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Gata em Telhado de Zinco Quente

A primeira vez que tive contato com “Gata em Telhado de Zinco Quente”, de Tennessee Williams, foi no cinema. Elizabeth Taylor, Paul Newman e Burt Ives. Uma química espetacular em cena.  Adorei o filme. Assim como também vi no cinema “Um Bonde Chamado Desejo” (já resenhado aqui), com Marlon Brando e Vivian Leigh. Esse filme dispensa comentários.

“Gata em Telhado de Zinco Quente” conversa muito bem com “Rei Lear”, de Shakespeare (já resenhado aqui). Conflitos entre pais e filhos, entre maridos e esposas e entre irmãos ciumentos, a ganância. Mas existem diferenças dramáticas. “Rei Lear” envolve campos de batalha, invasões militares, inclui violência física. Brick, o irmão mais novo, seria semelhante a Cordélia. No entanto, “Gatas em Telhado de Zinco Quente” se passa em um outro campo de batalha. Se passa em um quarto. O clímax de Rei Lear é a morte do Rei Lear sobre o corpo de Cordélia. Brick seria semelhante a Codélia “Gata em Telhado de Zinco Quente” termina com a desolação.

A história aborda um casamento problemático entre Maggie e Brick, um possível envolvimento homossexual de Brick com seu amigo Skipper, a incapacidade de comunicação entre pai e filho (Paizão e Brick) e uma briga por herança entre Brick e Maggie contra Gooper e Mae. Brick é  indiferente à herança. Ele possui uma sábia tranquilidade de que fracassou em tudo na vida. E sua relação com todos na família é de indiferença e de nojo. Sempre na espera de um clique que a bebida proporciona a ele.


Vamos à história?

“Gata em Teto de Zinco Quente” se passa na década de 1950 em uma fazenda, uma propriedade localizada no Delta do Mississipi. O campo de batalha acontece em um quarto onde Brick e sua esposa, Maggie, aparentemente moram. Brick e Maggie não têm filhos. Maggie acusa o irmão de Brick, Gooper, e sua cunhada de exibir os seus filhos na frente do pai de Brick, que todos chamam de o Paizão. Essa foi a forma que Gooper e sua mulher, Mae, encontraram para dizer: “Viu como nós temos filhos? Meu irmão não tem!” Tudo isso para sensibilizar o Paizão (que tem um câncer terminal) e dizer: pense nos seus netos. Uma forma de persuadir o pai a deixar a fortuna para eles.

Brick foi um jogador de futebol americano, foi estrela na faculdade e admirado por todos em seu círculo social. Brick evita lidar com seus sentimentos. Tem problemas em admitir uma possível homossexualidade e no fundo tem medo de ser gay. Por isso, ele silencia. E se dedica sem nenhum entusiasmo à bebida. Bebe para se anestesiar de seu próprio desgosto. Ele alimenta um certo nojo pelas relações familiares e de certa forma consigo mesmo.

Maggie é uma mulher atraente.  Como ela foi criada na pobreza, está determinada que seu marido herde a fortuna do pai. Ela quer ter um filho dele. Mas Brick se recusa:

“Maggie: Viver com quem se ama sem ser correspondido é mais solitário que viver sozinha... (pausa, Brick manca até o proscênio e pergunta sem olhar para ela)

Brick: Preferia viver sozinha, Maggie?

Maggie: Não ! – Deus me livre! ( respira arquejando. Ela controla à força o que deve ter siso um impulso de choro. Podemos vê-la voltando muito a contragosto ao mundo onde se pode falar de assuntos banais)  O banho estava gostoso?” (pág. 40)

Maggie sabe que, caso se divorcie de Brick, vai perder a grande chance de sua vida: a herança.

“Maggie: Estão jogando Croquet. A lua já saiu e está branca, começando a ficar amarelada...Você era um amante maravilhoso. Maravilhoso na cama, talvez porque fosse indiferente pra você. Não é verdade? Sem ansiedade, fazia naturalmente, fácil, devagar, com absoluta confiança e perfeita calma. Parecia que estava abrindo a porta para uma senhora ou puxando uma cadeira para ela sentar sem demonstrar qualquer desejo por ela. Sua indiferença o tornava um amante maravilhoso – estranho? – mas verdadeiro...” (pág. 42)

 

Maggie tira um sarro dos filhos de Mae:

“Mae: Ah, meu Deus! Bricck, você devia ter ficado lá embaixo depois do jantar! As crianças deram um show. Polly tocou piano, Buster e Sonny tocaram bateria e depois apagamos as luzes, e Dixie e Trixie, vestidas de fadas, dançaram na ponta dos pés com fogos e estrelinhas nas mãos! Paizão vibrou! Simplesmente vibrou!

