O Poder da Comunicação
Poder da comunicação + Manuel Castells + resenha 2
Manuel Castells é um autor conhecido internacionalmente aqui no Brasil e no site Bons Livros para Ler. O livro de que falaremos hoje sobre chama-se “O Poder na Comunicação”. Foi publicado no Brasil em 2015, mas foi lançado em 2009 nos EUA. Dessa vez, o cientista social procura uma significação para o século XXI, onde vivemos cercados a todo instante de tecnologia e comunicação. O livro pode ser considerado ultrapassado? De jeito nenhum. O livro nos ajuda e muito a entender o nosso presente, pois ele faz um apanhado da evolução da comunicação até os dias de hoje.
Como o livro é de 2009, muitos eventos aconteceram depois do lançamento deste livro, tais como a “Primavera Árabe” (que eclodiu em 2010) e as demais que não estão retratadas nesse livro, mas em outros livros do autor como “Redes de Indignação e Esperança” e “Ruptura: a crise da democracia representativa”. Todos esses livros estão resenhados aqui no site.
Manuel Castells é um dos pensadores mais influentes do mundo. Considerado o principal analista da era da informação e das sociedades conectadas em rede, ele investiga os efeitos da informação sobre a economia, a cultura e a sociedade em geral. Professor emérito da Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles, e da Universidade da Califórnia, Berkeley, tem mais de 25 livros publicados.
O livro “O Poder na Comunicação” é dividido em cinco capítulos. A partir da afirmação de que “a sociedade em rede é uma sociedade global”, Manuel Castells discorre sobre o processo contemporâneo da globalização. Para o autor, a Era da Informação é, para a sociedade, aquilo que a Era da Revolução Industrial foi para a sociedade industrial do século XVIII.
Vamos ao livro?
No começo da década de 1990, a televisão, o novo meio arquetípico da comunicação de massa escapou dos limites do espectro de frequência desenvolvendo novas formas de transmissão a cabo e por satélite. A tecnologia digital permitiu a multiplicação de um número imenso de canais. A televisão continua viva, e ainda continua sendo o principal meio de comunicação de massa no século XXI. O que mudou foi a fragmentação da TV em múltiplos canais, muitas vozes orientadas para o grande público.
Outra revolução aconteceu na década de 1990 foi a revolução da comunicação que ocorreu no mundo todo: a explosão da comunicação sem fio, ou seja, meios de comunicação interativos. A web transformou a televisão. Apesar de ser um veículo importante de massas, seu formato modificou-se, e continua sendo transformado à medida que a vemos a horizontalização, e o surgimento de uma nova forma de individualismo. Hoje os jornais estão online, modificaram-se, tornaram-se interiormente organizados em rede, globalmente conectados às redes da internet.
A comunicação de massa no sentido tradicional hoje é uma comunicação baseada na internet, tanto em sua produção como em sua transmissão.
A difusão da internet, da comunicação sem fio, da mídia digital e de uma variedade de ferramentas de softwares sociais estimularam o desenvolvimento de redes horizontais de comunicação interativa que conectam o local e o global em um momento determinado.
Podemos dizer que estamos assistindo à mais importante transformação da comunicação, a transição da comunicação de massas para a intercomunicação individual. A ascensão da comunicação de massa, unidirecional, sintetizada pelas redes de televisão tradicionais, foi associada ao surgimento de grandes conglomerados empresariais. No entanto, o advento da internet, que proporcionou a intercomunicação individual através das redes de comunicação móveis, descentralizou as redes de comunicação.
A comunicação de cima para baixo, sob o controle de empresas, caracterizou a história da humanidade. Essa forma de comunicação vertical é destruída em um mundo caracterizado pela prevalência das redes horizontais de comunicação multimodal. A interação entre comunicação e poder se torna, então, muito mais indefinida conforme seja permitido que o gênio da liberdade saia da garrafa lacrada da mídia e as pessoas pelo mundo abracem essa nova liberdade.
À medida que a internet foi se expandindo para se tornar o principal meio de comunicação da era digital, as grandes corporações passaram a dominar o seu negócio e as companhias de telecomunicação globais moldaram as plataformas móveis da comunicação.
