Electra
Electra de Sófocles Resenha
Sófocles nasceu em berço esplêndido, ou seja, de família rica, numa pequena comunidade rural de Colono, Ática, uma região da Grécia localizada na península ática perto do Mar Egeu. Seu pai fazia armaduras e era um homem considerado rico. Sófocles viveu uma vida tranquila no quesito, vamos dizer, financeiro. Os festivais teatrais eram realizados em Atenas para homenagear Dionísio, o famoso deus do vinho e do teatro.
Segundo seus biógrafos, Sófocles competiu em 30 festivais e foi premiado com o primeiro lugar 24 vezes. Como já disse em resenhas anteriores, esses prêmios equivaliam ao Oscar dos dias de hoje, grosso modo falando. Sófocles abocanhou mais festivais competitivos do que qualquer um de seus contemporâneos, e isso inclui Ésquilo e Eurípedes, outros considerados “monstros” do teatro grego. Ao todo, Sófocles escreveu mais de 120 peças. No entanto, apenas sete dessas peças sobreviveram à Antiguidade, entre elas “Édipo Rei” (já resenhada aqui), “Antígona” (também já resenhada aqui no site), “Philoctetes”, “Édipo em Colono” (ainda não resenhadas) e “Electra”, de que iremos falar hoje.
Sófocles teve seu lugar no panteão grego, foi nomeado tesoureiro de Atenas, foi magistrado oficial para ajudar a lidar com a batalha sofrida na Sicília durante a guerra do Peloponeso. Sófocles não parou de escrever peças nesse período, e sua contribuição para o pensamento ocidental é imensa.
Electra é um personagem da mitologia grega, e, assim como Sófocles fez uma peça sobre esse personagem, Eurípedes também deu a sua versão sobre esse personagem mítico.
Antes de entrarmos na peça, vamos falar um pouco sobre Electra na mitologia grega. Electra era filha de Agamenon e da rainha Clitemnestra de Micenas. Ela era irmã de Crisôstemis, Orestes e Ifigênia, a irmã mais velha.
O rei Agamenon havia tido problemas com Ártemis, a deusa da caça, filha de Zeus e Leto. Ártemis teve o famoso irmão gêmeo chamado Apolo, o deus do Sol. É a deusa da caça. Como tal, essa divindade fez com que todos os ventos cessassem, impedindo a partida de Agamenon e de seu exército Aqueu para Troia, até que o monarca cedeu e ofereceu a vida de sua própria filha Ifigênia em troca de poder prosseguir com o seu empreendimento. Ele sacrificou a sua filha no altar. Clitemnestra ficou louca com a decisão do marido em sacrificar a própria filha.
Clitemnestra, juntamente com o seu amante Egisto, planejam o assassinato de Agamenon. Quando Agamenon voltou da guerra de Troia, trouxe consigo Cassandra. Cassandra, conhecida como a famosa profetisa, foi trazida por Agamenon como espólio de guerra.
Depois que Agamenon voltou da guerra, Clitemnestra e Egisto o assassinaram como vingança pela morte de Ifigênia. Cassandra, reza a lenda, havia prevenido Agamenon sobre a possibilidade de ser morto. Electra, quando se dá conta da morte de seu pai, procura a vingança, juntamente com os seus irmãos.
Electra consulta o Oráculo de Delfos, e lá ela é instruída a se vingar da morte de seu pai. Juntos, Electra e o seu irmão Orestes, voltaram para Micenas e conspiraram contra a morte de sua mãe e de Egisto. Com a ajuda de seu primo e melhor amigo, Pilades, Orestes consegue assassinar sua mãe e seu amante. Clitemnestra amaldiçoou Orestes e, como resultado, as Erínias o perseguiram, pois era seu dever punir qualquer um que cometesse matricídio ou atos violentos semelhantes. Electra, como não participou diretamente do assassinato, é deixada livre, mas nunca se deixou assombrar pelas Erínias.
