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A felicidade é fácil

Lendo o livro a “A Felicidade é Fácil”, do autor Edney Silvestre, consegui captar a grande contribuição à história do Brasil que esse livro nos traz. O livro tem algumas premissas literárias que considero fundamentais para uma boa história. Tem a precisão e a economia narrativa. Um livro do primeiro time da literatura brasileira contemporânea. Muitos poderiam perguntar. Por que só agora você indica esse livro? Afinal, ele já foi lançado há uns três anos. A resposta parece complicada, mas nem tanto. Vou repetir o que já disse em algumas ocasiões.

Todos os livros a princípio são lançamentos. Como é que é? Alguém poderá me perguntar. Sim! A indústria editorial lança por mês algo em torno de quase 250 títulos. Como alguém pode ler tudo isso? Se colocarmos em nossa lista de livros lidos, e isso posso dizer para todos vocês, os livros não lidos superam em muito os lidos. Podemos concluir que, a princípio, todos os livros que ainda não foram lidos para mim ainda são lançamentos, pois não os li.

Mas, deixemos isso de lado, pois gostaria de dar outra introdução a esse romance e as questões sub-reptícias que se encontram no bojo dessa história.

Hoje vivemos um momento estranho que nos faz pensar muito sobre a nossa história recente. Principalmente sobre as comemorações desse ano do golpe de 64, que foram bastante efusivas. Sabemos que toda ditadura, seja ela qual for, é um retrocesso à vida política de um país. Nesse país, por exemplo, existem aqueles que viveram às custas da ditadura, foram seus fiéis defensores e hoje – como em um toque de mágica – se transformaram em fiéis guardiões da causa democrática. Não que não possamos entender que, em determinados momentos, as pessoas comuns tenham seu pleno direito em fazer uma autocrítica sincera e rever seus erros de escolhas ou conceitos. Mas no Brasil a coisa não é bem assim. Hoje vemos que antigos líderes políticos não só foram defensores, mas apoiaram seus métodos com toda fleuma que lhes é devida e continuam a dar as cartas nesse complicado congresso desses nossos tempos.

E nesse item a coisa não fica apenas com políticos. Publicitários, industriais, jornalistas que se beneficiaram da “gloriosa”, hoje agem como se nada em suas vidas tivesse acontecido. Como se um capítulo da história estivesse encerrado. “Afinal, é tudo uma questão de business. Nada é pessoal”. Pelo menos é assim que dizem os mafiosos do cinema. Mas a realidade, vez ou outra imita a sétima arte, e reproduz até mesmo frases como essa.

Os jornais fizeram seu mea culpa em seus editoriais com importantes autocríticas sobre suas participações naquele período conturbado. E no meu modo de enxergar a vida, considero importante essa forma de proceder. Assim como sabemos que aqueles jornalistas que apoiaram a ditadura com mais ênfase em editoriais, muitos deles nem se encontram entre nós.

Tenho acompanhado um interessante embate entre dois intelectuais formadores de opinião, um deles é o jornalista Mino Carta, um jornalista das antigas, muito respeitado e que já foi editor da revista Veja, hoje é editor da revista “Carta Capital”, o outro é Demétrio Magnoli, que escreve em colunas de opinião na Folha e no jornal O Globo.

Segundo Demétrio Magnoli, Mino Carta, quando editor da revista Veja, fazia loas aos governos militares. Mino se defendeu dizendo – em artigo publicado no site de Carta Capital – que está “farto”, e deixou claro que processará as pessoas que “caluniarem” sua biografia”.
Mas qual foi o motivo desse entrevero, desse embate tão abrupto? Mino Carta acusa todos aqueles que fazem oposição ao PT de “Os senhores escravocratas do século 21 ainda se movem ao sabor das crenças de 50 anos atrás (…)”.

No entanto, Demétrio persiste na sua argumentação municiado de “fatos”, citando algumas edições, como a de 1º/4/1970, 4/2/1970, à página 25, dentre outras. Na Revista Veja, da qual Mino Carta foi editor, existem editoriais em que defendeu a tortura em pleno momento agudo do regime com detalhe: “o acervo digital da revista está à distância de dois cliques do mouse de qualquer um”.