 Maggie: (do closet, com uma risada ríspida): Aposto que sim. Estou arrasada por termos perdido! (Entra). Mae porque coloca nome de cachorros nos seus filhinhos?

Maggie: (doce): Dixie, Trixtie, Buster, Sonny, Polly! Parecem  quatro cachorros e um papagaio...

Mae: Maggie? (Maggie se volta com um sorriso.) Por que você é tão ferina?

Maggie: Porque sou uma gata! E porque não aceita uma piada, cunhadinha?” (pág. 48)

Maggie se sente nervosa como um gato de zinco quente:

“Maggie: Ah, Brick! Quanto tempo isso vai durar? Esse castigo? Já não cumpri a minha sentença, será que não posso pedir - um indulto?

Brick: Maggie, você está estragando a minha bebida. Ultimamente só fala como se estivesse brincando que a casa está pegando fogo!

Maggie: esperava o quê?! Brick como me sinto? Me sinto uma gata num telhado de zinco quente.

Brick: Então pula do telhado, pula! Gatas conseguem pular de telhados e cair no chão sem se machucar

Maggie: Ah, claro!

 Brick: Arruma um amante!” (pág. 49)

Maggie diz que só quer Brick, mas ele lembra das condições do casamento deles. Nesse momento. entra a Mãezona:

“Mãezona: Filho? Está ouvindo? (resposta indistinta) Acabamos de receber o diagnóstico completo do laboratório da Clínica Ochsner, completamente negativo, filho, tudo negativo, tudo! Nada de errado com ele, só uma coisa funcional chamado colón espástico. Filho, está ouvindo?” (pág. 53)

Mãezona (mãe de Brick e Gooper) diz que tem notícias maravilhosas sobre o Paizão. Ela relata que os testes para câncer deram negativo, e tudo o que ele tem é um cólon espástico. Brick está no banheiro, não responde, e Mãezona pede que ele e Maggie  se vistam para a festa do Paizão, que está fazendo aniversário.

Maggie então faz uma revelação. Sonny Boy Maxwell, um amigo de Brick, tentou agarrá-la, por puro tesão. Mas ela não fez sexo com ele. No entanto, surge um novo ingrediente na relação entre os dois:

“Maggie: Desta vez eu vou falar. Skipper e eu fizemos amor, se é que pode chamar aquilo de amor, porque fez a gente se sentir mais próximo de você. Está vendo, seu filho da puta, você exigiu muito das pessoas, de mim, dele, de todos os pobres infelizes filhos da puta que por acaso amam você, e tinha muita gente além de mim e do Skipper. Você exigiu demais das pessoas que amavam você, você... criatura superior! Um deus! E fizemos amor para sonhar que era você, eu e ele! É, é, é! Verdade, verdade! O que tem de horrível nisso? Eu gosto, acho que a verdade é -! Não devia ter contado pra você.

Brick (segura a cabeça artificialmente e um pouco inclinada para cima): quem me contou foi o Skipper. Não você, Maggie.

Maggie: Eu contei para você!

Brick: depois que ele me contou.” (pág. 63)

A conversa segue e Maggie diz que foi a um ginecologista em Memphis. E, segundo o médico, eles estão aptos para ter um filho. Mas ouve como resposta:

“Brick: Estou. Estou ouvindo, Maggie. (sua atenção se volta para o rosto inflamado dela) Mas como você imagina o que vai ter um filho de um homem que não te suporta.” (pág. 69)

 

Os convidados chegam na suíte de Brick e Maggie. Paizão entra na frente e logo é agraciado com as mesuras de Maggie dando-lhe o presente de Brick. Maggie, Mae e Mãezona encontram-se em uma guerra fria.  Paizão percebe o clima e grita para que todas fiquem quietas. O reverendo Tooker faz um comentário:

