Expurgo
A república da Estônia é um dos três países bálticos, situado na Europa setentrional, constituído por uma poção continental e um grande arquipélago no Mar Báltico. Esta república se situa entre a Finlândia, Rússia, Letônia e a Suécia.
Para entendermos a história do livro Expurgo, de Sofi Oksanen, Editora Record, é necessário contextualizar historicamente esse país e os fatos ocorridos no início do século XX, para que o leitor possa ler sem sofrer “solavancos”. Então, vamos fazer uma viagem no tempo...
Nosso cenário é a antiga Rússia, estamos em plena Segunda Guerra Mundial e depois de existir como um país independente há 21 anos, a União Soviética ocupou e anexou a Estônia, em julho de 1940. No período de 1941 – 1944, a Estônia foi ocupada pelos nazistas alemães. De fevereiro a novembro de 1944, as forças alemãs foram expulsas pelo Exército Vermelho. O regime soviético foi restabelecido pela força e a "sovietização" trouxe diversos danos à sociedade. A coletivização forçada da agricultura começou em 1947, e foi concluída após a deportação em massa de milhares de camponeses e opositores ao regime, em março de 1949.
As autoridades soviéticas confiscaram as fazendas privadas e fizeram os camponeses trabalharem em fazendas coletivas. Havia um movimento armado nacionalista e ativo até o início das deportações em massa, e mesmo com apoio de muitos, foi massacrado. A maioria que escapou com vida foi condenada a longas penas de prisão. As ações punitivas diminuíram quando Stalin morreu e alguns puderam regressar depois da morte do ditador. Prisões políticas e outros inúmeros crimes contra a humanidade foram cometidos durante todo esse período de ocupação até o início de 1990. A tentativa soviética de integrar a sociedade Estoniana ao seu sistema fracassou e apesar da resistência armada ter sido triturada, a população manteve-se "anti-soviética", até recuperar sua independência em 1991.
Com a desintegração da União Soviética começou a surgir um novo contexto mundial que foi revelado pelo Wikileaks - a máfia russa composta por ex-membros da KGB. Estônia, Letônia e Lituânia pediram proteção extra à OTAN contra esse novo fenômeno, mas a máfia russa estava presente em todos os lugares da Europa.
Com essa breve introdução, acredito que o leitor poderá ler esse livro com um pouco mais de tranquilidade, pois ficará mais fácil entender certos fenômenos históricos citados no romance. E vamos ao livro.
Os autores nórdicos estão fazendo história, mostrando uma safra de grandes escritores. Sofi Oksanen publicou o romance “Expurgo”, em 2008, e foi lançado aqui no Brasil em 2012. Recebeu vários prêmios literários na Finlândia e França. O livro foi traduzido para quarenta idiomas e deve ir para as telas em breve. Definitivamente não é um daqueles livros que podemos rotular como "alegre". "Expurgo" carrega nas tintas sobre várias épocas passadas na Estônia. O livro é inteligente, nos relata de forma crua o comportamento humano face às injustiças, que muitas vezes não conseguimos imaginar. Não é uma leitura fácil, exige atenção ao texto para que algo importante não seja deixado para trás.
“Expurgo” é uma história que desvenda as atrocidades ocorridas em diferentes gerações de mulheres na Estônia: na Segunda Guerra mundial, a opressão soviética; e o tráfico de mulheres, operado pela máfia russa. No centro do romance, encontramos uma história de amor trágica que dá “tom” do livro.
A trama começa em 1992, uma mulher idosa, Aliide Truu, vive em um remoto vilarejo na Estônia. Isolada da sociedade, vê a juventude de sua nação, deixando seu país em direção às regiões mais urbanas ou escapando para Finlândia. Certa vez, olhando distraidamente pela janela da cozinha, ela descobre Zara. Quem é Zara? Como essa garota veio parar ali num lugar absolutamente ermo e isolado do mundo? A história é contada através de muitos flashbacks que nos apresenta a relação de Aliide com sua irmã Ingel, e a competição que Aliide desenvolvia pelo amor de Hans Pekk durante a Segunda Guerra Mundial. Só esses fatos já são suficientes para o leitor embarcar neste romance fascinante. Mas existe muito mais.
Aliide Truu e Zara estão ligadas por um fio invisível de conexões familiares e traições. Aliide compartilhou os sofrimentos causados por dois regimes: o nazista e o comunista, que alternadamente – como já foi dito acima – dominaram a região. Zara é uma vítima do tráfico sexual e carrega uma foto de Aliide e de sua mãe em seu bolso, mas não sabe de todos os detalhes que envolvem as duas.
À medida que o livro avança, podemos enxergar algumas interseções entre as duas personagens, como por exemplo, Aliide foi vítima de violência sexual, em tempos de guerra, pelos russos e fingia ser comunista ou fascista para sobreviver aos homens. Para viver na Estônia era preciso trair a si mesma e trair aqueles que amava. Ela se casa com um líder comunista, Martin, uma união com o mero interesse de sobreviver, enquanto sua irmã e sua sobrinha são deportadas para um campo de trabalhos forçados.
A narrativa prima pelo realismo e foca nos pequenos detalhes dos personagens, apresentando suas características psicológicas de forma minuciosa. O realismo vai um pouco mais longe quando apresenta momentos de ternura, e uma face humana, mesmo em um quadro absolutamente caótico e vivido pelos estonianos miseráveis e suas opções frente ao regime brutal da União Soviética - que até hoje ainda atrai simpatizantes no mundo todo, incluindo o Brasil.
Os segredos do passado são revelados aos poucos, quase um outro estilo de suspense são apresentados nas páginas desse livro. E por aqui eu devo parar, em respeito aos futuros leitores dessa obra para que eu não caia na tentação de contar tudo.
“Expurgo”, de Sofi Oksanen, nasceu no teatro onde fez um grande sucesso e transformou-se em livro também de sucesso. Uma leitura repleta das tragédias de um povo.
Ficou curioso? Compre o livro e o reserve, como quem compra um bom vinho e o guarda para ser apreciado no momento certo. “Expurgo” nos remete a histórias e facetas da humanidade, nem sempre fáceis de aceitar. Mas é necessário que se leia. A história não deve ser esquecida.
Uma leitura dolorosa, mas um livro fascinante e muito bem escrito que merece um lugar na sua estante. Boa leitura.