O processo
Franz Kafka nasceu em Praga em 1883, filho de judeus. Sempre foi uma criança brilhante, um excelente aluno. Franz era o filho mais velho dos seis filhos. Ele teve dois irmãos mais novos, que morreram na infância, e três irmãs mais novas, Gabriele (1889-1941), Valerie (1890-1942), Otille (1892-1943), que morreram todas em campos de concentração. Seu pai, Herman Kafka (1852-1931), foi descrito como um tirano doméstico, mal-humorado, que, em muitas ocasiões, era duro com o filho por não aceitar sua opção pela literatura. Herman Kafka era um homem de negócios. A vida de Franz Kafka pode ser resumida na tentativa de ele chegar a um acordo com o seu pai dominador.
A mãe de Kafka, Julie (1856-1934), era filha de um cervejeiro próspero e teve uma educação muito superior ao marido. Ela acabou ajudando a gerir o negócio do marido e trabalhava nele tanto quanto 12 horas por dia.
De 1889 a 1893, Franz frequentou o Deutsche Knabenschule, em Praga. Ele foi enviado para escolas alemãs, não tchecas, o que demonstra o desejo de seu pai para que ele tivesse uma educação mais apurada.
Depois da escola secundária, foi para Universidade de Charles Ferdnand, onde, no início, decidiu estudar Química, mas, depois de duas semanas, resolveu trocar para Direito. Durante o curso, ele acabou conhecendo aquele que foi seu grande amigo durante toda a sua vida, Max Brod, juntamente com o jornalista Felix Weltsch, que também cursou Direito.
Após concluir sua graduação e seu doutorado, no final de 1907, Kafka, começou a trabalhar em uma grande companhia de seguros, onde ficou um ano. Havia um desescontentamento com o horário de seu trabalho, que o impedia de escrever. Mais tarde, resolveu trabalhar em um Instituto de acidentes do trabalhador para o reino da Boêmia. Trabalhou até 1922, quando se aposentou por motivos de saúde, vindo a morrer um ano depois.
Falaremos hoje de uma de suas principais obras: “O Processo”. De cara, podemos ler que Joseph K é preso sem saber a razão: e dois guardas o informam que ele está sendo detido, sem explicar quais as acusações contra ele, . O narrador revela os pensamentos de Joseph K., mas evita revelar os pensamentos de outros personagens. No entanto, apesar da prisão, ele continua livre para trabalhar. Até o final do livro o clima será esse, ou seja, essa calúnia, essa acusação abre para vários tipos de interpretação. Seria uma parábola? Parábolas são dispositivos que revelam, através de histórias curtas e simples, uma moral da história. Essa possibilidade não foi levantada por mim – que fique bem claro –, e sim por vários intérpretes da obra desse que considero um autor do primeiro time da literatura universal.
O inspetor se esforça muito para que o anúncio da prisão de Joseph K. seja oficial ao reorganizar um quarto para que este se pareça com um tribunal, da mesma forma como uma criança organiza móveis para brincar em casa. Em vez de um martelo e um livro de direito, o inspetor tem um livro aleatório, um alfinete e fósforos. Finalmente, por uma atenção simples e quase legalista à redação, Kafka causa um constante ar de dúvida para cobrir tudo o que se diz ou pensou.
O livro dá margem a várias intepretações. Uma delas diz que Kafka já começa a prever regimes autoritários (não vividos pelo autor). Uma interpretação que eu aprecio é a que nascemos culpados. E esse sentimento é enlouquecedor, sufocante, um sentimento de inevitabilidade que deixa uma impressão duradoura e visceral de que a máquina burocrática foi colocada em movimento e de que o processo vai ter o seu final apesar de nossos apelos mais desesperados. Uma força ou entidade além do controle dos indivíduos determina arbitrariamente seu destino, justa ou injustamente. Não temos alternativa senão aceitar esse destino e o veredito.
Em “O Processo”, a força ou entidade pode ser o governo, simbolicamente a vontade divina. E isso nos remete a Sófocles em Édipo Rei, no qual o protagonista Édipo, impotente para revogar o veredito do destino, mata o seu próprio pai e se casa com a própria mãe.
O pecado original carrega o homem com a culpa herdada e o responsabiliza por essa culpa. De acordo com o Antigo Testamento, Adão e Eva cometeram o primeiro pecado e passaram-no para os seus descendentes, o resto da raça humana. Nesse sentido, Joseph K. é culpado de um “crime herdado”. Ele é responsabilizado por isso, assim como os membros sobreviventes de uma família são responsáveis por uma hipoteca de dívida ou propriedade herdada de um parente falecido.
Para alguns, esse romance é depressivo e claustrofóbico. Sinceramente, não acho, mas respeito quem assim o acha. No entanto, considero a história de um humor negro, sentimentos evocados e manifestados em imagens irracionais em forma de pesadelos, que nos faz lembrar do expressionismo alemão com suas paisagens lúgubres, seus personagens estranhos... “O Processo” não deve ser lido apenas como uma história de um indivíduo que fica preso num processo judicial. O livro vai além disso. É uma alegoria da situação do homem caído, de seu estado de culpa permanente e irremediável em um mundo onde toda a esperança foi expurgada.
Joseph K. é um anti-herói, pois, em uma inautenticidade, ele está convencido de que é culpado. Até ser abatido “como um cão”.
O leitor de “O Processo” parece ser deixado com duas formas de ler a obra. Uma delas é ver o mundo de Kafka como um mundo cheio de parábolas e símbolos ampliados e fantasticamente distorcidos (e, portanto, infinitamente mais real), um mundo que nos confronta com uma visão de sonho de nossa própria condição. A outra é renunciar a qualquer alegação de ainda tentar penetrar no seu mundo e expor-se à sua atmosfera de ansiedade e assombração, bizarrices visionárias, e – por vezes – promessas sem nenhuma esperança.
“O Processo”, de Franz Kafka, é um desses romances que deixa marcas indeléveis no leitor. Um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.