 

“Reverendo Tooker: Sim, senhor Bob! Sabe o que a família da Gus Hamma doou à igreja em sua memória em Two Rivers? Uma nova paróquia de pedra completa com quadra de basquete no porão e um –

 

Paizão (soltando uma gargalhada gutural sem nenhuma alegria): Ei, Reverendo! Que conversa é essa sobre memoriais, Reverendo? Acha que alguém está para bater as botas por aqui? É isso? (Espantado com essa interjeição, Reverendo Tooker decide rir da pergunta o mais alto que consegue. Como ele iria responder à pergunta nunca saberemos, já que foi poupado dessa vergonha pela voz clara e aguda da mulher de Gooper, Mae, que entra pela porta do corredor com Doc Raugh, o médico da família).” (pág. 71)

 

Maggie propõe um brinde para o Paizão:

 

“Maggie (ao mesmo tempo) Quero propor um brinde ao Paizão Pollit pelo seu aniversário de 65 anos, o maior plantador de algodão em –

 

Paizão (urrando com fúria e nojo) Já disse para pararem com isso agora chega, chega -!” (pág. 79; pág. 80)

 

Paizão pede para ficar a sós com Brick. Um dos assuntos entre os dois diz respeito à semelhança entre sua mulher, Maggie, e a mulher de seu irmão, Mae.

 

“Paizão: Sua mulher é mais bonita do que a do Gooper, mas de um jeito ou de outro elas se parecem.

 

Brick: Se parecem em que, Paizão?

 

Paizão: Não sei explicar, mas se parecem.

 

Brick: Elas não parecem muito calmas, não é?

Paizão: Não, o diabo que não.

Brick: Parecem nervosas como gatas?

Buck: Nervosas como duas num telhado de zinco quente?

Paizão: Isso mesmo, filho, parecem duas gatas  num telhado de zinco quente. Engraçado que você e Gooper são tão diferente e escolheram o mesmo tipo de mulher.

Brick: Nós dois casamos na mesma sociedade, Paizão.

Paizão: Merda... O que será que deixa as duas daquele jeito?

Brick: Bom elas estão sentadas no meio de um grande pedaço de terra, Paizão, 28 mil acres é um pedaço de terra muito grande, e estão brigando por causa disso, cada uma determinada a pegar um pedaço maior do que a outra, assim que você deixar.

 

Paizão: Tenho uma surpresa pra essas mulheres. Não vou deixar tão cedo se é o que me esperam.

Brick: Está certo Paizão. Senta e deixa as duas arrancarem os olhos uma da outra...” (pág. 83; pág. 84)

Paizão menciona a bebida para seu filho enquanto também fala sobre como ele se sente melhor depois que soube que não tem câncer. Paizão confessa o medo da morte.

 

“Paizão: Pensei que o anjo da morte tivesse colocado a mão pesada e fria no meu ombro! ( pág. 92).

Paizão confessa que nunca gostou de Mãezona, sua mulher.

“Paizão: ...” – Foi preciso a sombra da morte para eu ver isso. Agora a sombra se foi, vou relaxar e, como eles dizem, trepar.

Brick: Trepar, hein?

Paizão: Isso mesmo, trepar, trepar. Inferno! – Dormi com Mãezona, vamos ver até cinco anos atrás, até os 60 anos, e ela 58, e nunca gostei dela, nunca. (pág. 94)

Brick alega que bebe por desgosto:

“Paizão: Você diz que bebe pra matar teu nojo pela falsidade.

Brick: Você disse para te dar um motivo.

Paizão: Bebida é a única coisa que pode matar esse nojo?

Brick: Agora é.

Paizão: Mas antes não, né?

Brick: Não quando eu ainda era jovem e acreditava nas coisas. Um bêbado é alguém que quer esquecer que não é mais jovem e não acredita mais.

Paizão: Acredita em quê?

Brick (teimosamente evasivo): Acredita...

Paizão: Não sei que porra você quer dizer com acreditar e acho que você também não sabe, mas se ainda tem o esporte no sangue, volte a ser comentarista e-

Brick: sentar numa cabine de vidro sem poder jogar? Comentar o que eu não posso fazer enquanto os outros fazem? Sofrer de fora as perdas de uma guerra sem poder estar em campos de batalha? Bebendo um Bourbon com Coca Cola pra aguentar?

