A definição do amor
Na literatura, desde os primórdios a morte sempre teve um capítulo à parte. A civilização ocidental aprendeu a lidar com ela de diversas maneiras. Respeitando, admirando ou às vezes querendo-a. A morte sempre esteve presente em quase todas as criações literárias.
Octávio Paz, em seu magnífico livro “Os Filhos do Barro”, afirma que os românticos nos ensinaram a viver, a morrer, a sonhar e, sobretudo, a amar. No seu entender, os românticos não nos ensinaram a pensar, mas a sentir. Apesar das transformações da sociedade, muitas das nossas concepções de amor ainda trazem a marca dos românticos, principalmente a liberdade de escolha, o ideal do amor livre e sem barreiras.
O livro “A Definição do Amor”, de Jorge Reis-Sá, narra a história de amor de um professor de filosofia, Francisco, casado há alguns anos com Suzana, com quem tem um filho ainda bebê, até que recebe uma notícia arrebatadora. Sua mulher encontra-se no hospital. O autor trabalha com o conceito de memórias e a partir delas constrói uma narrativa poética que lida com o amor e a morte de maneira muito próxima, sob a forma de diário.
O leitor é confrontado com vozes do passado, como o amor incestuoso entre uma tia e um sobrinho, o amor homossexual e pedófilo de um padre com seus alunos. A ideia do diário começa, como já foi dito acima, por causa de sua mulher, Susana, que sofre um AVC e tem morte cerebral. Mas Francisco descobre que o que causou essa morte cerebral foi uma gravidez inesperada. Ele verá a sua amada Susana como uma passiva incubadora da filha que lhe tirou a existência. Nesse período de gravidez, Susana é mantida viva artificialmente para não interromper a gestação. E nesse processo de gravidez, Francisco recorda os principais momentos de sua vida, desde a infância até a chegada do primeiro filho. O amor e a morte estão interligados nessa trama.
“Não leio os jornais, não vejo notícias nas televisões, não me interessa quem morreu, quem casou, que atentados atentaram contra a vida de gente que se diz importante. Este estado de negação quase letárgica dá-nos pelo menos uma coisa nova – o desprendimento. A vida dos outros para de ter importância que lhe parecíamos dar. Eu que comprava diariamente o jornal, que lia os cronistas que entrava nas páginas da internet numa tentativa de estar moderno, vivo e aberto. A suspensão da morte daquela que amamos suspende a vida daquele que ama – eu!” (Pg 35) Enquanto Francisco aguarda o nascimento da filha, sua mulher encontra-se tecnicamente morta, definhando lentamente. Ele alimenta uma grande virada, ou seja, um milagre.
“Tu e o Deus em que não acredito mas a quem reitero o meu perdão.” (pg 49)
“A Definição do Amor”, de Jorge Reis-Sá, a história é conduzida com uma estrutura narrativa que foge ao padrão comum de pontuação a que estamos acostumados, oferecendo ao leitor uma mistura entre prosa poética e uma poesia discursiva:
“Querida Susana, Passaram cinco meses. Aqui estou. Aceite a perda, trouxe o menino para cima. E digo-te serenamente: ele já dorme, embalado pelo silêncio. Por hoje é tudo.” (pg 243)
A morte ainda respira e frequentemente é adiada. Muito embora sendo professor de filosofia, não recorre a teses filosóficas generalistas, apenas a uma citação do filósofo existencialista Kierkegaard. Um romance que fala sobre o interior de alguém que está se despedindo de suas esperanças.
“A Definição de Amor”, de Jorge Reis-Sá, é um livro bem escrito, e o leitor desprevenido poderá receber um jab impactante e arrebatador, indo a nocaute, quando ler as 253 páginas e ler a definição do autor sobre o amor.
Um livro que merece um lugar na sua estante.