Essa é a história mitológica. Sófocles e Eurídice deram cada um a sua versão do mito. Hoje veremos a versão de Sófocles sobre Electra.
Vamos a ela?
Sabemos que, quando Orestes nasceu, Pílades, o velho escravo, o preceptor, aponta para a cidade e conta a história de como Orestes foi deixado há muito tempo atrás, e a irmã de Orestes, Electra, deu o bebê ao velho escravo.
“Preceptor: Filho do grande Agamenon, supremo em Tróia, agora tens diante de teus próprios olhos o que há tanto tempo vens querendo ver! Eis aí Argos antiga dos teus anelos, sagrada terra da triste filha de Inaco; ali está, Orestes, o altar de Apolo matador lobos, além, à esquerda. O templo famoso de Hera; e depois vês Micenas muito rica, e o palácio tantas vezes ensanguentado dos Pelópidas de onde tantos anos, eu te levei por incumbência de Electra, teu sangue tua irmã, enquanto matavam teu pai; salvei-te e cuidei de ti para seres um dia o seu vingador....” (pág. 3)
O velho escravo relembra como criou Orestes como se fosse seu próprio filho e fez questão de saber que um dia teria que vingar a morte de Agamenon.
Electra sai do palácio e começa a chorar. Ela está imersa na tristeza e seu luto continua a cada novo dia, e durante a noite ela continua o seu luto também. Tudo é um grande luto por causa da morte de seu pai. Isso ocorre porque a própria mãe de Electra, Climnestra, e seu segundo marido, Egisto, assassinaram o seu pai, Agamenon.
De acordo com o mito grego (como já foi dito), Agamenon sacrificou sua filha Ifigênia para apaziguar a deusa Ártemis, e Clitemnestra e Egisto mataram Agamenon para vingar Ifigênia. Muitos anos se passaram desde a morte de Agamenon, mas a dor de Electra ainda é pulsante, o que sugere que lamentar a perda de um ente querido, principalmente dos pais, é uma luta para toda a vida.
Um coro de mulheres micênicas chega à frente do portão do palácio clamando por Electra com pena. As mulheres perguntam a Electra por que ela ainda chora pela morte de Agamenon. Electra sabe que as mulheres vieram confortá-la, mas se recusa a parar de chorar e não pode ser consolada. Ela implora às mulheres que a deixem sozinha com a sua dor.
“Coro: Ah! Electra, filha mais perversa das mulheres!... Por que lamentas sempre aquele que há tanto tempo foi colhido na trama sacrílega de tua mãe pérfida? Por que ainda choras Agamenon vítima de criminosas mãos? Morra quem mata, se posso falar assim!
Electra: Nobres amigas viestes aliviar as minhas mágoas; bem vejo e compreendo, mas não está em mim deixar de lamentar meu pai. Amigas sujo amor responde ao meu em tudo, abandonai-me ao meu desespero! É uma súplica!” (pág. 5; pág. 6)
A dor de Electra não termina simplesmente porque os outros acham que deveria. A dor de Electra é completamente subjetiva, e nada pode fazê-la parar de sentir essa dor e se conformar com tudo que está vivendo. A dor a consome, ela perde de vista todo sentimento que exclua a vingança. A dor é tão forte que ela será capaz de qualquer coisa para estancar essa dor. Todas as cartas estão na mesa.
O coro diz a Electra que ela se acalme e evite se meter em problemas, mas ela está inconsolável. A única maneira de evitar esse mal é fazer que todos paguem pela morte de seu pai.
“Coro: Mas é por bem-querer que te aconselho qual devotada a mãe, a não acrescentar desgraça a desgraça
Electra: Pode haver ponderação no desespero? Dizei: é justo negligenciar os mortos? Entre que homens se age assim? Jamais eu seja louvada por eles! Nem possa eu jamais ter qualquer bem, ou deles desfrutar tranquilamente, se fechar as asas dos meus tristes ais, descuidosa da memória de meu pai! Se quem é morto criminosamente jaz desfeito em pó e nada, e quem mata não tem de expiar seus crimes, então pundonor e reverência deixarão de existir entre os mortais” (pág. 9; pág. 10)
Electra afirma que Clitemnestra tem prazer em seu comportamento desprezível. Todos os meses, sua mãe dedica o dia em que matou Agamenon para dançar e fazer sacrifícios aos deuses. Clitemnestra proíbe Electra de sofrer e frequentemente abusa dela proibindo-a de sofrer publicamente a morte do pai.
