Eu receberia as piores noticias dos seus lindos lábios
O título é longo “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, mas o escritor Marçal Aquino sabia que faria jus à obra. Se não me engano, esse livro foi lançado em 2005, e Camila Pitanga já interpretou a protagonista Lavínia nas telas do cinema. Eu li agora e indico sem receios. Uma obra para os que gostam de bebidas fortes, cortes secos e a vida como ela é – ou acaba sendo.
Um romance cortante, árido, situado numa cidade refém do garimpo e às leis daqueles que podem fazer qualquer coisa por muito pouco. Uma mulher massacrada por um passado familiar degradante, um pastor convicto da presença de Deus em sua vida e um fotógrafo à deriva fazendo seu trabalho nem sempre belo, nem sempre sórdido.
A escrita de Marçal Aquino nos pega de forma insuspeita. Somos levados pela historia que é contada por seu protagonista, Cauby, um fotógrafo que vai morar numa cidade pequena e se apaixona por Lavínia, a esposa do Pastor.
O que pensamos que deve ser uma área de garimpo está ali. O ambiente que recebe essa história de amor é rude e muito bem captado pelo escritor Marçal Aquino. Em algumas páginas podemos sentir o calor sufocante que faz o suor escorrer pelos personagens. Tudo é tão bruto e implacável quanto a atividade local. Homens e mulheres acostumados a viver e matar por muito pouco e com muita naturalidade. E as histórias se cruzam, a atração, o amor, encantamento provocados por esses sentimentos geram destinos conflituosos e fomentam a capacidade de se sobreviver a um mundo sem generosidade e magia.
Não vou contar além. Do primeiro encontro ao último, o romance pontuado por uma boa “química sexual” entre os personagens nos prende através de uma narrativa fluída e muito bem conduzida pelo escritor que nos leva para frente e para trás, nos faz entrar nas memórias do narrador, nos joga na varanda de uma pensão local onde ele e outros personagens igualmente à margem de futuros promissores narram suas vidas através de conversas entrecortadas por avisos de chuva, comentários furtivos sobre o tempo que parece mudar, o calor do dia que ainda invade a noite ou uma lembrança que nos catapulta para dentro de um dos personagens.
O ritmo é esse. Quando a rusticidade e o erotismo se apossam do texto e a vida nos é apresentada com toda a secura e esqualidez gerada pela falta de amor e esperança, o escritor nos brinda com pérolas de poesia e nos faz acreditar que no mais seco dos solos o amor é capaz de nos comover e fincar raízes profundas.
“Eu receberia as piores noticias dos seus lindos lábios” não é um romance doce, leve e primaveril, é um romance forte, denso, com personagens que vivem um dia de cada vez, sem a perspectiva de um futuro melhor, apenas com a certeza do momento e as lembranças de um passado difícil e que os trouxe até a forma repleta de segredos e indignidades.
A raiva, a fé, a espera e o amor convivem desequilibradamente num universo sem esperanças. Mas a esperança existe na proporção que eles vivem um dia atrás do outro. E nós torcemos para que o amor vença. Estamos diante de um romance.
E essa obra merece um lugar na sua estante.