A principal forma organizacional de comunicação na era digital é representada por redes de negócios multimídias globais combinando formas tradicionais de comunicação unidirecional, tais como a televisão, o rádio e a mídia impressa, com um sistema de comunicação híbrido que usa a flexibilidade da tecnologia digital para migrar de um hipertexto genérico e unificado para o “meu texto” individualizado e diversificado.
Apesar de o universo da internet ser construído em torno do poder dos grandes conglomerados empresariais e ser, de alguma forma, regulado pelo governo, ele permanece sendo, de fato, um modo de comunicação muito distinto, que se caracteriza pela considerável autonomia dos sujeitos comunicantes em relação aos donos e reguladores da infraestrutura de comunicação. Isso acontece porque as tecnologias de redes digitais permitem que os indivíduos gerem o seu próprio conteúdo e mensagens e os distribuam no ciberespaço, evitando amplamente o controle de corporações e burocracias.
O uso da internet empodera as pessoas, aumentando a sensação de segurança, liberdade pessoal e influência. Todas essas percepções têm um efeito positivo na felicidade e no bem-estar pessoal. O efeito é particularmente positivo para pessoas de baixa renda e poucas qualificações, para pessoas em desenvolvimento e para mulheres.
O uso da internet aumentou a sociabilidade e o empoderamento, dois fatores críticos que induzem as pessoas à satisfação em suas vidas. A atividade mais importante na internet ocorre nas redes sociais. E a chave para o sucesso não é o anonimato; pelo contrário, é a autoapresentação de uma pessoa real que se conecta com pessoas reais.
Os sites de redes sociais são espaços de convivência que conectam todas as dimensões das experiências das pessoas. Eles transformam a cultura porque as pessoas compartilham tendo um custo emocional baixo e, portanto, economizam energia e esforços. As pessoas vivem suas vidas físicas, mas cada vez mais se conectam a múltiplas dimensões da experiência humana. As pessoas não vivem uma realidade virtual; na verdade, trata-se de uma virtualidade do real.
Manuel Castells continua a sua análise da sociedade em rede a partir de uma perspectiva de poder. Ele argumenta que as redes sociais globais fazem uso da comunicação digital global como fonte fundamental de poder e contra o poder na sociedade contemporânea. O poder está associado à coerção, dominação e violência criando uma assimetria nas relações.
No capítulo 2, Manuel Castells analisa o conceito de poder em rede. Para o autor, o poder segue a lógica da construção em rede. O poder é a capacidade relacional que permite um ator social influenciar assimetricamente as decisões dos outros atores sociais de formas que favoreçam a vontade, os interesses e os valores do ator que detém o poder.
O poder é exercido por meio da coerção. As relações de poder são marcadas pela dominação, que é o poder entranhado nas instituições da sociedade. O poder não é um atributo, é uma relação. Em qualquer relação de poder há sempre a possibilidade de resistência que questiona esse tipo de relação.
As sociedades não são comunidades que compartilham valores e interesses. São estruturas sociais contraditórias que funcionam através de conflitos e negociações entre atores sociais diferentes e muitas vezes opostos. Os conflitos nunca terminam; eles muitas vezes obedecem a um tempo próprio por meio de acordos temporários e contratos instáveis, que são transformados em instituições de dominação por aqueles atores sociais que possuem uma posição vantajosa na luta pelo poder, por vezes a custo de permitir algum grau de representação institucional para a pluralidade de interesses e valores que permanecem subordinados.
O poder não se localiza em uma esfera social ou instituição específica, mas está distribuído por toda a esfera de ação humana. O Estado é uma comunidade humana que reivindica o monopólio sobre o uso legítimo da força física dentro de um determinado território.
Ulrich Beck acrescenta um novo elemento a essa discussão: para ele, a globalização redefiniu os limites territoriais do exercício do poder. A globalização significa que as ciências sociais precisam ser fundamentadas como uma ciência transnacional, libertadas das fixações do nacionalismo metodológico e redefinidas e reconceitualizadas no contexto do cosmopolitismo metodológico.