Electra: Sinto vergonha, amigas, de abandonar-me a essa dor sem limites; mas suportai-me; a tanto me constrange o mal que me fazem. Seria natural outro comportamento quando vou percebendo cada vez mais nítida a ruína vertiginosa de nossa casa? Em vez da mãe, tenho terrível inimiga; no palácio em que deverá ser senhora, sou escrava dos assassinos de meu pai. Podeis imaginar a minha existência vendo Egisto no trono de sua vítima, preparando as sagradas oferendas no lugar exato do crime monstruoso; vendo enfim, o escárnio insuportável; o vil criminoso no tálamo real com a sua cúmplice – com a minha mãe (se é quem concede o leito a esse homem!). Ela sem receio das Fúrias vingadoras e como se seu crime fosse nobre feito, festeja o dia da morte de meu pai – oprobriosa morte! – com danças e cantos e com sacrifícios aos deles salvadores! Que posso fazer diante disso? Chorar o choro na solidão do palácio paterno enquanto comemoram a festa sacrílega, mas o meu pranto não me traz nenhum alívio. Pois essa mulher aparentemente nobre lança-se contra mim gritando mil injúrias: “Peste ímpia! Apenas tu perdeste o pai? “Nenhum outro mortal é infeliz? Só tu? “Maldita sejas, e os deles não te valham”. São esses os insultos dela, salvo quando alguém lhe fala que Orestes vai voltar; nesses momentos seu furor vai ao máximo;” Foste tu, Electra, a causadora disso! Salvastes naquele dia o teu irmão “premeditando males para a tua mãe! “Mas está certa de que serás castigada!” Não lhe falta nesses excessos o estímulo do esposo renomado, covarde em tudo, que só peleja ajudado por mulheres. Indefesa só posso esperar Orestes para pôr termo às minhas aflições; enquanto espero, enlanguesço, desanimo...O seu regresso continua em promessa e já descreio do presente e do futuro. Amigas, inda pensais em moderação ou reverência? Em meio a tantos males nada mais me restas senão agir também mal” (pág. 11; pág. 12)
Sempre que Clitemnestra ouve rumores de que Orestes está voltando, ela fica furiosa e culpa Electra por tirar Orestes dela e mandá-lo para longe de casa. Por sua vez, Electra está cansada de esperar que Orestes volte e começa a pensar na possibilidade de ele nunca voltar.
Crisotêmis, irmã de Electra, questiona o sofrimento da irmã e diz que é inútil esse sofrimento, durante todo esse tempo. Ela também se sente chateada, mas aconselha a moderação. Ela implora a Electra para que ela consiga colocar um pouco de razão em sua cabeça. E pede que ela obedeça à mãe apesar de tudo, pois, afinal, a mãe é mais poderosa que ela. Electra não concorda com a irmã e diz:
“Electra: Estranho!... Teu pai foi um homem tão ilustre, e consegues esquecê-lo, cuidando apenas de ir bem com a tua mãe desnaturada! Todos os teus conselhos aprendestes dela; és incapaz de proferir palavras próprias....” (pág. 14)
Electra dá a entender que o ódio de Crisôtemis por Clitemnestra e Egisto é apenas uma mentira, e que ela apenas finge odiá-los para apaziguar Electra. Crisotêmis, por outro lado, afirma que apenas finge não os odiar para tornar a sua vida mais fácil e diminuir o abuso.
