perto do carnaval no Brasil. Essa foi a imagem que ficou de mais impressionante marcada em minha memória sobre aquela cidade chamada Oslo. Não falo isso para desmerecer o povo norueguês, de maneira alguma. Adorei a viagem. Pessoas educadas, lindas. Mas senti algo que nunca tinha visto em lugar algum. Nem em Copenhagen. Uma melancolia infinita.
É bom que se diga que a existência da violência dos nórdicos tem uma característica muito particular, mas nada que se compare a nossa carnavalesca e feliz violência. Um dado que verifiquei no Google é que no Rio de Janeiro entre 1990 e 2013, um número assustador de pessoas desapareceu. Agora se preparem para estatística cruel. Preparados? “Foram mais de 90 mil desaparecidos no estado nos últimos 23 anos, mas não se sabe quantos estavam sob custódia policial”, afirma o sociólogo Fábio Araújo. Em outras palavras, somadas todas as ditaduras latino-americanas, nos “chamados” anos de chumbo, não cobrem esse número avassalador. Portanto, ao ler os livros sobre os crimes cometidos nos romance policiais nórdicos, recomenda-se não ter complexos de superioridade com os nossos, ok?
O livro Boneco de Neve do escritor Jo Nesbo definitivamente não deve ser lido por aqueles que sofrem de doenças cardíacas. O livro é macabro e perturbador. Com um roteiro ágil, hábil e com sequências de ações repletas de adrenalina e uma série de questões sociais levantadas ao longo das páginas que se sucedem. O protagonista dessa trama tem no inspetor Harry Hole um homem de difícil trato principalmente com os seus superiores. Harry Hole tem pavio curto, não é daqueles que chegam na hora certa no trabalho. As mulheres de sua vida gostam dele, mas não o admiram. A única coisa que pode ser dita a seu favor que ele é o melhor na profissão.
Outro detalhe que pode ser dito a seu favor é que ele persegue os assassinos com um fervor quase mítico, uma fúria desmedida de um descendente de Thor. Ele não dá descanso. E muito menos descansa. Ele obedece aos seus instintos primários básicos. Mas é com a inteligência que ele se locomove e apura os fatos. Sempre pronto para dar o bote final. É uma lenda no departamento de polícia em Oslo, na Noruega.
Em “Boneco de Neve” Harry Hole vai ter que se deparar com um assassino em série. Só que esse psicopata faz questão de deixar a sua marca indelével. E qual é a sua marca? Um boneco de Neve. Suas vítimas são mulheres. E tudo começa numa noite de novembro em Oslo, a neve começa a cair. Um menino acorda e não vê sua mãe, ele descobre pegadas molhadas na escada. E na medida em que o sentimento de horror vai crescendo, e cada frase vai sendo lida, o menino olha na janela do quarto. Um lenço de sua mãe de cor rosa envolta em um boneco de neve sob a luz do luar. Após essa abertura que é de gelar o sangue, fica a questão como vou sair desse livro? Não há jeito. Você já foi pego.
Harry Hole tem um novo desafio, dessa vez no interior do próprio Departamento de Polícia. Sua nova parceira Katrine Bratt, que pode ser tudo aquilo que Harry Hole está precisando, ou seja, uma pessoa que goze do respeito desse policial cheio de paranoias. Será? Pela primeira vez em sua carreira Harry se vê confrontado com um assassino em série que opera em seu território, assassino que vai levá-lo à insanidade que o transforma em um peão de um jogo mortal.
Mas se você pensa que o assassinato narrado foi apenas um caso isolado, é bom “take the little horse from rain.”Mães e esposas podem desaparecer em dia de nevascas. Mas dessa vez ele recebe uma carta do suposto assassino, um assassino que se autointitula, e assina suas obras como “boneco de neve”. Alguns dias depois, outra descoberta macabra é feita: a cabeça decepada de outra mulher, colocado em cima de um boneco de neve.
Para as mulheres que são ameaçadas uma cartinha simples com os seguintes dizeres para esse psicótico: “você vai morrer, por que você é uma puta.” Se você está pensando que tudo se resume a isso. E ponto final. Não caia nessa onda. Siga em frente. Algo em comum existe entre as vítimas, Harry Hole descobre um tema que une todos os assassinatos. E qual é o tema? Será que é isso que você está pensando? Pense de novo, pois talvez não seja bem assim. Até por que muitos suspeitos estarão diante de você leitor. E você vai se afobar em dizer: pronto. É esse! É seu direito lançar suspeitas nesse livro. Todos são suspeitos.
Jo Nesbo dá uma aula de suspense. Martin Scorsese já se rendeu a esse grande escritor de suspense, e em breve na telona um filme sobre o livro “Boneco de Neve” estará nas salas de exibições de filmes. Mas como sempre digo. É melhor você ser o diretor de sua tela mental do que assistir ao filme feito por outro diretor. Seja você mesmo o diretor do seu filme e leia “Boneco de Neve.” Um livro que merece um lugar na sua estante.