Tônio Kroeger
“Tonio Kroeger” é um romance que Thomas Mann escreveu no início de 1901, quando tinha 25 anos. Foi publicado pela primeira vez em 1903 e acabou transformando-se em filme em 1964. O livro é simplesmente lindo, considero-o tranquilamente uma obra-prima do autor. Mais uma, por sinal. Sobre Thomas Mann, podemos dizer que existem vários livros dele resenhados aqui no site. A escrita de Mann é uma câmera em que a riqueza dos detalhes compõe as cenas. Não só nesse livro, mas em todos que até hoje eu já li desse autor.
Antes eu gostaria de dizer que a edição do livro que li encontra-se esgotada; é da coleção Abril Cultural, cuja capa está acima. Achei de bom tom colocar a capa de uma edição que possa ser encontrada nas livrarias. E a capa da imagem é da edição da Companhia das Letras. Dito isso, vamos o livro?
O livro conta a história de Tonio Kroeger, que, assim como Thomas Mann, é de uma família burguesa. Filho de um respeitado comerciante de grãos e de uma mãe latina que não se preocupa com os valores burgueses, Tonio Kroeger é um homem dividido e um pouco deslocado de seus contemporâneos do norte da Alemanha. Ele nos é apresentado pela primeira vez aos 14 anos, possuidor de traços que o fazem diferente de todos ao redor. Tendo com uma de suas preferências a poesia, era ridicularizado por meninos e por mestres.
O pai de Tonio, além de ser um comerciante, é cônsul alemão. Ele desaprova sua poesia, enquanto sua mãe, do exterior (uma semelhança impressionante com Thomas Mann, cujo pai era de Lübeck, e mãe do Brasil), o apoiava. O pai de Tonio é rico, famoso e respeitado. Em seu relacionamento com o filho, o cônsul é rigoroso e quer que seu filho seja uma pessoa sóbria como ele. Mas uma tragédia abate-se sobre a família. O pai de Tonio abre falência e morre logo em seguida. Com a morte, a família entra em declínio. Sua mãe casa-se pela segunda vez.
Tonio é apaixonado pelo colega de classe Hans Hansen. Ele o admira muito. Mas Hans, que gosta de andar a cavalo e participa de aulas de equitação, é completamente oposto de Tonio. Ao contrário de Tonio, Hans não constrói “castelos de ar” e vive uma vida como milhares de outras pessoas. Sente um amor profundo pelo amigo, que era um rapaz bonito e atlético, tirava boas notas no colégio, além de ter um jeito descomplicado de ser. Tonio Kroeger tinha uma alma e uma mente bem diferente da simplicidade do amigo.
Enquanto Tonio sugere ao amigo Hans que leia “Don Carlos”, de Schiller, não encontra eco, pois este se interessa por desenhos de cavalos. Tonio se sente incompreendido e sozinho.
Tonio prefere ler um livro sobre cavalos e admirar sua força e beleza, em vez de montar a cavalo. A extraordinária sensibilidade de Tonio faz com que ele sinta as coisas mais profundamente do que a maioria dos meninos. De fato, sua capacidade de reconhecer os maus-tratos, mesmo em seus professores, resulta em uma falta de interesse escolar e, por sua vez, em suas notas baixas, o que incomodava e irritava o cônsul Kroeger, seu pai exigente.
No entanto, aos 16 anos, Tonio se envolve com Ingeborg Holm. Tonio se apaixona pela garota. Seu amor por Inge começa em uma aula de dança para os filhos de famílias ricas, aula particular de dança do professor Herr Knaak. Inge é loira de olhos azuis e tem uma beleza perfeita, que, por coincidência, guarda uma semelhança com Hans.
Durante a aula, ela não presta a mínima atenção em Tonio, mas ele não deixa de admirá-la. Enquanto dança quadrilha, Tonio se torna parte do grupo de Inge. A presença dela dificulta o foco dele, e ele dança sem nenhuma concentração. Acaba deixando o grupo entre risos e ganhando o desprezo de todos os presentes. Inge não o tira daquele embaraço vivido por ele na dança de quadrilha e a partir dali passa a contemplar a sua existência dividida entre a literatura e a vida.
Depois de crescer, Tonio parte para outra cidade. Ele quer se tornar escritor e, finalmente, na casa dos vinte anos, deixa Lübeck para Munique, onde vive uma vida de devassidão, o que o repugna eventualmente.
Um longo capítulo central mostra-o discutindo suas visões de arte e vida com a pintora Lisavieta Ivanovna, que o chama de burguês. Tonio está na casa dos trinta anos. Prematuramente envelhecido, mas sóbrio. Logo depois, ele parte para sua cidade natal, Lübeck. Ele visita a casa de sua família, que foi vendida após a morte de seu pai. Uma parte da imponente casa abriga uma biblioteca pública. Tonio percorre as salas outrora familiares. Não há mais nada ali para ele. Ele parte para então para a Dinamarca.
Foi o pintor e escultor francês Degas quem disse, certa vez, que um artista deve abordar sua obra no espírito do criminoso prestes a cometer um crime. Um reflexo desse pensamento podemos ver em " Tonio Kroeger ". Quando o protagonista, já um autor reconhecido, visita a cidade de sua infância, ninguém realmente sabe quem ele é, mas também é confundido com um criminoso.
Ao chegar à Dinamarca, Tonio se instala em uma pousada pronta para receber uma festa, um baile. Enquanto observa os convidados chegarem, ele vê Hans Hansen e Ingeborg Holm atravessando a sala.
“Tonio Kroeger observou os dois pelos quais sofrera as penas de amor: Hans e Ingeborg. Não eram eles, tanto devido a sinais particulares e à semelhança das roupas, mas por força da igualdade de raça e tipo, este espécime claro, de olhos azul-ferrete e louros, que evocava uma ideia de pureza, serenidade, jovialidade e uma reserva intocável, ao mesmo tempo orgulhosa e simples... Observou-os, viu Hans Hansen, tão audacioso e belo como outrora, largo nos ombros e fino na cintura, em pé no seu terno de marinheiro; viu como Ingeborg, de certa maneira travessa, virou a cabeça de lado, de um certo modo levou a mão, não muito delgada nem especialmente fina e pequena mão de moça, à nuca, movimento este que fez a manga leve deslizar no cotovelo – e de repente uma saudade abalou o peito como tal dor que involuntariamente retrocedeu mais para escuridão, a fim de que ninguém visse o estremecimento de seu rosto.
“Eu esquecera vocês?”, perguntou. “Não, nunca! Não a você, Hans, nem a você, loura Inge! Foi para vocês que trabalhei, e, quando ouvia aplausos, olhava sorrateiro ao redor de mim, a ver se vocês faziam parte deles...” (pg 75, pg 76)
Na verdade, não são Hans e Inge, pois os dois que ele viu são mais jovens e são irmão e irmã, mas sua semelhança permite a Tonio revisitar sua infância de uma perspectiva diferente e redescobrir seu amor pelos “burgueses”. O livro aborda alguns temas da época. O primeiro deles é a relação entre artista e burguesia, a arte e a vida, intelecto e natureza e indivíduo e sociedade. Tonio Kroeger vive entre dois mundos em luta no tocante à sua própria sexualidade: experimenta o desejo homossexual por Hans e o desejo heterossexual por Ingeborg.
Fico por aqui e indico “Tonio Koeger”, de Thomas Mann, como uma obra-prima que merece um lugar de destaque na sua estante.