“Crisôtemis: se queres realmente saber, direi tudo. Mandar-te-ão, se não mudares de atitude, para confins onde jamais verá o sol; lançada viva em cavernas tenebrosas, distante daqui, lá irás cantar teus males. Reflete antes, e não me culpes mais tarde quando sofreres; é tempo de ser sensata.” (pág. 16)
O Coro diz que a justiça chegará. Elas mencionam a “vingança com muitos pesados pés, e muitas mãos, dissimulada em terríveis ciladas”. Clitemnestra sai do palácio e, ao ver Electra, a repreende por estar do lado de fora. Egisto não está no palácio para manter Electra sob controle.
“Clitemnestra: Vejo que passeias de novo como queres aproveitando a saída de Egisto, pois ele não te deixa quando está presente, transpor as portas para denigrir amigos. A mim, tu não me dás a menor importância, embora fales muito, e a muita gente da minha insolência, e das injustiças e dos meus insultos, tanto a ti quanto aos teus. Não sou insolente, nem te desconsidero e se te falo com rudeza, às vezes, é que tu mesma me provocas e maltratas. Teu pai – pretextas sempre – foi morto por mim; sim, fui eu mesma, não tenho razões para negar; mas não fui só eu, foi a justiça também, que, se fosses prudente, respeitarias mais. Pois este teu pai, cuja morte sempre choras, foi o único entre os gregos, que ousou imolar os deuses a filha inocente, sem pensar no muito que sofri para tê-la! Por que, ou a quem, ele quis sacrificá-la? Pelos argivos, dirás; mas tinha direito de imolá-la? Ou se foi Menelau, seu irmão, não deverias pagar pelo crime? Menelau tinha dois filhos, que antes dela poderiam ter sido os sacrificados, sendo seus pais a causa da expedição....” (pág. 23; pág. 24)
Clitemnestra afirma que a justiça é a sua principal motivação. De acordo com o mito grego, Agamenon sacrificou Ifigênia para que a deusa Ártemis mudasse os ventos e os guerreiros gregos pudessem navegar para Troia, mas Clitemnestra afirma que ele fez isso mais para ajudar Menelau, cuja esposa Helena, havia fugido para Troia. Assim, afirma Clitemnestra, o sacrifício de Ifigênia foi para Menelau, não para os deuses ou gregos e, portanto, não foi justo e teve que ser vingado.
Electra, por outro lado, afirma que Clitemnestra matou seu pai, Agamenon, não por vingança. O motivo foi que ela havia sido seduzida por Egisto. Electra afirma que o sacrifício de Ifigênia por Agamenon não foi para Menelau, mas para Ártemi, Agamenon não teve escolha.
“Electra: ...Meu pai segundo contam, certo dia distraía-se num bosque consagrado ao culto da deusa, quando assustada com seus passos, surgiu uma corça matizada, de chifres longos; ferindo-a, pronunciou meu pai, então, não sei que malditas palavras vanglória; Ártemis, irada deteve os aqueus, exigindo, como resgate necessário da corsa morta no seu bosque por meu pai, que ele sacrificasse a própria filha. Foi a condição imposta pela deusa casta para tornar possível a expedição, tanto na ida quanto na volta de Tróia. Constrangido, e após muita relutância imolou-a meu pai e não para Menelau. Mas raciocinarei também como tu; se ele a matou por bem de seu irmão, disso nasceu o teu direito de mata-lo? Não viste que, instituindo essa lei, estavas preparando teu próprio castigo? Na vingança de morte com morte, seria a primeira morta, e teu castigo justo. As tuas desculpas não me convencem, pois ainda praticas crime mais infame; convives como esposa com o celerado que te auxiliou a trucidar meu pai, tens filhos dele, e quanto aos primeiros filhos – prole sem mancha de núpcias imaculadas – tu os expulsas da mansão que lhes pertence!...” (pag25; pág. 26)
O fato de Clitemnestra dormir com o assassino de seu pai é o que realmente intriga Electra, pois parece uma forma estranha de vingar a morte de uma filha.
