Asco
Catellanos Moya é um autor desconhecido entre nós inclusive por esse que vos escreve, o que sei desse autor é que ele é hondurenho. Sua mãe é hondurenha e seu pai de El Salvador. Foi criado em El Salvador, fez seus estudos primário e secundário no Marista, um colégio católico da capital, mas em 1979 foi estudar em Toronto no Canadá. Sua mudança para esse país deveu-se à guerra e às convulsões sociais que atingiram a temperatura máxima. Foi morar na Costa Rica, e, de lá, foi para o México onde viveu até 1992 trabalhando como jornalista. Foi neste período que El Salvador entrou em guerra civil e quando trabalhou para Agência de Imprensa de El Salvador (Salpress).
Trabalhou como editor do jornal “ON” e foi correspondente do jornal “La Opinion”. Seu primeiro romance já lhe valeu um prêmio em 1988. Em 1999, foi para Espanha e, entre 2004 e 2006, morou em Frankfurt. Foi professor convidado na Universidade de Tóquio. Atualmente trabalha na Universidade de Iowa e é colunista regular da revista Sampsonia Way Magazine. Em síntese trata-se de um escritor bem rodado. Conhece o mundo e uma parte do mundo o conhece. E já era sem tempo dele ser também conhecido aqui no Brasil.
A editora Rocco nos brinda com a "Coleção Otra Língua" que tem o escritor brasileiro Joca Reiners Terron como organizador. “Asco” (Thomas Bernhard em San Salvador) romance de Horacio Castellanos Moya é um romance daqueles que não conseguimos para de ler. Um romance de 111 páginas da mais fina literatura. Um golaço da Rocco essa coleção. Excelente.
Antes de começar a falar do livro, devo dizer que eu tive contato com um embaixador brasileiro naquele país. Não mencionarei o nome dele nem muito menos o período em que esteve lá, pois não pedi a devida permissão para citá-lo. Mas lembro-me de suas palavras como se fosse hoje, e o que ele me disse na época e bota época nisso. É que El Salvador era um lugar de extrema violência. Um lugar mapeado por gangs e por grupo de extermínio. E é nesse ambiente “sadio” que a população leva sua vida de forma simples em um país pobre e inóspito em uma região vulcânica.
O romance “Asco” como já foi dito é livro relativamente pequeno, no entanto, é um “livraço”, literariamente falando. Muito bem escrito, uma história que é um murro em nossas caras pela veemência com que o protagonista nos narra sua curta visita ao seu país de origem. Vamos à história?
Pois bem, o livro é uma denúncia contra este país desde seu começo até o fim. O narrador descreve El Salvador de uma maneira dura. E não poupa ninguém. Todos são acusados de transformarem aquele país em um inferno. Edgard Vega chama o único amigo que restou (já que ele mora em Montreal no Canadá), Moya, para tomar um uísque. Sabemos através da narrativa que ele foi obrigado a voltar ao país, por causa de pendências familiares, já que seu retorno ao país de origem nunca fez parte de seus planos. Sua mãe faleceu e uma herança de família precisa ser resolvida com seu irmão. Uma casa em Colônia Miramonte.
O ritmo da história não obedece a parágrafos o que torna a leitura muito rápida é um depoimento profundamente amargo, sua crítica e aborrecimento por estar em El Salvador é para dar “Asco”. E logo no primeiro parágrafo podemos ler o sentido ao qual a história nos leva.
“Que bom você veio, Moya, eu tinha minhas dúvidas se você viria, porque muitas pessoas da cidade não gostam desse lugar, tem gente que detesta este local, Moya, por isso não tinha certeza se você viria, me disse Vega”.
“É o único lugar onde me sinto bem nesse país, o único lugar decente, as outras cervejarias são uma imundice, abomináveis, cheias de pessoas que bebem cervejas até arrebentar, não consigo entender, Moya, não consigo entender como essa raça bebe essa cerveja nojenta, feita para animais, que só dá diarreia, e é o que as pessoas aqui bebem, e o pior é que sentem orgulho de beber essa porqueira, são capazes de matar você caso diga que aquilo é uma porqueira...”
Nessa introdução podemos ver a zombaria e o desconforto do narrador em relação a essa cidade, a patetice patriótica, todos vivem em um consenso implícito do esquecimento da guerra civil. Edgard Vega observa que a única mudança que houve após esses anos todos de guerra, foi a cultura da violência e sua banalização.
Pessoas que ficaram alheias a todos esses eventos em que culminou a guerra civil nesse país, acostumaram-se a não refletir e muito menos pensar sua realidade, suprimindo o desenvolvimento do pensamento como forma de evitar a realidade. E o grande culpado é a violência gratuita que se tornou normal no dia a dia das pessoas. Pode-se morrer por muito pouco em El Salvador. E graças a essa supressão devido à violência, a vida se torna paralítica tanto do ponto vista intelectual como emocional.
A voz narrativa culpa tanto os políticos de esquerda, quanto os de direita, quando ele diz:
“... Moya este país está fora do tempo e do mundo, só existiu quando houve carnificina, só existiu graças aos milhares de assassinados, graças à capacidade criminosa dos militares e dos comunistas, fora dessa capacidade criminosa não tem nenhuma possibilidade, me disse Vega.”
“...o tempo não passou e o mundo não vai além de suas obsessões patológicas, me disse Vega.”
"Asco" carrega nas tintas o seu horror pelo país, zomba da cerveja, do sistema educacional, da hipocrisia dos políticos, dos salvadorenhos que moram no exterior, do colégio Marista onde se formou, zomba de seus amigos antigos, do seu irmão, dos seus sobrinhos, de sua cunhada, dos puteiros, dos jornais e da televisão. A coisa mais preciosa de Vega é o seu passaporte.
O livro é uma denúncia impiedosa contra este país do início ao fim. Mas no decorrer da leitura aceitamos esse “asco” e podemos ter, guardadas as devidas proporções, o mesmo sentimento em qualquer país latino americano que ainda preserva os mesmos vícios de outrora. É um grito de “asco” que se aproxima do grito de Thomas Bernhardt em seu livro chamado “Extinção” e sua repulsa pela Áustria.
“Asco” rendeu ao autor, além de prêmios, várias ameaças de morte. Fazer o que? Não será a primeira e nem a última vez que escritores serão ameaçados enquanto a estupidez humana guiar corações e mentes. A "Coleção Otra Língua" revela-se um acerto e com certeza merece um lugar na sua estante. Não deixem de ler. Tem algo muito próximo ao que sentimos pelos políticos desse país.