Não funciona mais, não adianta – o tempo me ultrapassou, Paizão – chegou lá primeiro.... (pág. 108; pág. 109)

Paizão levanta uma hipótese sobre o motivo da bebedeira de Brick:

“Paizão: Você começou a beber quando seu amigo Skipper morreu. (Silêncio durante cinco tempos. Depois Brick faz um movimento surpreso e pega a muleta)

Brick: Está insinuando o quê?

Paizão: Não estou insinuando nada. (Brick esfrega e bate o pé no chão, enquanto manca rapidamente para longe da atenção grave e contínua do pai.) Mas Gooper e a Mae insinuaram que tinha uma coisa errada na sua –

Brick (para de repente no proscênio como se encurralado a uma parede) Errada?

Paizão: Bom, não exatamente normal na sua amizade com...

Brick: Eles insinuaram isso? Achei que fosse insinuação de Maggie”. (pág. 109; pág. 110)

 

Nesse momento a indiferença de Brick se perde. Um ambiente de tensão assola o quarto. Brick fica indignado com isso e pergunta:

 

“Brick: De quem mais é essa insinuação, sua? Quem mais pensou que eu e Skipper éramos “.

Paizão: (gentilmente) Calma aí, um minuto meu filho. Vi muita coisa na minha época. (pág11)

.

Nesse momento assistimos a uma cena curiosa. Paizão, que é um homem rústico e trabalhador, cuja devoção era erguer uma grande propriedade e fazê-la produtiva, diz:

“Paizão: (gentilmente). Calma aí, um minuto meu filho. Vi muita coisa na minha época.

 Brick: O que isso tem a ver com...

Paizão: Eu disse “Espera!” Rodei, rodei por este país até...

Brick: Quem insinuou, que mais?

Paizão: Dormi em abrigos de vagabundo e pátio de manobra e albergues em toda as cidades antes de ...

Brick : Ah, você também acha, você me chamou de filho e viado. Talvez seja por isso que você tenha colocado Maggie e eu neste quarto que era do Jack Straw e do Peter Ochello, onde aquelas duas tias velhas dormiam em uma cama de casal em que morreram.” (pág. 11)

 O quarto onde Brick e Maggie estão pertenciam aos ex-proprietários originais da fazenda, Jack Straw e Peter Ochelo, dois velhos solteirões que dividiram esse quarto a vida toda. Esse quarto evoca alguns fantasmas de um relacionamento homossexual.

 

“Paizão: (deixando muita coisa não dita) Já vi de tudo nessa vida e entendo muita coisa. Em 1910, penhorei meus sapatos furados – saltava do trem de carga perto da estrada, dormia em carroças de algodão perto da descaroçadora – aí Jack e Peter Ochello me contrataram pera administrar esta fazenda que virou o que é hoje – Quando Jack morreu – ora, o coitado do Peter Ochello parou de comer como cachorro faz quando o dono morre, e morreu também.” (pág. 1112)

 

Brick se descontrola com a insinuação do próprio pai. Paizão sobreviveu a uma instabilidade econômica. Paizão sobreviveu a todas as vicissitudes da vida. Esse personagem venceu o período da depressão econômica nos EUA. A tolerância do Paizão em relação à homossexualidade nos leva a uma reflexão do período em que viajava perdido em trens, acampando ao ar livre, lutando pela sobrevivência sem ver mulheres por meses a fio. Ele, depois de ter conseguido tudo, demonstra uma desilusão com o materialismo, com a liquidação europeia e com a aquisição compulsiva de objetos de arte europeus por Mãezona.

 

“Paizão: ...Aquela Europa não passa de um grande leilão, isso é que é, um monte de lugares velhos e decadentes. É uma liquidação de queima total, a porra toda, e Mãezona ficou louca, ora não dava para segurar aquela mulher nem com rédea de mula! Comprava, comprava, comprava! – Sorte eu ser rico, sim senhor Brick, e a metade daquela porcaria está mofando no porão...” (pág. 88)

 

Em um outro momento, Paizão se lembra de uma outra coisa na Europa e no Marrocos e diz:

 

 “Paizão: As crianças correndo descalças nas colinas áridas de Barcelona, na Espanha, mendigando nuas como cachorros famintos, uivando e chiando, e os padres gordos nas ruas de Barcelona. Tantos padres e tão gordos e tão simpáticos, há-há! Sabe que eu podia  alimentar aquele maldito país, mas o animal humano é uma besta egoísta e acho que o dinheiro que dei praquelas crianças que uivavam nas colinas em volta de Barcelona não ia dar para forrar as cadeiras deste quarto, para pagar um forro pra esta nova cadeira....