O corifeu, que é o regente do coro, diz:
“Corifeu: Vejo-a respirar rancor, mas já não cuida de saber se está ou não com a justiça.” (pg26)
Electra diz que tem vergonha de si mesma, porque tem sido falsa consigo mesma, acrescentando que aprendeu a se comportar de maneira vergonhosa seguindo o exemplo das pessoas vergonhosas ao seu redor.
“Clitemnestra: que merece essa criatura? Insulta dessa maneira a sua mãe, já idosa... Não a julgais capaz de, sem constrangimento, praticar outras torpezas inda piores?
Electra: Embora não creias tenho vergonha disso; não sou mais criança, e ajo desse modo, mas constrangida por teus péssimos exemplos; o mal procedimento faz proceder mal.” (pg27)
Clitemnestra jura por Ártemis que o comportamento de Electra acabará por alcançá-la, mas, por enquanto, Clitemnestra só quer fazer oferta de sacrifício. Oferece frutas e orações a Apolo para remediar seus medos, e ela reza para que o mal atinja seus inimigos e pela proteção de sua riqueza.
“Clitemnestra: Ergue, serva, a dádiva de muitos frutos; é hora de pedir ao deus que me liberte dos meus temores, sejam fundados ou não, Apolo defensor, ouvi as minhas súplicas! Sede benevolente s eu for obscura! Não estou entre amigos; é perigo revelar claramente o meu pensamento enquanto ela estiver perto de mim; levada pela ira a maledicência., poderá espalhar rumores insolentes pela cidade toda. Serei reticente. A visão que me veio nos meus sonhos dúbios, se for para meu bem, Apolo, concedei que se realize! Mas se prenunciar desastres iminentes, atirai-os todos inteiramente sobre os nossos inimigos! E se alguém está tramando usurpar o meu poder presente, não o permitais! Peço-vos a graça de sempre senhora de cetro dos atridas e de seus domínios, prosperando com os amigos atuais e com os filhos que não sintam pela mãe nem desamor, nem rancorosa prevenção! Senhor Apolo! Acolhei as minhas preces, e atendeis, senhor, as minhas pretensões! Quanto ao que tenho de calar, vós sois deus, adivinhareis sem maior dificuldade sem maior dificuldade; seus filhos de Zeus tudo se faz evidente. (pág. 28; pag29)
O velho escravo aparece no palácio que agora pertence a Egisto. O velho escravo diz a Clitemnestra que Orestes está morto. Electra entra no modo desespero. Ela chora. Clitemnestra ouve a história detalhadamente. Orestes foi morto em um acidente de carruagem durante os jogos Píticos.
“Preceptor: ... Quando o infeliz Orestes acercou-se, pela última vez, do pilar de contorno que transpusera tantas vezes sem cair, soltou as rédeas do cavalo da esquerda; mas passou próximo demais; de uma das rodas bateu nas arestas do pilar e partiu-se! Orestes foi projetado fora do carro, emaranhado nas rédeas de couro forte, e, quando caiu ao solo, seus dois cavalos desabaram soltos pela pista fora...” (pág. 33)
Clitemnestra não consegue decidir se a morte de Orestes é uma notícia boa ou má, pois, afinal, trata-se de seu filho. No entanto, com a morte de Orestes, Clitemnestra não precisa temer Electra.
“Clitemnestra: Inutilmente, não por que inutilmente, se me trazes prova cabal da morte dele? Dele, sim, que nasceu da minha própria alma e me abandonou, a mim que o criei, refugiando-se em terras estrangeiras! Depois de desterrar-se, nunca mais o vi; outra coisa não fez senão incriminar-me e acenar-me com seguidas ameaças, tantas e tais que nem de noite nem de dia podia o suave sono visitar-me; os temores constantes me aniquilavam. Mas a partir de hoje sou livre do medo, medo dele e da irmã abominável que suga o sangue mesmo da minha vida; agora viverei em paz, apesar dela”. (pág. 35)
Electra deseja em voz alta morrer, pensando que a morte seria melhor do que a imensa dor que ela deixou.