O Estado-Nação não desaparece. As fronteiras nacionais das relações de poder transcendem o nacional através de uma forma de sociedade, a sociedade em rede. O Estado tem o objetivo de garantir a soberania, o monopólio das tomadas de decisão fundamentais em relação aos sujeitos dentro dos limites territoriais determinados. O Estado define a cidadania, conferindo direitos e reivindicando deveres de seus sujeitos. E envolve-se em relação de cooperação, competição e poder com outros Estados.
Apesar da crise do Estado-Nação, eles (Estados-Nações) não desaparecem; eles se transformam para se adaptar ao novo contexto. Sua transformação pragmática é o que realmente muda a paisagem da política e da elaboração da política e da elaboração de políticas na sociedade em rede.
Redes de Estados são criadas, como a União Europeia. Outros se concentram em questões comerciais como NAFTA ou Mercosul, ou questões de segurança como a OTAN, ou blocos como a OEA, União Africana, Liga Árabe. Estados construíram redes cada vez mais densas de instituições internacionais e organizações supranacionais para tratar de temas globais, como FMI, OIT, ONU. Com isso vemos a transformação do Estado-Nação em uma nova forma de Estado.
Anteriormente as ferrovias e o telégrafo constituíam a primeira infraestrutura para a rede de comunicação quase global. A sociedade industrial (na versão capitalista como na comunista) foi estruturada em torno de organizações de produção verticais e de grande escala, bem como instituições estatais extremamente hierárquicas que, em alguns casos, se tornaram totalitárias. Em outras palavras, as primeiras tecnologias de comunicação baseadas na eletricidade não eram poderosas o suficiente para equipar o processamento interativo de informação.
Hoje vivemos em uma sociedade em rede com uma velocidade maior e cada vez mais complexa. As principais atividades que moldam e controlam a vida humana em todos os cantos do planeta estão organizadas em redes globais: mercados financeiros, a distribuição de bens e serviços transnacionais, uma mão de obra cada vez mais especializada, as redes de internet de comunicação internacionais que gerenciam a economia global, a religião, a economia do crime, as ONGS e movimentos nacionais e transnacionais que defendem os direitos da sociedade civil global. A globalização deve ser considerada a conexão em rede de todas essas redes globais socialmente importantes.
O capital sempre apostou suas fichas na ideia de nação como algo sem fronteira. E o capital financeiro, através de suas redes globais, teve uma vantagem inicial como instância definidora de valor.
A nova economia de nossa época é certamente capitalista, mas como uma nova marca de capitalismo. Ela depende de inovação como fonte de crescimento de produtividade; dos mercados financeiros globais informatizados em rede cujos critérios de associação estão influenciados pelas turbulências na informação; da formação das redes de produção e gerenciamento tanto interior quanto exteriormente, tanto local como globalmente; e de uma mão de obra flexível ou adaptável. Os criadores de valor têm de ser autoprogramáveis e capazes de processar informação de forma autônoma, inserindo-a em um tipo de conhecimento específico. Trabalhadores genéricos, reduzidos a seu papel de executores, devem estar prontos para se adaptar às necessidades das empresas em rede, para não serem substituídos por máquinas ou por força de trabalho alternativo.
Um outro ponto levantado por Manuel Castells é o papel das redes na cultura. As identidades culturais passaram a ser comunas de autonomia, e as vozes entrincheiradas de resistência para grupos e indivíduos que se recusam a desaparecer na lógica das redes dominantes. Ser francês torna-se tão importante quanto ser um consumidor. Ser catalão, basco, galego, curdo torna-se uma bandeira de autoidentificação, frente à dominação imposta pelo Estado- Nação. Em contraste com visões normativas ou ideológicas que propõem uma fusão de todas as culturas, no cercadinho cosmopolita dos cidadãos do mundo, chegamos à conclusão de que o mundo não é plano.
O que caracteriza a sociedade global em rede é a contraposição entre lógica da rede global e a afirmação de uma multiplicidade de “eus” locais. Ao invés do surgimento de uma nova cultura homogênea global, o que observamos é a diversidade cultural histórica, como é principal tendência comum: fragmentação ao invés de convergência. O processo de construção da cultura em sociedade já começou.