E assim a história segue com suas contradições com o dito e o não dito, de vítimas e algozes. E se formos fazer um balanço geral, há muita coisa dentro desse caldo democrático, há algo de, como poderíamos dizer…, hipocrisia. Sim! Essa é a palavra mais exata para designar algumas passagens em nossa história.
Dito isso, as pessoas que estão lendo essa resenha me perguntarão. Qual a razão dessa introdução tão estranha? A verdade que o livro nos coloca está em toda essa história, está nos embates que ora travamos em todo o país.

“A Felicidade é fácil” traz uma importante faceta sobre a índole humana que é a capacidade de transformar princípios éticos em valor de troca, e não em valor de uso. O valor de troca dos princípios encontra-se ligado ao conforto e às benesses. Você fornece os seus princípios e, em troca, recebe o luxo. Isso quando esse alguém possui esse tipo de valor.

É um livro policial? É e não é. Mas uma coisa é clara: Tem um ritmo frenético e uma sensibilidade para narrar a história de um sequestro, em pleno governo Collor. Um detalhe do livro é que a história ocorre dentro de 24 horas. Inicia na segunda-feira, 20 de agosto, às 7h12 e se encerra na terça-feira, às 5h34. Detalhe: ela não é contada linearmente, isto é, de maneira lógica. E como já disse lá em cima, tudo isso é fruto de uma escrita que obedece aos cânones dos grande grandes escritores.

Logo no primeiro capítulo, Silvestre já apresenta Major, o motorista e segurança da família Bettencourt, um policial militar reformado, e um menino loiro, de olhos claros, que é surdo e mudo, filho dos caseiros Irene Bauer e Stephan Bauer, que trabalham para a família Bettencourt.

O romance narra os fatos ocorridos naquele fatídico dia com alguns flashbacks, mostrando como Olavo e seu sócio entraram para o mundo “mágico” da publicidade eleitoral que o fez rico e, ao mesmo tempo, um homem íntimo dos poderosos instalados confortavelmente no poder e sua rede de corrupção até virarem alvo dos sequestradores.

Os sequestradores, que vieram de alguns países da América do Sul como Argentina, Chile e Uruguai, sabem dos negócios de Olavo Bettencourt, e decidem fazer o sequestro para poderem conseguir, como recompensa, todo o dinheiro da conta que ele possui em um banco israelense, com agência em Nova York.

Olavo e Mara recebem a notícia do sequestro do filho, na cidade de São Paulo. O motorista que transportava a criança do famoso publicitário é baleado e morto. Olavo recebe a notícia como um soco na cara. Só que a criança sequestrada não era de fato a criança que os sequestradores queriam. Era o garoto mudo, dócil de olhos azuis, filho da empregada da casa.

Mara Bettencourt, mulher do publicitário, é ex-modelo,  ex-garota de programa que conheceu o marido quando foi fazer um teste para uma campanha publicitária em São Paulo. Seu casamento com o milionário Olavo Bettencourt deu-se muito mais pela insistência do próprio do que fruto de uma paixão avassaladora. Um relacionamento dentro de uma infelicidade, mas cercado de todo luxo. O que, noves fora, ainda compensa.

No entanto, quando descobrem que o filho do caseiro fora sequestrado é que a história adquire outros contornos. Quais?

O que estará passando na cabeça de cada um? Quais as opções que a vida sugere? E o menino loiro surdo e mudo ? O que acontecerá com ele nas mãos dos sequestradores, acuados ao saber que ele não era o alvo? Muitas perguntas que você, leitor, só poderá saber quando ler esse livraço, escrito por Edney Silvestre.

“A Felicidade é Fácil”? Pode ser e não ser. Nesse romance você saberá a resposta dada pelo autor. Um livro que merece um lugar especial em sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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A felicidade é fácil
autor: Edney Silvestre
editora: Record

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