“Electra: Parece-vos que essa miserável sofre e se aflige, e chora o filho morto? Pois ela se foi rindo! Infeliz de mim! Orestes muito amado! Matas-me, morrendo! Partiste levando minhas esperanças – que viveria para voltar algum dia; meu vingador e de teu pai. Mas ai de mim! A quem pedir auxílio? Só, sem ti, sem pai!...Terei de conformar-me com o meu destino: ser escrava dos assassinos de Agamenon! Bela perspectiva!...Mas enquanto viver não retornarei ao convívio dessa gente! Deixar-me-ei ficar assim, fora das portas, e só, sem amigos, consumirei a vida. Os assassinos, se os importunos, matem-me! Se viver é um suplício, antes a morte.” (pág. 37)
Electra está em total desamparo. Suas palavras sugerem que ela esperava que Orestes matasse Clitemnestra e Egisto. Ela sabe que não há mais o que esperar depois da morte de Orestes. O Coro se pergunta onde está Zeus.
“O Coro: Onde estão os raios de Zeus, onde o fulgor do sol? Os deuses se comoverão!” (pág. 37)
Eis que aparece Crisotêmis com muita pressa e, animada, quer compartilhar com Electra a grande notícia:
“Crisotêmis: O contentamento me faz correr, irmã, e a minha pressa me faz imoderada! Sou portadora de alegres novidades que hão de ser o fim de suas amarguras!
Electra: Trouxeste lenitivo para as minhas mágoas?
Crisotêmis: Orestes voltou – eis a verdade certíssima!” (pag40; pag. 41)
Crisotêmis afirma que viu flores e uma mecha de cabelo no túmulo do pai. E as mechas de cabelo que identificam os irmãos.
“Crisotêmis: Ouve minhas palavras. Quando cheguei nas imediações do túmulo paterno, vi torrentes de leite recém-derramado escorrendo abundantemente da lápide, e também vi ramos de flores inda frescas. Fiquei atônita, mas consegui conter-me e olhei atenta para todos os lados, tentando descobrir quem estiver lá; vendo tudo tranquilo nas proximidades, avancei para mais perto da sepultura, e percebi, na extremidade da lápide, anéis de louros cabelos inda viçosos. Ao vê-los, uma imagem familiar configurou-se, nítida, na minha mente: Minh ‘alma sentiu simples vestígios a tão querida presença de meu irmão...” (pág. 42)
Electra ainda tem dúvidas se o irmão está vivo ou morto. No entanto, ela sugere à sua irmã Crisótêmis que elas devem matar Egisto se quiserem ser felizes novamente. A presença de Egisto equivale a uma vida totalmente só, ou seja, sem poder casar e amar e sem poder ter filhos para crescer e vingar a morte de Agamenon. A morte de Egisto equivale à liberdade de ambas.
“Electra: Vais conhecer, então as minhas intenções. Amigos, tu mesma sabes que não os temos: a morte levou-os todos, estamos sós. Quando Orestes vivia e prosperava, tínhamos esperança de vê-lo voltar para vingar a morte de nosso nobre pai; mas agora, que ele não existe mais, só tu me restas, e terá de ajudar-me a matar Egisto, algoz de Agamenon; entre nós duas não haverá mais segredos. Por quanto tempo ainda ficarás inerte? Ainda nutres quaisquer outras esperanças? Chorarás quando te vires espoliada dos bens deixados por teu pai; e chorarás quando perceberes que não terás esposo! Esperarás inutilmente pelas núpcias pois Egisto jamais permitirá nasçam filhos teus e meus, para teme-los depois. Se resolveres aceitar os meus conselhos mostrarás amor a teu pai e a Orestes e voltará a ser livre, como nascestes; nem te faltarão meritórios pretendentes, pois todos dão Valor a naturezas nobres...” (pág. 45; pág. 46)
Sófocles, ao colocar na boca de Electra estas palavras, nos quer dizer o seguinte: as mulheres não são fracas e, como os homens, são muito capazes de vingança e assassinato. Crisotêmis, ao ouvir o coro, diz:
... Em que nos aproveitará morrer agora se só depois de mortas nos aplaudirão? O pior não é a morte, mas deseja-la quando viver é penoso, e não morrer. Imploro irmã, antes que desapareça a nossa raça toda: contém o teu ódio...” (pág. 47)
Através do coro, Sófocles nos dá a entender que vingança e assassinato são imorais especialmente dentro das famílias.