Todas as redes compartilham uma característica comum: ideias, visões e projetos. Umas controlam pontos de conexão estratégicos, como, por exemplo, redes de mídia, redes científicas e tecnológicas e redes militares e de segurança no intuito de alguma estratégia geopolítica. Ou uma conexão entre redes políticas e redes de mídias para produzir ou divulgar discurso político ideológico. Ou ainda a relação entre redes religiosas e redes políticas para promover uma agenda religiosa em uma sociedade secular. Ou entre redes acadêmicas e redes empresariais para fornecer conhecimento e legitimidade em troca de recursos para Universidades ou emprego para os seus produtos. Esses são os comutadores, são aqueles atores e redes de atores que, em virtude de sua posição na estrutura social, detêm o poder de criar redes de poder.
Como as redes são múltiplas, as relações de poder são específicas a cada uma delas. A forma de exercer o poder comum a todas as redes é a exclusão da rede. Uma pessoa pode ser excluída de uma rede e ser aceita em outras.
Como o espaço na sociedade em rede é configurada em torno da oposição entre espaços globais e locais, a estrutura espacial de nossa sociedade é uma fonte importante das relações de poder.
Comutação e a programação de redes sociais são a forma de exercer o poder em nossa sociedade global em redes. O poder da sociedade em rede é o poder da comunicação. A comunicação é o compartilhamento de significado por meio da troca de informação. Emissores e receptores da informação são os sujeitos da comunicação.
Na comunicação da sociedade, é o que chamamos de comunicação de massa. A comunicação de massa tradicional é unidirecional, ou seja, é enviada de um para muitos, como os livros, jornais, filmes, rádio e televisão. Com a internet, surgiu uma nova forma de comunicação interativa, com a capacidade de enviar mensagens de muitos para muitos, em tempo real, ou no tempo escolhido, e com a possibilidade de usar a comunicação entre dois pontos. Essa é a forma de comunicação historicamente nova de autocomunicação de massas.
É comunicação de massa porque tem o potencial de atingir o público global, como é o caso de um vídeo divulgado no YouTube, ou um texto num blog. Ou através de e-mails.
As três formas de comunicação (interpessoal, comunicação de massa e autocomunicação de massa) coexistem, interagem e se complementam em vez de substituírem.
No capítulo 3, Manuel Castells aborda a desinformação do público, sobretudo norte-americano, à época do governo Bush durante a Guerra do Iraque.
A mente humana é um processo de criação e manipulação de imagens mentais no cérebro. As ideias podem ser consideradas arranjos de imagens mentais. E as imagens mentais correspondem a padrões neurais. As redes neurais conectam neurônios que são células nervosas. A mente é um processo não um órgão. É um processo material que ocorre no cérebro em interação com o corpo. . O cérebro e o corpo constituem um organismo conectado por redes neurais ativadas por sinais químicos que circulam na corrente sanguínea.
A realidade para nós não é nem objetiva nem subjetiva, e sim uma construção material de imagens que mistura o que ocorre no mundo físico (fora e dentro de nós) com a inscrição material da experiência nos circuitos de nossos cérebros.
A consciência emerge da necessidade de integrar um número maior de imagens mentais a partir da percepção com as imagens da memória. A mente consciente precisa de um princípio organizador para orientar esse nível superior de atividade. Esse princípio organizador é “eu”. Sem a consciência, o corpo humano não pode sobreviver.
As imagens do nosso cérebro são estimuladas por objetos e eventos. Nós não produzimos eventos, mas os processamos. As metáforas são essenciais para conectar a linguagem. É por meio das metáforas que as narrativas são construídas. As metáforas enquadram a comunicação, selecionando associações específicas entre linguagem e experiência, com base no mapeamento do cérebro.
A cognição política é formada emocionalmente. Não há qualquer oposição entre cognição e emoção na tomada de decisões. Segundo a teoria da inteligência afetiva, as emoções particularmente relevantes para o comportamento político são o entusiasmo e o medo.