... E depois em Marrocos, aqueles árabes, ora, lembro um dia em Marrocos, aquela velha cidade árabe murada, me sentei num muro quebrado pra fumar um charuto, estava quente de pelar, e uma árabe em pé na estrada quente cheia de poeira e olhou para mim até eu ficar sem graça. Mas escuta, ela estava com uma criança nua, uma menininha nua, mal conseguia andar, e depois de um tempo ela colocou a criança no chão e deu um empurrão e sussurrou uma coisa para ela. A criança veio e mal conseguia andar, veio cambaleando até mim e – Jesus, me dá ânsia lembrar isso! Ela esticou a mão e tentou desabotoar minha calça! Aquela criança não tinha cinco anos ainda! Acredita? Ou acha que estou inventando? Voltei para o hotel e disse pra Mãezona: “ Arruma as malas. Vamos sumir deste país...” (pág. 89; pág. 90)

 

Paizão se horroriza com o abismo entre ricos e pobres na devastada Europa do pós-guerra e se revolta em ver uma criança de cinco anos sendo cafetinada por uma mãe no Marrocos. Isso dá uma ideia exata quando Paizão diz que já viu de tudo nessa vida.

Paizão, no entanto, continua a discussão. Ele  ainda não está satisfeito com as respostas de seu filho  Brick,  até que entra seu irmão, Gooper, que fala sobre o interurbano de Skipper. Brick diz:

“Brick: É! -Esqueci de um interurbano que recebi do Skipper.

Gooper: É ele pode falar.

Brick: Onde ele bêbado, me confessou e desliguei.

Gooper: Não.

Brick: Foi a última vez que nos falamos...

Gooper: Não, senhor.

Paizão: Você deve ter falado alguma coisa pra ele antes desligar.

 Brick: O que eu poderia dizer?

Paizão: Qualquer coisa. Alguma coisa.

Brick: Nada

Paizão: Só desligou?

Brick: Só desliguei.

Paizão: Ahahm. Bom, de qualquer jeito – chegamos na mentira que você tanto tem nojo e por isso está bebendo pra matar o nojo, Brick. Você está culpando os outros. Esse nojo com falsidade é nojo de você mesmo. Você! – cavou  a cova do seu amigo e jogou ele dentro – antes de encarar a verdade com ele.

Brick: A verdade dele, não a minha!

Paizão: Que seja, a dele! Mas você não encarou com ele.

Brick: Quem consegue encarar a verdade? Você consegue?

Paizão: Não passa a responsabilidade para os outros, de novo, rapaz!

Brick: E esses cumprimentos pelo aniversário, esses muitos anos de vida quando todo mundo sabe que não vai acontecer exceto você! (pág. 119)

Brick sente que não deveria ter dito a verdade. E para tentar despistar chama o pai para ver os fogos em homenagem a ele. Paizão desconfiado diz:

“Paizão: Muitos anos de vida que não vão acontecer? (pág. 119)

Brick tenta desconversar e vai em direção à bebida.

Paizão: TERMINA O QUE ESTAVA DIZENDO!

Brick: (chupando o gelo no copo, a fala se torna difícil): Deixe a fazenda pro Gooper, pra Mae e pros cinco monstrinhos. Só quero é –

Paizão: VOCE DISSE “DEIXAR A FAZENDA”? (pág. 120)

A confusão está armada. Brick pede desculpas:

 Desculpa, Paizão. Minha cabeça pifou e não entendo como alguém se importa se está vivo, morto ou morrendo. Só interessa se a garrafa está cheia. Aí eu falei, sem pensar. De certa forma, não sou melhor do que os outros, às vezes pior porque estou menos vivo. Talvez eles mintam porque estão vivos e estar quase morto se torna acidentalmente verdadeiro – não sei, mas – de qualquer forma – somos amigos – e amigos dizem a verdade um pro outro...( pausa). Você me contou coisas! Eu contei coisas! (pág. 120; pág. 121)

 

Mae comenta que Paizão foi dormir, e a família pode conversar. Todos, exceto Brick,  estão presentes. Mãezona encontra-se aliviada, pois Paizão comeu muito bem.

