Bussunda: a Vida do Casseta
Vou ser muito franco com vocês que frequentam este espaço, a biografia “Bussunda: a vida do Casseta” está entre as grandes biografias que li este ano. Guilherme Fiuza provou que sabe contar uma história como ninguém.
A força da sua escrita valoriza a leitura, a ponto de eu ter lido esse livro maravilhoso em apenas um dia e meio.
Houve momentos em que fui interrompido por gargalhadas daquelas de tirar a concentração da leitura. Gargalhadas daquelas de chorar de tanto rir. Estava para ler esse livro há muito tempo. Mas é aquela velha história, um livro vai interferindo no outro, e quando você vê o tempo passa e você vai deixando para depois, e é nesse momento que você diz: de hoje a biografia do Bussunda não passa.
Coincidentemente, o motivo pelo qual eu resolvi ler esse livro se deu na semana passada: eu achei a minha coleção de revistas Casseta & Planeta, que guardo até hoje. Com as mudanças, devo ter perdido algumas. Mas tenho ainda umas vinte e tantas revistas. O sinal estava dado, era a hora de ler “Bussunda: a vida do Casseta”.
Claudio Besserman Viana (Bussunda), filho de Luiz Guilherme Viana e Helena Besserman Viana, era um desses garotos que preocupavam os pais e os irmãos e toda a família.
O motivo era que sua vida se restringia à sua casa, cercado de revistas Placar e Playboy, sempre abertas nas páginas certas, e a ver televisão. Para acalmar os pais, certa vez os irmãos Sérgio Besserman Viana (hoje, um brilhante economista e ambientalista) e Marcos Besserman Vianna (tornou-se médico e um brilhante pesquisador da Fiocruz) resolveram fazer uma reunião de família para fazer a seguinte declaração: “nós cuidaremos do nosso irmão Claudio se porventura acontecer alguma coisa com vocês”.
Bussunda era torcedor doente pelo Flamengo e frequentava a geral do Maracanã. Quando li isso, eu pensei: será que nos encontramos por lá em algum Fla x Flu?
Mesmo sendo tricolor, a geral para mim sempre foi uma mistura democrática, e muito mais barata. E, por incrível que pareça, era a parte do Maracanã mais civilizada e a que mais gostava. Raramente tinha brigas. Comparada com a arquibancada, a geral era um mosteiro.
Helena Besserman Viana, judia e militante do Partidão (PCB), era uma mãe severa e controladora quando se tratava de forjar o caráter dos filhos. Algumas transgressões passavam despercebidas. No entanto, uma coisa era lei. Todos tinham que se submeter à única religião da qual ela não abria mão: os livros e a leitura.
Bussunda parecia está fazendo tudo certo para ser, rigorosamente, o pior”. Mas algo aconteceu. Resolveu estudar e acabou passando em penúltimo lugar para o segundo semestre na Escola de Comunicação da UFRJ. Conhecedor do discurso de esquerda, por ter sido membro do PCB, sua entrada no movimento estudantil da época começou com uma chapa contra tudo e contra todos. “Overdose” (esse era o nome da chapa), que fez uma aliança programática com outra tendência chamada “Esfaqueie sua mãe”.
O programa em comum foi criado com base em princípios políticos muito bem determinados:
- Caipirinha no bandejão
- Banheiro misto
- Uma proposta cultural com CU maiúsculo
- E como ninguém queria nada com os estudos, a última proposta era radical: uma greve geral até o fim do capitalismo.
O compromisso com a falta de compromisso dava resultados: casais se formavam, músicas eram compostas, poesia, desenhos e muita conversa fiada. Os ideais das chapas “Overdose” e “Esfaqueie sua mãe” resultavam em colaborações voluntárias.
Bussunda colocou muito dinheiro no Centro Acadêmico pedindo esmola em ônibus fazendo papel de cego, tendo como seu guia o amigo Luizão.
No fim dos anos setenta, três alunos de engenharia da UFRJ, Hélio de la Peña, Beto Silva e Marcelo Madureira, inauguraram a fanzine de humor Casseta Popular. Com a entrada de Bussunda e Claudio Manoel, a Casseta Popular foi transformada em tabloide e, na primeira metade dos anos 80, o jornal era vendido em bares, na praia e na noite do Rio de Janeiro. No mesmo ano, Reinaldo, Hubert e Claudio Paiva, ex-redatores do Pasquim, lançaram o tabloide mensal “O Planeta Diário” (o mesmo nome do jornal onde Clark Kent/ Super Homem trabalhava).
O Planeta chegou a vender cem mil exemplares por edição. Um número muito significativo na época. Desde o primeiro número, o Planeta Diário contou com a colaboração do grupo Casseta Popular.
