Os imperfeccionistas
“Os Imperfeccionistas” é o primeiro romance de Tom Rachman, escritor inglês, de 36 anos, que trabalhou como repórter da Associated Press durante três anos, em Roma, e por experiência própria, sabe tudo sobre o tema que resolveu escrever: a rotina dentro de uma redação de jornal.
A história é estruturada através de vinhetas de fácil leitura que fornecem a base necessária para cada um dos personagens: uma mistura eclética de pessoas que estão ligadas por sua associação ao jornal. Não se trata de um romance tradicional, muito menos de uma coleção de contos, o que nos é apresentado é um romance através das histórias de onze personagens incomuns e cativantes que dependem do jornal.
Os títulos de cada capítulo são escritos como se fossem manchetes de jornal, como: “Aquecimento global” ou “A vida sexual dos extremistas islâmicos” e por aí vai. Um livro perfeito para os interessados no funcionamento do dia-a-dia de um jornal e a vida privada desses protagonistas.
Tendo Roma como pano de fundo, a maioria dos personagens trabalha em um jornal de língua inglesa, fundado nos anos 50 do século passado por um homem de negócios americano, um milionário enigmático, chamado Cyrus Ott, que forneceu à redação a estrutura necessária: telefones pretos, máquinas de escrever, um bar, cinzeiros de cristal, carpetes grossos, tudo isso para dar início a um projeto editorial de sucesso. Mas o tempo se encarregou de sucatear tudo isso.
Mais de cinquenta anos de serviço, somados às excentricidades do seu fundador ganharam um lugar no coração dos leitores ao redor do globo, mas agora a circulação do jornal é baixa, não há um site e o futuro desse jornal é sombrio. O livro traça a vida útil do jornal a partir de seus dias tranqüilos no início na década de 1950 até 2007, quando o jornal concorre com outros veículos como a chegada da TV a cabo e a Internet. É neste contexto que Tom Rachman revela a vida dos integrantes do jornal. A vida pessoal de cada um, suas questões afetivas e pessoais entrelaçadas ao trabalho. Que tipos são esses? Vamos checar apenas alguns.
Os tipos de pessoas encontrados nesse lugar de trabalho estão sofrendo com a modernização das tecnologias da informação. Entre eles, podemos citar Lloyd Burko, correspondente freelancer baseado em Paris, no final de sua carreira. Com 70 anos de idade, empregou toda a energia de sua vida no trabalho, além de uma preocupação excessiva com a sua libido, deixando seus filhos caírem no esquecimento. Não possui email e manda todas as suas matérias por fax. Ele descobre que seu filho parisiense, Jérôme, perdeu um emprego porque não era fluente em Inglês - porque seu pai, um inglês, não tinha sido capaz em ensinar a própria língua materna ao seu próprio filho, por puro desleixo. Lloyd agora se oferece para ajudar. Rachman mostra a falha paterna, a negação de um filho e uma relação superficial, captada nessa pequena passagem, quando o filho diz:
"O que você quer dizer? Meu Inglês é bom, eu aprendi com você”.
Herman Cohen, outro personagem, é um revisor de jornal hiperexigente, e derramou o que restou de sua alma em um guia de estilo para o público; Arthur Gopal é um escritor de obituários, que não se importa em priorizar a família em função do jornal. Mas após a morte de sua filha é forçado a reconfigurar suas prioridades; Kathleen Solson, a arrogante e temperamental editora chefe é outro personagem que nos prende; Winston Cheung, por exemplo, é apresentado como uma criança infeliz que deseja ser um correspondente estrangeiro no Cairo. Todos os dias acontecem notícias no Cairo, mas ele é incapaz de saber onde estão os acontecimentos. Mas onde? Em que momento? Então chega o experiente Rich Snyder à cidade e varre Winston em uma tempestade hilariante de auto-absorção e perigo, e Winston tem que repensar seus objetivos. Para cada capítulo, a história de um “imperfeccionista” é contada, com outros como figurantes.
Mesmo sendo um romance inserido em um universo tão específico, como o de uma redação, a leitura se torna fácil, mesmo para aqueles cuja familiaridade com redações seja “zero” e que só venha à mente o famoso jornalista Clark Kent. Em outras palavras, o leitor não precisa se intimidar pelo tema, todos irão reconhecer esse ambiente de trabalho. Um vasto leque de personagens que trabalham no meio jornalístico que dão vida ao jornal no seu dia a dia, com seus pormenores e não são poupados a nada. A maioria é descrita através de perfis egoístas, inseguros, paranóicos, e com o desenrolar da história, vamos descobrindo e sendo apresentados a seus pontos fortes e suas fraquezas. Mas tudo relatado de forma fluida, sem monotonia e com muito humor.
É um romance habilmente construído através de um enredo magistral, habilmente conduzido. A forma como os diversos personagens e histórias se entrelaçam mostra como Tom Rachman é um bom contador de história. Seus personagens nos cativam tanto por seus defeitos quanto por suas qualidades. São inteiros e verdadeiros.
O sucesso, neste universo específico do livro, vem mediante a um grande esforço. Não há esperança, não há uma chance de redenção. É uma visão escura, desoladora mas mantém o humor na condução de toda essa “rua sem saída” em que o autor nos conduz e nos faz pensar.
Os “Imperfectionistas” é uma leitura que irá impressioná-lo por sua estrutura complexa e conquistá-lo por seu humor ágil, ácido e realista.
Um livro que eu recomendo. Daqueles que se fica “grato” por ter pegado na estante e lido até a última página. Fica a sugestão.