A herança
John Grisham é um autor conhecidíssimo do grande público que gosta de um “Legal Thriller”. É um dos escritores mais lidos nos Estados Unidos. Sua trajetória de vida foi como político e advogado criminal especializado em processos por danos físicos.
“Tempo de Matar” foi seu primeiro grande sucesso. Seus livros giram em torno desse tema, geralmente criticando o sistema judiciário americano e grandes escritórios de direito. Um detalhe: se ele alcançou todo esse sucesso editorial, foi por causa de sua boa escrita. E ele manda muito bem. Ninguém alcança todo esse sucesso à toa.
John Grisham sabe contar uma boa história. Para aqueles que são estudantes de direito, ou já exercem a profissão, este livro é perfeito. O livro tem uma pegada tensa. Como em todos os julgamentos, voltas e reviravoltas acontecem. E quando tudo está prestes a ser uma vitória fácil, sempre aparece uma testemunha-chave que envolve outras interpretações, fazendo com que a tensão aconteça e o leitor seja sugado para as salas de julgamento.
“A Herança” é um romance que se passa em Clanton, Mississipi. Jake (seu apelido) se tornou conhecido por ter ganhado um caso notório: ele defendeu um sujeito negro chamado Carl Lee Hailey, cuja filha havia sido estuprada aos dez anos de idade por dois homens brancos, bêbados e racistas, e que, como vingança, assassinou os agressores.
Para quem leu “Tempo de Matar”, cujo enredo é a defesa desse réu, este livro é a continuação da história do advogado Jake Brigance. Apenas um detalhe: você não precisa ler “Tempo de Matar” para entender “A Herança”. Leia tranquilo(a). Ambos têm o mesmo personagem, mas não é uma continuação. Algumas referências são feitas ao primeiro romance, mas nada impede a leitura, de jeito nenhum.
Por ter conseguido absolver o réu Carl Lee Hailey, Jack paga seu preço com a ira da Klu Klux Klan. Incendiaram sua casa devido à enorme repercussão do caso. A única vítima, felizmente, e infelizmente, foi o cachorro de sua filha, que era muito amado. E claro, os danos materiais o fizeram trocar o conforto da sua primeira casa por uma casa alugada.
“A Herança” centra-se no caso de um homem chamado Seth Hubbard, que tem um câncer terminal e resolve dar fim à sua vida numa linda tarde de domingo após a missa. Até aí, nada de mais. A trama começa a ganhar certo mistério quando o nosso protagonista, o advogado Jack Brigance, recebe uma carta do milionário suicida, que diz o seguinte:
“Prezado Dr. Brigance Pelo que sei, nós jamais nos encontramos, nem vamos nos encontrar. Quando o senhor ler essa carta, eu já estarei morto e esta cidade horrenda em que o senhor mora estará fervilhando de fofocas de sempre. Tirei minha própria vida só porque minha morte, de câncer de pulmão, era iminente. Os médicos me deram apenas algumas semanas de vida e estou cansado da dor. Estou cansado de muitas coisas. Se o senhor fuma, aceite meu conselho de um morto e pare, imediatamente. Eu o escolhi por sua reputação de ser honesto e admirei sua coragem durante o julgamento de Carl Lee Hailey. Suspeito fortemente que o senhor seja um homem tolerante, algo que tristemente falta nesse mundo. Desprezo os advogados de Clanton. A essa altura de minha vida, eu não vou citar nomes, mas vou morrer com uma quantidade de imensa de desavenças não resolvidas com vários de seus colegas de profissão. Abutres. Sanguessugas. Anexo, neste envelope, está meu último testamento, com cada palavra escrita por mim, e também fui eu que assinei e datei. Verifiquei a lei de Mississipi e estou satisfeito por ser um testamento apropriado e manuscrito, consequentemente habilitado a ser cumprido segundo a lei. Ninguém testemunhou minha assinatura deste testamento, pois, como o senhor sabe, testemunhas não são exigidas para testamentos do próprio punho. Há m ano, eu assinei uma versão mais extensa nos escritórios da firma Rush, em Tupelo, mas renunciei àquele documento. Este provavelmente dará início a alguns problemas e é por isso que eu quero que o senhor seja o me advogado. Do meu espólio. Quero que este testamento seja defendido a todo custo e sei que senhor pode fazê-lo. Especificamente, deixo de fora dele meus dois filhos adultos, seus filhos e minha duas ex-esposas. Não são pessoas boas e vão lutar, portanto, prepara-se. Meu patrimônio é substancial – eles não têm ideia do tamanho - e, quando isso vier a tona, eles vão atacar. Lute contra eles Dr Brigance, até o fim. Nós temos que prevalecer. Com o meu suicídio, deixei instruções específicas para o meu funeral e meu enterro. Não mencione meu testamento até funeral. Quero que minha família seja obrigada a passar por todos os rituais fúnebres antes de saberem que não receberão nenhum tostão. Veja como eles fingem – são bons nisso. Eles não têm nenhum amor por mim. Eu lhe agradeço, antecipadamente, por sua zelosa representação. Não será fácil. Fico confortado em saber que não estarei aí para sofrer um calvário tão agonizante. Sinceramente, Seth Hubbard 1 de outubro de 1988”
Bem, o que será feito dessa fortuna?, perguntarão vocês. Quem será o beneficiário de um valor aproximado de 28 milhões de dólares? Só vou contar por uma única razão: já está escrito na orelha do livro. Portanto, lá vai, nada mais nada menos que a sua empregada negra Lettie Lang. Qual o mistério? Afinal, a herança foi dada para quem foi fiel a ele a todo tempo. É uma argumentação plausível, no entanto, as coisas não são bem assim. Há um passado nebuloso envolvendo a tudo e a todos. A ganância está presente, mas é bom que se diga uma coisa: de todos os lados. Todos querem um pedaço de bolo de Seth Hubbard. O que estará debaixo desse tapete jurídico? Muita poeira, isso vocês podem ter certeza.
Grisham nos oferece um olhar aprofundado sobre as leis americanas. Um curso de direito? Cabe a você, leitor, me dizer. Uma coisa eu sei: para mim foi muito educativo.
Os personagens são salgados e espirituosos, proporcionando uma visão seca sobre os assuntos legais. O romance é muito bem escrito e redondo, fornece um bom ritmo, o que permite que tenhamos uma visão objetiva do caso. Misturando sua experiência de advogado e mostrando técnicas realistas, a história é muito boa. Está entrando de férias? O fim de semana não promete?
Leve “A Herança” com você. É um prêmio literário que você merece. E tenha certeza que os personagens vão grudar em seu imaginário, fruto de um julgamento inacreditável.
“A Herança” é um livro que vale a pena estar em sua estante.