O comportamento político é condicionado por dois sistemas emocionais. O primeiro é o sistema de disposição, inspira o entusiasmo e organiza o comportamento para alcançar as metas do sujeito entusiasmado. O segundo é o sistema de vigilância, que inspira o medo e a ansiedade.
A raiva e a ansiedade têm consequências diferentes: a raiva leva a um pensamento imprudente, pois reduz a percepção com os riscos. Esperança e medo se combinam no processo político. O medo é essencial para a autopreservação, e a esperança é essencial para a sobrevivência. Tanto o medo como a esperança encorajam as pessoas a buscar mais informação sobre suas decisões.
A informação e a emoção se misturam na construção da mensagem política. A conexão entre as mensagens políticas e tomadas de decisões políticas não é direta. Ela é processada pela mente com base em estímulos recebidos do seu ambiente de comunicação. As pessoas tendem a acreditar naquilo em que querem acreditar. Elas filtram a informação a fim de adaptá-la à suas avaliações preconcebidas.
Vamos ao ponto central desse capítulo 3. George Bush, para receber apoio para entrar numa guerra com o Iraque, ativou dois pontos principais: a guerra ao terror e o patriotismo. O governo Bush e a mídia claramente formaram conexões entre a guerra ao terror e a guerra no Iraque.
Al Qaeda, Afeganistão, Guerra ao Iraque, islamismo radical construíram uma rede de associações na mente das pessoas. Elas ativaram emoções mais profundas no cérebro humano: o medo da morte. Experimentos psicológicos em vários países fornecem evidências de que relacionar questões e eventos com a morte favorece atitudes conservadoras na mente das pessoas.
No momento em que a morte é evocada, as pessoas se agarram ao que têm e àquilo em que acreditam, como refúgio e defesa, reafirmando valores tradicionais, valores testados pela história e experiência coletiva. E as consequências disso é a intolerância com a dissidência, ficando os indivíduos mais inclinados a defender políticas de lei e ordem, mais nacionalistas e mais a favor da família patriarcal.
A partir do momento em que o governo associou a Guerra do Iraque à guerra ao terror e à defesa da nação, qualquer dissensão seria facilmente rotulada de antiamericanismo pelo governo e pela mídia. A mídia não percebeu o dissenso na avaliação da guerra, ela ficou restrita à narrativa do governo.
No capítulo 4, Manuel Castells nos apresenta como tema a política de escândalos e explica o uso da mídia como instrumento político.
Na sociedade contemporânea em todos as partes do mundo, a mídia é o principal meio de comunicação. A mídia não detém o poder; ela não é, como se diz normalmente, o quarto Estado. Na verdade, ela é mais importante do que isso, a mídia é o espaço de produção de poder. A mídia constitui o espaço onde as relações de poder são decididas entre atores sociais.
A mídia não é neutra, como a ideologia do jornalismo afirma; tampouco é instrumento do poder do Estado, com óbvia exceção da mídia de massas sob os regimes autoritários. A mídia corporativa é constituída por empresas e seu comércio principal é o entretenimento, inclusive as notícias. Mas ela também tem interesses políticos mais amplos, já que participa diretamente da dinâmica do Estado, uma parte chave de seu ambiente comercial.
Quanto mais o meio for dominado pela lógica comercial, mais os jornalistas terão que atuar dentro desses limites. Quanto mais independente for a mídia do controle governamental, seja por meios da transmissão pública independente e estatutária (como no caso da BBC) ou por transmissão privada, mais acesso será influenciado por interesses comerciais (publicidade).
O sensacionalismo estimula a reportagem política: expor os erros dos poderosos sempre foi o consolo do grande público, e hoje essa exposição pode ser representada em um palco teatral para a comunicação de massa. E uma das características da política teatral é a sua personalização.
A política da personalidade caracterizou o processo político no mundo todo, em detrimento de partidos estáveis, afinidades ideológicas e máquinas políticas. As narrativas dependem de heróis (o candidato), vilões (os oponentes) e vítimas a serem resgatadas (os cidadãos). Mas os líderes potenciais precisam se posicionar como merecedores da mídia, usando qualquer abertura disponível para exibir seus truques (ou suas virtudes). Eles podem fazê-lo criando eventos que obrigam a mídia a prestar a atenção neles, como no caso de um candidato político sem projeção. Quanto mais um candidato se enquadrar em uma moldura de celebridade, mais fácil é para a mídia.
