Livros > Resenhas

A nascente

A obra "A nascente" da Editora Arqueiro é dividida em dois volumes que são vendidos juntos em um box.

Tentarei conter meu entusiasmo para falar sobre esse livro. Ele foi uma dessas descobertas que fazemos de tempos em tempos. E algumas obras surgem assim, de uma sugestão simples, sem interesse. Um dia desses, na Livraria Argumento do Leblon, uma amiga me disse “ Você tem que ler esse livro”. E me entregou “A Nascente”, de Ayn Rand, nas mãos. Ok. Uma obra de 1943. Por que não? Bem, essa obra se tornou um dos livros mais importantes que li nos últimos tempos, “quiçá”, da minha vida, e tenho lido bastante. Sei da responsabilidade que essa afirmação chama para si, pois existem inúmeros opositores a essa autora, assim como a toda sua linha de pensamento e tudo que ela representa, ou seja, o pensamento liberal. Mas assumo sem receio muitos de seus pensamentos e ideias. Não todas, mas algumas, especificamente, as delícias do ato de pensar independente.



Alisa Zino’vyena Rosembaum (Ayn Rand), judia, nascida em 2 de fevereiro de 1905, foi educada em São Petersbugo na Rússia. Aos seis anos, aprendeu a ler sozinha e dois anos mais tarde descobriu seu primeiro herói em uma revista francesa para crianças, captando assim a visão heroica que sustentou seu modo de escrever por toda a  carreira. Victor Hugo era o escritor que ela mais admirava. Mudou-se para os Estados Unidos em 1926. Romancista, filósofa, dramaturga e roteirista que ficou conhecida por dois importantes livros, o primeiro é o livro de hoje, chamado, “A Nascente” (Fountainhead) publicado em 1943, e o segundo é "A Revolta de Atlas" (Atlas Shrugged), publicado em 1957, já postado aqui no blog. Após o sucesso desses dois romances, ela se virou para a não ficção e promoveu sua filosofia conhecida como  “Objetivismo”.

A sua filosofia está explicitamente colocada nesses  livros, de forma romanceada. Os personagens principais projetam “o homem ideal”. No prefácio, escrito em 1968, do livro “A Nascente” Ayn Rand explica os seus propósitos:

“Meu teste básico para qualquer história é: Será que eu gostaria de conhecer esses personagens e observar esses eventos na vida real? Essa história é uma experiência que vale a pena ser vivida por si própria? O prazer de contemplar a si mesmo?

Como o meu propósito é a apresentação de um homem ideal, eu tive que definir e mostrar as condições que o tornam possível e que sua existência requer. Uma vez que o caráter de um homem é o produto de suas premissas e valores ... o que significa que eu tive que definir e apresentar um código racional. Como o homem atua entre outros homens e lida com eles, eu tive que apresentar o tipo de sistema social que tornapossível a existência e funcionamento de um homem ideal – um sistema livre e produtivo e racional que exige a recompensa , o melhor de cada homem, e que é, obviamente, o capitalismo laissez faire”

O tema do livro é o conflito entre pessoas que funcionam de maneira independente em contraponto as que funcionam de maneira dependente. O enredo que aborda essa questão foi o veículo encontrado pela autora para que os temas fossem colocados em debate. Mais do que isso, elementos de sua filosofia objetivista a serem comprovadas através do herói: Howard Roark.

A essência do enredo é: um arquiteto inovador lutando contra uma sociedade hostil às suas ideias revolucionárias - ele é Howard Roak, um pensador independente. Aqueles que o rejeitam são pessoas dependentes  umas das outras, incapazes de pensar por si e o inovador é tido apenas como algo meramente extravagante.

Os tipos que rejeitam as ideias de Roark podem ser divididos em três grupos:

Os primeiros são os tradicionalistas que, congelados no passado, não conseguem ver as inovações trazidas pelo herói do livro. Os professores e a filosofia do Instituto onde Roark estudou consideram que todas as verdades da arquitetura foram descobertas pelos construtores do passado; arquitetos modernos só podem copiar suas realizações. Para eles, a verdade não se constitui em uma relação entre a ideia  e [os] fatos, mas entre uma ideia e seus antepassados. Eles estão cegos para o presente, em  razão dos seus compromissos estéticos com o passado. O herói Howard Roark seguirá o caminho mais difícil, ou seja, fazer arquitetura de acordo com o seu julgamento. E o seu jeito não cabe no catálogo da história dos estilos.

O segundo tipo de pessoas que rejeitam Howard Roark são os conformistas, aqueles que seguem seus pares, seguem gurus; tipos comuns que facilmente podemos ver em nosso dia a dia. São tipos incapazes de optar pelas suas preferências, rendendo-se  conformadamente às expectativas dos outros. Peter Keating, personagem central do livro, amigo de Roark na faculdade de arquitetura, obedece a esse conformismo. Embora tivesse preferência pela carreira de pintor, sua mãe teve peso fundamental em sua escolha pela arquitetura.