“Coro: Quando vemos os pássaros no alto, alimentando extremosos, por instinto, aqueles que lhe deram vida e substância por que não pagamos essa dívida com igual desvê-lo? Não! Pelos raios de Zeus e por Têmis celeste, os ingratos não ficarão impunes! Rumor subterrâneo que vais aos mortos! Leva meu grito piedoso ao filho de Atreu, uma triste mensagem desencantada: dize-lhe que periga a sorte de sua casa enquanto entre sua descendência luta fraterna desfaz a paz dos serenos dias! Electra, abandonada, enfrenta sozinha a tempestade chorando sempre, a infeliz, por seu pai desventurado, qual rouxinol insaciável de lamentos! Não lhe causa temor a própria morte; deseja, até deixar de ver a luz do sol, desde que possa exterminar as duas Fúrias. Haverá criatura mais nobre? Nenhuma alma generosa quererá deixar depois de si um nome vil, permitindo que a iniquidade da vida acabe por denegrir uma reputação imaculada. Bem fazes, minha filha, tu que preferes chorar todos os teus dias, mas repele a desonra; merecerás, louvores redobrados como mais nobre e melhor das filhas! Praza aos céus que ainda possa ver-te no fastígio do poder e da riqueza, acima de seus inimigos tanto quanto hoje estás humilhada por eles! Agora não te vejo próspera, embora pela fidelidade às mais altas leis da natureza e pela piedade para com Zeus, ganhes o mais justo renome. “(pág. 52; pág. 53)
Eis que, subitamente, entra quem? Quem pensou em Orestes acertou, juntamente com Pilades e dois serventes. Orestes pergunta onde está Egisto. Electra, quando o vê, surta de tanta felicidade. Orestes confirma ser ele mesmo. Pois, para Electra, Orestes estava dentro de uma urna de bronze com as suas cinzas.
Orestes poderia ter evitado todo o transtorno e o desespero se tivesse feito o que o que o preceptor havia sugerido logo no início da peça. No entanto, ele optou por homenagear Apolo em vez de ver sua irmã e ter evitado uma dor desnecessária, o que reforça a tese de Sófocles de que a família deve ser preservada e honrada acima de tudo, e isso inclui os deuses e os votos de vingança.
Orestes acalma Electra dizendo-lhe que ela se comporte como se tudo estivesse como antes, ou seja, seu irmão está morto. Tudo isso para que sua mãe, Clitemnestra, não suspeite de nada. Electra concorda, extasiada:
“Electra: Tardaste muito a devolver a minha tranquilidade com teu regresso.” (pág. 66)
Egisto não está em casa, diz Electra ao irmão. Clitemnestra está sozinha no palácio. O preceptor sai pelas portas do palácio dizendo:
“Preceptor: Crianças insensatas. Não prezais a vida? Ou a imprudência não permite ver que vos encontrais, já não posso dizer próximos, mas no emaranhado de mortais perigos? Não fossem os meus cuidados, e vossos planos teriam entrado muito antes de vós! Mas felizmente fui capaz de proteger-vos. Agora ponde fim a essas longas falas aos repetidos gritos de contentamento, e entrai, é um mal demorar nestas horas, temos de levar nossos planos a bom termo.” (pág. 69)
“Electra pergunta:
Electra: Podes dizer Orestes, quem é este homem?
Orestes: Não adivinhas?
Electra: Não consigo atinar...
Orestes: Não recordas as mãos em que me depuseste?
Electra: Quem mãos? Que dizes?
Orestes: As mãos que me conduziram graças a ti, até as planuras da Fócida.
