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A Questão Finkler

Uma das razões que escolhi esse livro, é que em todas as religiões existem aqueles que são muito críticos a elas. No catolicismo, no judaísmo e mesmo no Islamismo, que eu não conheço muito bem, existem críticos ácidos a toda abordagem que carregam em suas leis , costumes, fé, e mesmo em suas posições políticas. "A Questão Finkler" aborda esse tema. E no caso específico os personagens em questão são críticos mordazes da fé judaica. E o interessante, são judeus. Portanto, esse é um livro recomendável não só para os judeus, mas para todos aqueles críticos, ou não críticos das religiões que seguem.

Treslove, Libor e Finkler são os personagens centrais do aclamado romance de Howard Jacobson “A Questão Finkler” e vencedor do Man Booker Prize. O que eles têm em comum? O primeiro ponto em comum que os une é uma amizade de longa data. Outro ponto em comum é que Libor e Finkler são judeus e Julian Treslove é um gentio que sonha pertencer à comunidade judaica. Lia Moisés Maimônides, escritor hebraico medieval, para se sentir próximo aos grandes intelectuais judeus. O romance explora a identidade judaica, o auto-ódio judaico e anti-semitismo através dos olhos desse trio de amigos.

Samuel Finkler é uma personalidade televisiva e escritor pop de filosofia e o pano de fundo de toda sua visão de mundo não passa de uma filosofia de autoajuda do tipo como Heidegger pode ajudar as pessoas em suas vidas amorosas, ou, como Hegel pode ajudar com seus arranjos de férias, Wittigensteins pode ajudar você a colecionar amigos. Algo muito próximo à escola de Allan de Botton. Finkler é anti-sionista, daí o título do romance. Para termos ideia dos descalabros e do non sense dessa história o filho de Samuel Finkler assume o anti-sionismo do pai e vai às manifestações para agredir judeus, sendo um judeu. Por aí podemos ver como vai dar essa coisa toda.


O anti-sionista judeu é Finkler, daí o título do romance. “A Questão Finkler”. Se no século XIX, os judeus perguntavam-se a si mesmo: “qual o futuro do povo judeu?” No final do século XX esta questão toma outra característica e é reformulado da seguinte maneira: “qual o futuro do Estado Judeu?” Howard Jacobson tenta responder a essa pergunta adotando várias posturas de condenação de Israel, o sionismo, e o judaísmo.

Libor Sevcik ( judeu) é colunista de celebridades, um jornalista de cinema de um tempo que era confidente de Marilyn Monroe, Marlene Dietrich e Greta Garbo. Aposentado, quase 90 anos de idade, mantém um desacordo em relação à questão do estado de Israel. Os dois são viúvos e diziam-se apaixonados por suas esposas Tyler e Malkie, mas eram infiéis. Recentemente perderam suas esposas. Treslove que faz parte desse trio de loucos é um fracassado produtor da BBC e acaba trabalhando como sósia de celebridades, tem uma imensa dificuldade com as mulheres, não guarda muito afeto pelos filhos e sua maior fixação é ser judeu.

Julian Treslove é um daqueles sujeitos neuróticos que guarda certa semelhança com George Constanza, personagem do seriado Seinfeld, só que Treslove é cristão. A semelhança só acontece nas fixações non sense do personagem, nada, além disso. Sua infância é contada de forma ampla juntamente com a sua carreira profissional. Um homem com tendências depressivas, um ouvinte de ópera com finais trágicos, e com finais retumbantemente românticos do tipo chorar a morte de uma mulher amada.

Certa vez visita uma cartomante em Barcelona que lhe conta sobre o seu futuro de forma enigmática, a pitonisa lhe diz que vai conhecer uma mulher chamada Juno e encontrará tanto o amor como o perigo. Essa profecia irá pesar em todos os relacionamentos que estabelecerá a partir dessa consulta e vai se apaixonar por todas as mulheres que lembram Juno, sempre se perguntando se o amor escolhido é o cumprimento da profecia.

Outro acontecimento acabou sendo decisivo na vida de Treslove, dessa vez quando ele é assaltado por uma mulher em uma noite na rua e acaba se convencendo que ele - um gentio – tornou-se a vítima de um ataque anti-semita. O que  deixou nosso anti-herói intrigado foi que a pessoa que lhe roubou a carteira e os seus cartões de créditos o chamou de “Seu Ju” (seu Judeu). E o acontecimento ficou gravado em sua memória, o que o levou a pensar no ocorrido sempre. Em outras palavras, o ocorrido faz pensar que ele foi confundido com um. E ele vai se sentir um judeu injustiçado muito embora não sendo.

O leitor, em alguns momentos da história, tomará um susto quando souber que Treslove se envolve com a mulher do seu melhor amigo Samuel Finkler antes de seu prematuro falecimento. Nosso anti-herói mantém uma minissérie amorosa com Tyler, que sem a menor culpa assume o adultério sabendo de antemão que seu marido lhe era infiel. O que causa um tremendo problema na cabeça desse homem confuso.

Nosso anti-herói não para por aí, como um exímio criador de histórias para si. Acaba se envolvendo com a sobrinha-neta de seu grande amigo Libor, a judia Hephzibar, que está preocupadíssima em inaugurar um museu de cultura judaica em Londres, em que é presidente e Treslove (sem ser judeu e querendo ser) seria o curador, tudo isso com a participação da comunidade judaica de Londres que injeta dinheiro para o grande projeto. Mas para o espanto de todos Libor é contra a criação do museu por ser um judeu anti-semita. Quando o museu foi inaugurado... Bem, temos que parar por aqui para não entregar de bandeja toda a história. E você leitor tirar curtir cada momento dessa trama. Muitas coisas acontecem. O que? Perguntará aquele que lê a resenha. Muitas coisas. E fiquem certos que a resenha não traduz o livro. Apenas dá uma pequena pincelada nessas "questões Finkler" que são ao mesmo tempo cômica e trágica.

“A Questão Finkler” é um romance de grande fluência. A escrita é inventiva e pode ser encontrada em cada frase. A tradução de Regina Lyra  (que é muito boa) possibilita saborear as diversas passagens desse livro. A comédia acontece em pequenos momentos, quando o autor mostra sua inteligência, seu entendimento humano. Muito bem escrito, um autor possuidor de uma habilidade sofisticada do escritor autêntico.

Em torno dessa auto-ironia do autor, típica do humor judaico, vemos que no final do livro quem vai dar as cartas é a melancolia. E não se espante se aquele sentimento de tristeza vier depois do riso quando você acabar de ler “A Questão Finkler”. Seja lá como for a interpretação que você der a essa história, uma coisa é certa: você chegara à conclusão que esse é um livro que merece um lugar na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Humor


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A Questão Finkler
autor: Howard Jacobson
editora: Bertrand Brasil
tradutor: Regina Lyra

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