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A grande arte

Rubem Fonseca é conhecido como um dos criadores da “estética da brutalidade”. A violência e a agressividade que marcam as relações sociais do nosso cotidiano percorrem quase toda sua obra. Ele descreve trajetórias de pessoas comuns, seres anônimos que habitam um mundo deteriorado, trazendo para cena escrita os personagens marginais e seus crimes, além de uma dose de erotismo. No entanto, seu discurso literário não tem a ambição, e muito menos a pretensão, de transformar esse universo social através da palavra literária.

No livro “A Grande Arte” Rubem Fonseca nos convida a refletir entre a chamada “grande arte” e a “literatura de massas”, que no caso é o romance policial. E logo de cara, o romance nos apresenta um assassinato cometido por alguém que tem como hábito marcar a letra “p” na face de suas vítimas com uma faca.

"Desenhar um P qualquer um desenha. E estrangular a gente nasce sabendo.”

Ao contrário dos detetives clássicos, Mandrake (o narrador) não estabelece, nem mantém como os investigadores clássicos, a frieza e a atenção para os detalhes. Mandrake não pega o leitor pelos procedimentos técnicos ou pelo raciocínio lógico de um detetive, nem a emoção gerada pelo acompanhamento passo a passo de uma investigação. Rubem Fonseca rompe com todas essas convenções do romance de mistério, não se deixando escravizar pelas normas tradicionais do gênero policial e, ao mesmo tempo, acrescenta dados inusitados, iludindo o leitor amante do gênero tradicional e que deseja saber sempre: - afinal quem é o culpado?

O livro problematiza a questão da verdade, da existência de uma única verdade a ser apurada e, como consequência, os métodos utilizados para se construir uma versão dos fatos de forma convincente. No final do romance, vemos Mandrake montando uma versão e comparando o seu trabalho à hermenêutica, à arte da interpretação para obter uma explicação coerente. Ao tentar fazê-lo é relativizado pelo personagem Raul: “E quem matou a massagista? Pode ter sido qualquer pessoa. Pode ter sido você, Mandrake."

O limiar da fronteira entre a ficção e a realidade e as dúvidas lançadas pela eficácia dos instrumentos tradicionais de uma “investigação da realidade dos fatos” ou a análise lógica do comportamento humano cai por terra.

“O comportamento humano não é lógico e o crime é humano. Logo para Raul a lógica é uma ciência cuja finalidade seria determinar os princípios de que dependem todos os raciocínios e que podem ser aplicados para testar a validade de toda a construção extraído de premissas. Uma armadilha.”

A Grande Arte apresenta como figura central o advogado Mandrake e seu sócio e parceiro Wexler. Ao contrário de outros decifradores de crimes, Mandrake não é como poderemos dizer um “exemplo” de homem moralmente inquestionável, tem um relacionamento fixo com Ada, por quem se diz apaixonado, mas cultiva algumas “minisséries” em seu vasto cardápio erótico, com mulheres variadas - e tem uma enorme dificuldade em ser fiel.

Como advogado da história costuma se envolver fisicamente na investigação, já que depois de quase ter morrido e sua mulher ter sido estuprada por bandidos, o nosso protagonista se empenha na busca pelos culpados, motivado muito mais pelo desejo de vingança pessoal do que pela vontade de fazer justiça.

Para Mandrake, o herói tradicional que desvenda os grandes crimes da atualidade não pertence a esse mundo, mas às paginas do romance policial moderno. Mandrake é uma piada de si mesmo quando alerta os leitores: “eu não gosto de falar de minha vida com ninguém, muito menos em público”.

A Grande Arte. Se eu fosse você, leria.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Policial


< A lacuna Desonra >
A grande arte
autor: Rubem Fonseca
editora: Agir

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