Electra: Será aquele que foi amigo único no dia do assassínio de meu pai?
Orestes: Exatamente! Não faças novas perguntas.” (pag70; pag71)
Electra reza para Apolo pelo sucesso.
Electra: Senhor Apolo! Ajudai-nos, e a mim, que tantas vezes vim trazer ao vosso altar piedosa oferendas talvez humildes, pois outras não podiam minhas mãos devotas! Agora, Apolo, com as preces que sei, venho pedir-vos, implorar suplicar; sede propício, aprovai nossos desígnios, e mostrai aos ímpios a retribuição que os deuses inexoráveis lhes enviam (pag72; pag73)
A oração de Electra é egoísta e impiedosa. Assim como a sua mãe fez, ela reza para que Orestes consiga matar a sua mãe em nome da vingança, o que Sófocles condena. O matricídio. Electra está possuída para realizar o seu objetivo e sai do palácio. Enquanto isso, o coro se manifesta:
“Coro: Vede a morte avançando, inelutável, sequiosa de sangue! Acabam de transpor os umbrais as Fúrias de marcha lenta, perseguidoras inevitáveis da negra culpa! Logo será realidade a visão latente no meu pensamento. O enviado das potestades infernais penetrou, com passos dissimulados, no antiquíssimo palácio de seus antepassados com a morte cortante nas mãos! Hermes, o filho de Maia, ocultou a cilada nas sombras, e mostra o caminho; o fim está próximo”. (pag73)
Os sons dos gritos de Clitemnestra vêm de dentro do palácio enquanto ela implora a Orestes que a trate com misericórdia.
“Clitemnestra: Filho! Meu filho! Matas quem te deu vida?”
Electra: Tu não tiveste pena nem dele, nem de nosso pai, morto por ti!
Coro: Reino e raça malfadados! Agora consumou-se o destino que sempre te perseguiu!
Clitemnestra: (de dentro| Estou ferida!...
Electra: Fere mais, Orestes! Fere! ” (pg74)
Electra diz a Orestes que ela pode cuidar de tudo. O coro diz:
“Coro: Será prudente lisonjeá-lo com algumas palavras fingidamente gentis; há de cair desprevenido na trama tecida pela justiça. (pág. 77; pág. 78)
Egisto se aproxima e diz a Electra que soube da morte de Orestes. Ele quer saber imediatamente onde estão os homens da Fócida, e Electra diz que eles estão dentro do quarto de Clitemnestra. Ela diz que os homens trouxeram os restos mortais de Orestes.
Orestes aparece diante de Egisto com um véu e diz:
“Orestes: Retira tu mesmo o véu; vê o cadáver e dirige a palavra de benquerença.” (pág. 80)
Egisto lamenta ter caído numa cilada e pede que ele diga suas últimas palavras. Electra diz:
“Electra: Pelos deuses! Não lhes permita dizer mais nada, irmão, nem defender-se! Se um mortal é colhido na trama do destino, que proveito há em permanecer vivo por mais um momento? Não! Mata-o já! E atiras o cadáver longe dos meus olhos, bem longe, aos abutres coveiros dos criminosos iguais a ele! Assim pagará os males que me fez!” (pág. 81)
Orestes manda Egisto entrar no palácio, dizendo que não há mais tempo para conversas. O fim dele está escrito. E sua morte se dará no mesmo lugar em que Agamenon foi morto.
“Egisto: Por que me levas ao palácio? Se é justo o que vais fazer, não devias esconder-te! A tua mão ainda não quer golpear-me?
Orestes: Não comandes! Onde imolaste meu pai? Vai para lá! Morrerás no mesmo lugar!” (pág. 82)
Electra de Sófocles concentra-se na dor e no luto. E o luto é um sentimento onde a emoção é devastadora e constante, que não se resume aos períodos oficiais de luto. Sua dor é implacável. Um sentimento que domina, levando-a ao desespero. “Electra”, de Sófocles, é um livro maravilhoso que merece um lugar de HONRA na sua estante.