Os conteúdos e formatos dos projetos políticos são cada vez mais decididos com a ajuda de “Think Tanks”, grupos que reúnem especialistas acadêmicos, estrategistas políticos e consultores da mídia sobre a administração da política e a elaboração de políticas públicas. A maior parte dos Think Tanks nos EUA estão ligados a grupos conservadores e candidatos republicanos.
O marketing político e o marketing comercial são uma clara indicação do surgimento do cidadão consumidor. Políticos e empresas usam os mesmos bancos de dados, com o uso de poder maciço de computadores aplicados ao cruzamento de dados de fontes governamentais e acadêmicos com a enorme coleção de dados resultante da invasão da privacidade pelas empresas de cartão de crédito, de telecomunicações e da internet. Todas elas vendem informações sobre aqueles clientes (a maioria) que, sem se inteirar sobre o que está escrito em letra miúda em seus contratos, não escolhem rejeitar a política das empresas de vender os seus dados.
Nos EUA, os políticos podem praticar uma política cara, porque há uma abundância de recursos de lobistas e doadores. Muitas vezes os políticos não conseguem nem gastar todo o dinheiro que recebem; então, em vez disso, usam dinheiro para um estilo de vida extravagante, justificado por uma contabilidade criativa.
No caso dos EUA, é um exemplo único porque combina a influência direta de financiamento político privado com o sistema jurídico que encoraja o lobby, com a indiferença ou a resignação do público em geral.
Só uma coisa importa numa campanha política: vencer. O resto é secundário. Às vezes, ir para a esquerda ou para a direita é o que convence as pessoas que estavam às margens por não se associarem à mensagem de nenhum candidato.
Um outro ponto abordado por Manuel Castells é a política de escândalos. O autor cita John Thompson, que define “a política de escândalos como lutas simbólicas em que a reputação e a confiança estão em jogo”. Independentemente de quem revela o delito, sejam jornalistas ou juízes, uns se apoiam nos outros em suas iniciativas a tal ponto que, quando o escândalo começa a encontrar eco na população, a mídia tende a elevar os juízes ao papel de agentes da justiça contra a má vontade dos políticos, em uma moldura de defensores da moralidade versus os poderes irresponsáveis que ressoam na mente das pessoas comuns.
Uma coisa que precisa ser deixada clara é que a política de escândalos não é a mesma coisa que corrupção política. A corrupção política geralmente tem a ver com ilegalidades, como troca de benefícios pessoais ou partidários (ou ambos). Sempre funcionou assim, é uma característica básica dos sistemas políticos.
Escândalos políticos incluem outras coisas, supostos delitos, como atividades sexuais impróprias de acordo com as normas de determinada sociedade. Políticos envolvidos em escândalo são a melhor matéria para os noticiários. A política de escândalos é inseparável de política da mídia.
A corrupção pode ter aumentado, mas também a publicidade da corrupção aumentou. A percepção da corrupção generalizada alimenta a banalização da corrupção. No entanto, uma grande ironia se estabelece na medida em que a mídia desempenha seu papel na propagação de escândalos e com isso ajuda a deslegitimar as instituições.
A política da mídia e a política de escândalos contribuem para uma crise internacional de legitimidade política, e com isso a redução de confiança pública. Justamente no momento em que o Estado-Nação mais precisa de confiança de seus cidadãos para navegar nas águas incertas da globalização, enquanto incorpora valores de identidade, individualismo e cidadania.
No capítulo 5, Manuel Castells nos mostra a atividade dos movimentos sociais e seus agentes de transformação política nas palavras do próprio autor:
“Movimentos sociais e a política insurgente ou não, surgem e vivem no espaço público. O espaço público é o espaço de interação significativa da sociedade onde ideias e valores são formados, transmitidos e operados e resistido; espaço que em última instância, se torna um campo de treinamento para ação e reação. E por esse motivo que, durante toda a história, o controle da comunicação socializada por partes das autoridades ideológicas e pelos ricos, foi fonte chave de poder social” (pág. 355).