Keating se tornou um alpinista social agressivo. Desejava prestígio acima de tudo. Mas Ayn Rand apresenta uma análise mais cruel sobre o personagem. Trata-se de um “selfless”(altruísta); um homem capaz de sacrificar as coisas que quer, a fim de agradar aos outros. Suas ações são impulsionadas por um desejo quase incontrolável de impressionar os outros, a fim de ganhar elogios. Ele é um camaleão intelectual, que assume as crenças dos outros, a fim de obter aprovação. Keating exprime a sua política com um princípio formal quando aconselha a Roark a sempre ser o que as pessoas querem que você seja.

Na visão de Ayn Rand, um homem deve viver de acordo com o seu próprio julgamento e seus valores. Ele precisa entender que este é o único meio para a consecução da felicidade. Negar esses fundamentos é trair a si mesmo, é perder a essência daquilo que torna uma pessoa única. Peter Keating se trai e, inevitavelmente, acaba como uma concha vazia.

O terceiro tipo de homem do qual estamos falando,  rejeita o herói . É aquele comprometido com o princípio de que o indivíduo deve servir à sociedade e à política para defender uma crença. Em “A Nascente”, Ellsworth Toohey – personagem que é o contraponto de Howard Roark – é a essência destilada de uma mentalidade onde um cocktail de socialismo e religião são misturados em um drink bebido por aqueles que não pensam. Toohey prega o socialismo incansavelmente em sua coluna. Ele acredita que os indivíduos são obrigados a sacrificar suas vidas para a sociedade, que um país exige um governo ditatorial com poderes coercitivos para impor essas obrigações, e que os mais criativos e produtivos devem ser obrigados a servir aos menos favorecidos. Ele é o antípoda perfeito de Roark. Pensadores independentes não podem ser tolerados.

Ellsworth Toohey é um tipo que persegue o poder e o exerce sobre outros homens. Convencionalmente, líderes de culto religiosos e ditadores políticos não podem ser vistos como fracos, dependentes psicológicos, mas como o oposto – indivíduos cujo forte  controle sobre outros expressa a lógica de sua força.

E a tática é mais ou menos essa: alguém chega a ele com uma dúvida e ele a devolve com uma embalagem diferente, imprimindo a sensação de alívio. Ele nunca está ocupado para orientar consciências, ao contrário, brinca de Deus, sempre com algo “reconfortante” a dizer para seus “atores”.

Com esse trabalho de “bom samaritano” vai ganhando um exército de seguidores em posições chaves. E mais do que isso, milionários – como os personagens secundários do livro Hopton Stoddard e Mitchell Layton – fazem parte desse staff que cultua o charme retórico altruísta desse personagem. Não só de milionários Toohey amplia sua teia, mas de almas burocratas do governo, dos trabalhadores. Enfim, Toohey é um diretor de consciências.

Os objetivos dele são políticos. Tem um discurso messiânico socialista e ambiciona controlar o jornal onde trabalha “The Banner”; assim, espera espalhar suas ideias na América e se tornar um grande líder.

E Roark? O que o torna esse herói tão particular? Roark é um homem forte – está disposto a aceitar as responsabilidades do pensamento independente. Ele olha para os fatos, ele julga, ele está vivendo suas próprias convicções, independente da opinião da multidão. Roark é um pensador, ele não está vinculado à aprovação social. Ele olha para o mundo exterior, a natureza, a verdade e, consequentemente,  é capaz de construir. Não se coloca a questão se Roark é um seguidor ou um rebelde. Ele não é nem uma coisa nem outra. Ele é um individualista, um homem que confia em seus próprios pensamentos para formar suas conclusões. Roark é um homem livre.

O livro “A Nascente” já recebeu todo tipo de crítica. Os marxistas o odeiam, os liberais amam, os Keynesianos ironizam. Mas o importante é o que você leitor, vai achar. Afinal, essa é a proposta do livro – disseminar a liberdade de pensamento e de escolhas. As delícias de seguir o seu próprio caminho. Uma importante obra, uma grande escritora.

Mas essa é a minha opinião. O leitor poderá ter a sua. Com total liberdade. Acesse os links para conhecer a autora e sua linha de pensamento:

 

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance, Filosofia


Matias na cidade >
A nascente
autor: Ayn Rand
editora: Editora Arqueiro
tradutor: Andrea Holcberg | David Holcberg

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Roda-gigante - um romance sobre sexo, bebedeiras e desencontros

Vídeos

A música de uma vida

Resenhas

Billy Budd