 

 “Mãezona (se referindo a todos): Acho que Paizão estava esgotado. Ele ama a família, adora as pessoas em volta dele, mas é um desgaste para os nervos. Nem parecia ele mesmo hoje, à noite, dava para ver que estava esgotado. (pág. 124)

Esse comentário de Mãezona sobre o Paizão de que está muito feliz em ver a família é um exemplo perfeito de mentira que Brick rejeita. Esse é o tipo de mentira que a sociedade no ensina sob o pretexto de manter a harmonia social.

 

Mãezona ainda não sabe sobre o verdadeiro estado de seu marido. Nesse momento entra o Doutor Baugh:

 

“Doutor: Baugh: É, foi o que dissemos ao Paizão. Mas levamos um pedaço de tecido pro laboratório e infelizmente o teste deu positivo. Bem- é- maligno.(pausa)

Mãezona: Câncer?! Câncer?! ( o doutor afirma com a cabeça gravemente. Mãezona solta um grito longo sufocado)

Mae e Gooper: Ora, ora, Mãezona, a senhora tinha que saber...” (pág. 133)

 

Mãezona é forçada a encarar o fato de que seu marido está morrendo. E ele precisa tomar morfina. Mãezona, desesperada, não permite tal coisa. E começa a chamar por Brick. Ela continua não acreditando que Paizão vai morrer. Gooper e Mae revelam nessa reunião que precisam discutir a herança.

 

“Mãezona: Paizão não vai deixar a fazenda na mão de ninguém. Paizão não vai morrer. Quero que enfiem isso na cabeça de todos vocês! (pág. 137)

Maggie acusa Gooper de ganância. Gooper faz referência a ela.

Maggie: Gostaria que você simplesmente  parasse de falar do meu marido.

Gooper: Tenho direito de falar sobre meu irmão com outros membros da MINHA PRÒPRIA FAMILIA, o que não inclui você. Por que não vai lá fora beber com Brick?

Maggie: nunca vi tanta maldade contra um irmão!

Gooper: E a maldade dele comigo? Ora ele não aguenta ficar no mesmo quarto que eu!

Maggie: Essa é uma campanha deliberada de infâmia pelo motivo mais nojento e sórdido na Terra, e eu sei que é isso. Isso é cobiça, ganância, ganância!” (pág. 139; pág. 140)

À medida que a situação fica mais tensa, ninguém consegue processar o que o outro está dizendo, tudo se rompe com insultos vindo à tona.

Mãezona: Ah, eu vou gritar! Vou gritar agora  se isso não parar! (Gooper avança sobre Maggie com os punhos cerrados ao seu lado como se fosse bater nela. Mae torce o rosto novamente em uma careta horrível nas costas de Maggie. Mãezona chora.) Maggie minha filha. Vem aqui. Senta perto de Mãezona.

Maggie: Mãezona querida, me desculpe, me desculpe, eu! (ela curva o pescoço longo e gracioso para encostar a testa no ombro saliente de Mãezona sob o chifon preto)

Mae: Que lindo que emocionante, esta demonstração de devoção! Sabe por que ela não tem filhos? Não tem filhos porque o marido atlético e lindo não vai pra cama com ela.

Gooper: Deixa eu fazer as coisas de um jeito agradável. Certo – não dou a mínima se Paizão gosta de mim, não gosta ou gostou ou nunca gostou ou se vai gostar! Só estou apelando para o senso de decência comum e jogo limpo. Vou falar a verdade. Fiquei magoado com a parcialidade do Paizão pelo Brick desde que ele nasceu e a forma como fui tratado como se eu fosse bom só para ser cuspido, as vezes nem pra isso. Paizão está morrendo de câncer, já se espalhou e atacou todos os seus órgãos vitais, incluindo os rins, e agora ele está mergulhando na uremia, e todos sabem o que é uremia, o envenenamento do sistema inteiro porque o corpo não elimina as toxinas.

