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Swann

O romance de Carol Shields, “Swann”,  é uma provocação das mais interessantes que eu já li. É um romance acadêmico, mas tenho certeza que este romance deve ter deixado a comunidade acadêmica canadense numa certa “saia justa”. Não que o romance tenha sido criado com esta intenção, não. Mas a idéia é ótima. Então vamos à história.

Em primeiro lugar, Mary Swann não é ela mesma uma personagem do romance, mas é o olhar que as outras pessoas pensam dela. Nascida em Nadeau, uma cidade pequena de Ontário, de onde nunca saiu, tendo recebido apenas uma educação mínima. E mesmo sem conhecimento sobre a poesia moderna, deixou para a posteridade uma coleção de poemas dignos de Emily Dickinson. “O fim trágico de Mary Swann como uma poetisa cuja inspiração foi constrangida e finalmente, destruída por seu marido de forma trágica e violenta, poderia indicar que o romance é um drama, mas, na verdade, é uma comédia, uma comédia humana”, sobre pessoas e suas manias, e as pequenas coisas que os tornam humanos e nos conecta uns aos outros. É também uma história que questiona a possibilidade de se conhecer verdadeiramente alguém. Isto levanta uma série de perguntas sobre a literatura e autenticidade.

Os primeiro capítulos são escritos a partir do ponto de vista de quatro personagens importantes para o estudo da obra de Mary Swann: Sarah Maloney que é professora feminista que conheceu o sucesso imediato através de sua tese de doutorado e também organizadora do simpósio; seu “descobridor” Morton Jimroy - e aqui Shields escreve sobre a dificuldade dos biógrafos para captarem a verdade de uma pessoa – vê a chance de mais um grande sucesso editorial; Rose Hindmarch, a bibliotecária da cidade de Nadeau, que conhecia Mary Swann; e Frederic Cruzzi, viúvo e editor de Mary Swann.

Ao longo da narrativa do livro nós aprendemos sobre o interesse dessas pessoas em Mary Swann, aprendemos sobre suas vidas, ambições, medos, sentimentos de solidão e percebemos que todos têm um papel a desempenhar na criação de Mary Swann. O final do livro abandona a forma narrativa padrão e pretende ser o roteiro de um filme ambientado no simpósio sobre Mary Swann onde todas as pessoas envolvidas com o tema se encontram.

Carol Shields nos mostra como reputações literárias são construídas, nos coloca face a face com as mentiras geradas nesse meio repleto de interesses pessoais, e como as decisões tomadas por várias pessoas podem influenciar a percepção que a posteridade terá sobre uma pessoa que não pode mais falar por si mesma. Isso nos faz pensar sobre a "verdade" da literatura.

De certa forma, isso fica evidente o tempo todo. Mary Swann é realmente muito boa para ser verdade, isso, se o leitor levar um minuto para pensar sobre isso. Mary Swann encarna tudo o que a comunidade acadêmica feminista está procurando: uma boa poetisa, capaz de produzir o seu trabalho, apesar de ser injustiçada pelo sistema machista e patriarcal em circunstâncias específicas, tornando-se vítima da brutalidade dos homens.

Mas é claro que parte da intenção Shields em Mary Swann é zombar do mundo acadêmico, e examinar a forma como personalidades e reputações podem ser manipuladas por aqueles que afirmam estudá-los objetivamente. Isto significa que somos brindados nesse livro com uma generosa dose do humor refinado e inteligente da autora.

Finalmente, quando o simpósio se realiza, as pessoas são reduzidas a uma simples descrição como "mulher com turbantes" o “senhor da papada”, “sorriso frouxo” “ruiva de rabo de cavalo”, “homem com um visual afro” e por aí vai... Ao fazer isso, a autora expõe cada vez mais a distância entre narrador e personagem, ilustrando de forma eficaz o objetivo da novela. Afinal, quem foi Mary Swann?


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance, Sátira


< O manual dos inquisidores Santa Clara Poltergeist >
Swann
autor: Carol Shields
editora: Record

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