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Bartleby, o escrivão

A editora José Olympio teve a genialidade em publicar uma saborosa coleção chamada “sabor literário”. E um dos livros que compõe essa coleção é o livro “Bartleby: o escrivão." Todos os livros dessa coleção são verdadeiros clássicos da literatura que recomendo de olhos fechados. São de fácil leitura e de grande qualidade literária. Sem dúvida uma ideia de quem entende e gosta de livros.

Com um prefácio elogioso de Jorge Luis Borges colocando Bartleby como uma das obras mais importantes da humanidade a pergunta que fica é: como eu, um pobre mortal, pode ir além do que já foi dito pelo grande mestre. Antes de tudo não tenho a pretensão de ir além. Minha questão é bem simples. Referendar o dito de Jorge Luis Borges e contar pelo menos parte dessa história seguindo o viés de um livreiro. Borges tem uma visão kafkiana dessa obra, eu não. Tenho uma visão mais existencialista. Mas o que de forma alguma tenho a pretensão de desdizer o grande Borges. É apenas uma opinião, ok?

Para aqueles que não conhecem o existencialismo esse romance é uma aula do que venha ser os desígnios dessa filosofia. No século XX, o existencialismo, fundado por Edmund Husserl, introduziu a fenomenologia. Esse vocábulo mantém uma relação bastante interessante com o conceito de fenômeno que podemos definir como algo “que aparece ou se manifesta” na consciência de uma maneira rigorosa. Como as coisas do mundo se apresentam à consciência de uma maneira rigorosa. Mas foi Martin Heidegger que recorreu à fenomenologia de seu mestre Husserl para explicar problemas mais pessoais, como, por exemplo, o significado da vida e da morte. Por isso ele rejeita o conceito cartesiano de penso, logo existo, substituindo pelo conceito de “Dasein.” Vamos dar um tempo. Dasein? O que é isso?

Você não está indo longe demais para fazer uma simples resenha de Bartleby? Na verdade não quero aqui dar uma de filósofo, pois não sou. Mas conheço um pouco de existencialismo que pode facilitar o entendimento da obra. Apenas isso, ok? Sem exibicionismos acadêmicos. Pois bem, vamos adiante. “Dasein” é um conceito que rejeita a ideia de uma consciência separada do mundo em que nos descobrimos “abandonados” e o problema central para Heidegger é saber quem somos e o que fazer conosco, ou, como Nietzsche afirmou, como nos tornarmos o que somos. Sartre escolheu um novo caminho seguindo Husserl e, Heidegger, em sua tese central, diz que os homens são essencialmente livres. Livre como? Simples, temos sempre a liberdade para escolher (embora não tenhamos a liberdade de não escolher) e de “negar” as características dadas do mundo. Podemos ser revolucionários ou covardes, podemos ser descontraídos ou tímidos, mas esse comportamento é sempre uma escolha. Mas o que faremos de nós próprios é uma questão que estará sempre em aberto. Sartre ao afirmar isso quer dizer o seguinte: temos de criar significado para nós mesmos.
Vamos a ela, a história desse livro.

O cenário dessa história desenvolve-se em um movimentado centro comercial de Nova York onde as pessoas caminham para o trabalho discutindo os assuntos mundanos dos jornais. Um advogado bem sucedido de Wall Street contrata Bartleby, um escrivão cujo trabalho era aliviar a carga de trabalho em seu escritório. Durante dois dias, Bartleby executa seu trabalho com habilidade e ganha a confiança do chefe. Em seguida, o copista começa a revelar sua recusa em realizar seu trabalho, com a resposta mais simples do mundo: “eu preferia não”. Esta resposta surpreende o chefe que tem uma “expectativa natural de cumprimento imediato”. Ele está tão surpreso com essa resposta, e a maneira calma de Bartleby se expressar que não provoca uma zona de conflito com o nosso personagem.

O chefe atribui ao cansaço ocular essa recusa. No entanto, ao recusar ele fixa seu olhar perdido a uma parede branca. Aos pouco ficamos convivendo com o nosso copista, seus hábitos, por ele cultivados, chamam a atenção de todos como, por exemplo, não sair do escritório, morar lá no próprio escritório. Sua resposta é quase um refrão quando alguém pede para realizar um determinado trabalho, ou tarefa e ele diz sempre: “eu preferia não”.
Mas num domingo, o narrador vai ao escritório de forma inesperada e descobre que Bartleby começou a viver lá. A solidão de sua vida impressiona: à noite e principalmente aos domingos, Wall Street é desertao que nos faz lembrar histórias fantasmagóricas. E a janela escolhida por Bartleby para não ser notado (será?) ficava em frente a uma parede branca. O narrador ao se defrontar com tal cena totalmente non sense divide-se entre a repulsa e a piedade.

O narrador tenta entender Bartleby, observa que ele nunca janta, vive em uma dieta escassa a base de bolos de gengibre e, ao invés da aspereza do trabalho não realizado, opta pela compaixão fazendo de tudo para que o copista ajuste-se ao trabalho. Mas, mesmo assim, Bartleby recusa-se a realizar o trabalho. “Eu preferia não.”

A história continua, mas não quero tirar do leitor a sua própria interpretação. A minha é existencialista. Por que falo isso? Essa aberração mental apontada por muitos que o faz recusar as ordens diretas vindas de seu empregador, o faz cair em períodos de não conformidade e auto isolamento. Seu rosto calmo, magro, seus olhos cinzentos não revelam uma agitação, para mim suas atitudes revelam apenas a intransigência que leva o conflito da história. A sua resistência passiva à rotina é uma opção, uma escolha e não uma doença. É a sua opção consciente no sentido “sartreano” do termo. E a sua leitor? Podemos debater aqui a sua interpretação. Mas encontro-me aberto para recusar meu ponto de vista.

Uma coisa é certa “Bartleby, o Escrivão: uma história de Wall Street” é uma fábula simbólica de resistência passiva à rotina. É um livro daqueles que ficam marcados eternamente em todas as almas. Herman Melville, autor de Mobby Dick, nos conta uma história maravilhosa. Uma história tão bela, tão marcante que merece um lugar na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< Asco A vida financeira dos poetas >
Bartleby, o escrivão
autor: Herman Melville
editora: José Olympio

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