Maggie: (para si mesmo): Veneno! Veneno! Pensamentos e palavras venenosas! No coração e na cabeça! – Isso é veneno!

Gooper (sobrepondo-se a ela): Estou pedindo uma divisão justa e, por Deus, espero conseguir. Mas senão conseguir, se tiver alguma armação estranha acontecendo aqui pelas minhas costas, bom não sou advogado à toa, sei proteger meus interesses.” ( pág. 140; pág. 141)

O alcoolismo de Brick é uma barreira entre ele e os demais. Mãezona é louca por Brick, mesmo sabendo que ele está em um patamar inalcançável. Para isso, ela tenta alcançar sua memória para amá-lo.

“Mãezona: Brick! Vem aqui. Brick preciso de você. Nesta noite Brick está igualzinho quando era criança, exatamente quando brincava lá fora e vinha para casa quando eu gritava grosso com ele, todo suado e com as bochechas rosadas e com sono, com cachinhos vermelhos brilhando... O tempo passa tão rápido. Nada consegue superar o tempo. A morte começa muito cedo – quase antes de começar a conhecer a vida – você encontra com o outro...Ah, vocês sabem que amar uns aos outros e ficar juntos, todos nós o mais juntinho que pudemos especialmente agora com essa nuvem negra apareceu e entrou nesta casa sem ser convidada ( desajeitada abraçando Brick, ela pressiona a cabeça no ombro dele. Um cachorro uiva fora do palco) Ah Brick! Filho do Paizão, Papai ama tanto você. Sabe qual seria a realização do seu maior sonho? Se antes dele morrer, se é que Paizão vai morrer...( um cachorro uiva) ...você desse a ele um filho, um neto, tão parecido com você quanto você quanto você se parece com Paizão” ( pág 145; pag 146)

Nesse momento, Maggie vai contar uma mentira no final da peça. E diz que está grávida. Mãezona, que se agarra a todas as mentiras, vai se agarrar a mais esta, provavelmente tentando resolver a questão da herança em favor de Brick.

Mae tenta revelar que é mentira de Maggie. Pois ela sempre espionou Brick e ela:

“Mae: Sabemos que é mentira porque ouvimos vocês aqui dentro; ele não dorme com você, nós ouvimos! Então não pense que vai dar um golpe na gente, enganar um homem moribundo com uma – (Um grito longo de agonia e ódio preenche a casa. Maggie abaixa a vitrola até um sussurro. O grito é repetido)” (pág. 152)

 Maggie agradece a Brick por não ter desmentido ela.

“Maggie: Foi muito elegante de sua parte me livrar a cara” (pág. 153)

Ela se sente no comando. Ela consegue romper a distância do álcool de Brick. E isso o torna fraco em relação a ela. E isso é simbólico quando ela joga a muleta dele fora.

(Sua gratidão parece quase infinita enquanto manca na sacada com a bebida. Ouvimos a muleta enquanto ele sai de vista, balançando... pág. 153)

Os dois encontram-se deitados. Ela agora pode extorquir seu amor sob a alegação da consciência da fraqueza masculina. Mas ela diz a sua verdade para Brick. Sabe que esse dia ela está pronta para engravidar. Ela tranca toda a bebida, sob a alegação de que ele satisfaça seus desejos antes de destrancar. A mentira vai virar verdade. E quando eles tiverem feito amor. Ela promete que vai deixá-lo beber; Mais do que isso: ela beberá com ele, para celebrar tudo.

“Maggie: Ah, vocês fracos, fracos e lindos! – desistem com tal encanto. O que vocês querem é alguém que (ela apaga o abajur de aba de seda rosa) – abrace vocês. – Gentilmente, gentilmente, com amor, devolva a vida a vocês, como uma coisa dourada que vocês deixaram escapar. Te amo tanto, Brick, tanto!

Brick: (sorrindo com uma encantadora tristeza): não seria engraçado se fosse verdade? (pág. 154)

“Gata em Teto de Zinco Quente”, de Tennesse Williams, merece um lugar de HONRA na sua estante.


Data: 19 novembro 2024 | Tags: Drama


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Gata em Telhado de Zinco Quente
autor: Tennessee Williams
editora: É realizações
tradutor: Augusto Cezar dos Santos, Grupo Tapa

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