Enquanto as vacas continuavam magras, Marcelo Madureira trabalhava no BNDES, onde era considerado um grande profissional; Beto Silva, engenheiro de ponta, sua competência o levou para Price Waterhouse; e Helio de La Peña, engenheiro e vencedor de várias olimpíadas de matemática no São Bento, trabalhava na Promon Engenharia. Claudio Manoel cursou Engenharia de Produção na UFRJ, mas não se formou, fez um pouco de Economia na UFRJ e um pouco de Comunicação Social, mas sua formação, como ele mesmo diz, foi no Colégio Aplicação, onde conheceu Bussunda, que tinha 9 anos na época, e o Marcelo Madureira, quando ambos tinham 13 anos. Reinaldo trabalhava no Pasquim como ilustrador, e já carregava em seu currículo a fama de um excelente cartunista e músico.
Hubert, formado em arquitetura juntamente com Reinaldo, trabalhava no Pasquim como ilustrador e cartunista.
E o Bussunda? Sempre ausente da faculdade, ficou sabendo de um concurso em que seria escolhido o pior aluno da faculdade. Indignado, não admitia que ninguém tivesse o direito a esse título senão ele. Mostrou sua performance acadêmica: 46 reprovações ao longo da vida universitária. Trinta e oito zeros ao longo da carreira. Uma ficha invejável. Por aclamação, recebeu o diploma de pior aluno com direito a pôr na cabeça um chapéu com orelhas de burro confeccionado para o vencedor.
A parceria dos integrantes do Planeta Diário com o Casseta Popular começou em 1984, mas foi em 1987 que Hubert, Reinaldo e Marcelo Madureira se uniram para criação de Wandergleyson Show, um especial humorístico de fim de ano na TV Bandeirantes. O trabalho rendeu grandes elogios. No ano seguinte as coisas começaram a ganhar outro rumo, quando todos os integrantes do Casseta Popular e do Planeta Diário foram convidados para serem redatores do programa TV Pirata, juntamente com outras feras, como Luís Fernando Veríssimo e Pedro Cardoso, sob a batuta de Guel Arraes e do roteirista Cláudio Paiva. O elenco era do primeiro time, contando com atores e atrizes renomados, como Claudia Raia, Débora Bloch, Louise Cardoso, Marco Nanini, Diogo Vilela, Guilherme Karan, Cristina Pereira, Pedro Paulo Rangel, Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé (que trabalharam no grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone), Maria Zilda Bethlem. Podemos dizer que a partir daí, com alguns acidentes de percurso, as coisas começaram a ganhar um novo ritmo.
As aparições públicas de Bussunda começavam a destacá-lo publicamente. A fama, como todos sabemos, é uma faca de dois gumes.
No caminho para a entrevista com o museólogo e símbolo homossexual Clovis Bornay, Bussunda resolveu passar na farmácia para comprar vaselina para fazer uma massagem, pois sua perna tinha distendido por causa de um jogo de futebol. Clovis Bornay morava na Prado Jr, em Copacabana, reduto do sexo pago. Mas Bussunda tinha esquecido o endereço do entrevistado:
- Amigo, qual é mesmo o prédio do Clovis Bornay? O cidadão olhou para o Bussunda, olhou para o tubo de vaselina líquida e disfarçou o riso: - Não sei dizer não...
Quando Bussunda se deu conta de sua inocência, já não dava para consertar. Saiu voando da farmácia, torcendo para que o farmacêutico não fosse amigo de algum colunista social.
Até chegar ao Casseta & Planeta Urgente!, muita água passou debaixo da ponte. A primeira aparição na televisão do grupo ocorreu na cobertura do carnaval de 1990 para a TV Globo. No ano seguinte o grupo participou da redação do programa “Doris para Maiores”, apresentado pela jornalista Doris Giesse, onde humor e reportagens ácidas tinham ingredientes de nitroglicerina pura.
Finalmente a coisa começou a pegar fogo em 1992, quando Casseta & Planeta estreou na telinha com enorme sucesso, e temores de que o público poderia não aceitar aquele humor escancarado e anárquico, onde ninguém ficava impune, nem eles próprios.
O programa ficou no ar por 18 anos. Casseta & Planeta Urgente virara uma espécie de ombudsman da realidade. E Bussunda transformou-se em um dos maiores comediantes do Brasil, era o outdoor do grupo. E os cassetas possuíam o “instinto assassino” do humor, a centelha do “foda-se tudo”, que deflagrou a crítica impiedosa contra tudo e contra todos, grupos étnicos, religiosos, minorias, piadas sobre portugueses, judeus, ciganos, políticos, homossexuais, bêbados, gaúchos, baianos, argentinos e, claro, os acontecimentos da época. “O jornalismo mentira, humorismo verdade”.
Mas fico por aqui. O resto é com vocês.
O livro “Bussunda: a vida do Casseta” para mim tornou-se inesquecível. Um humor absolutamente atual nesses dias bicudos de hoje. E querem saber de uma coisa? Um livro é pouco para falar sobre esses gênios do humor. Recomendo este livro. E preparem-se para grandes gargalhadas.
Guilherme Fiuza é um grande contador de histórias. Fez um retrato preciso desse grande universo chamado Casseta & Planeta Urgente!, tendo o Bussunda como o vocalista da banda.
Bussunda deixa para nós um grande legado: o zen-bussundismo, que admite o embate com as porradas do mar revolto, mas não com homens revoltados. Afinal, nada é tão sério como parece.
Fala sério! Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.