As descobertas, as liberdades individuais, os fenômenos midiáticos, a mente ambiental, a participação ativa das celebridades que salvam o mundo, a nova posição dos políticos e seus slogans de campanhas eleitorais encerram o livro de forma instigante. A eleição de Obama, em 2008, é o ponto culminante do capítulo 5. Mas, junto a isso, o autor destaca a mobilização dos jovens nas campanhas e protestos.
E aí o papel da mídia foi essencial. O objetivo da mídia é atrair público. O público gravita na direção das notícias que despertam emoções. Emoções negativas têm um efeito maior para atrair a atenção do que as positivas. E o medo é a emoção negativa mais poderosa. A conotação catastrófica das consequências do aquecimento global instila um medo profundo no público.
Realmente, em algumas projeções, o aquecimento global pode levar a uma elevação desastrosa do nível dos oceanos em muitas partes do mundo, secas que devastam os recursos hídricos e a produção agrícola. Um padrão recorrente de tempestades, furacões formados por tufões que trariam a destruição generalizada do planeta amplamente urbanizado, incêndios florestais implacáveis de desertificação e uma longa fila de cavaleiros do apocalipse, amplificado pela imaginação dos produtores e consumidores de imagens em nossa cultura de efeitos especiais.
A mídia teve um papel bastante ativo para o despertar da consciência ecológica. Diversos jornalistas investiram, profissionalmente e ideologicamente, no projeto do despertar a consciência ambiental. No entanto, a construção da questão do aquecimento global da mídia foi concretizada de acordo com o objetivo principal de suas empresas: atrair audiência preparando narrativa que aumente a preocupação entre os cidadãos.
E a mídia foi alertada para o drama envolvido nas tendências do aquecimento global em grande parte como resultado de um movimento ambiental multifacetado, cujos componentes principais são cientistas, celebridades e ativistas. A aliança entre cientistas, ambientalistas e líderes de opinião colocaram o aquecimento global na pauta pública.
A partir do dia da terra em 1970, as organizações ambientalistas nacionais nos EUA e em todo o mundo cresceram extraordinariamente. Com as redes horizontais (internet e redes sociais) de comunicação, as pessoas podem se comunicar diretamente com grupos de defesa do meio ambiente.
As celebridades usam seu carisma junto aos fãs para chamar a atenção para uma série de questões. Embora as celebridades historicamente apoiem campanhas políticas e éticas, os ativistas famosos de hoje têm mais acesso para adotar causas globais. E isso tem menos a ver com a forma das celebridades e mais com a forma como as pessoas consomem a informação. Um número crescente de norte-americanos, por exemplo, se informa sobre política mundial em programas de notícias mais leves.
À medida que as notícias leves centradas no entretenimento crescem, uma maneira de manter a atenção do público é aumentar o apelo das celebridades. Como as celebridades têm acesso a uma variante mais ampla de canais e, portanto, de audiência, é possível que elas tenham vantagens em relação a ativistas políticos para transmitir a sua mensagem.
O poder dos soft News deu às estrelas do entretenimento um poder adicional para promover as suas causas. Todos saem ganhando, não há perdedores: status de celebridade da popularidade e certas campanhas cujo sucesso, por sua vez, realça e dignifica as próprias celebridades.
Alguns atores famosos que apoiam o ambientalismo, como Di Caprio, Matt Damon, Brad Pit, Angelina Jolie, aproveitam toda a influência para dar apoio ao trabalho do global Cool Foundation, uma fundação britânica estabelecida em 2006.
Um movimento multifacetado, composto de ativistas, cientistas e celebridades que atuam na mídia e formam redes pela internet, que transforma a maneira como pensamos a natureza.
Fico por aqui. E indico “O Poder da Comunicação”, de Manuel Castells, como um livro fundamental para entendermos os eventos globais e os eventos da comunicação e da internet. Um livro que merece um lugar de “HONRA” na sua estante.