E foi assim (dizem) que começou... o Carnaval
10 fevereiro 2013
Estamos vivendo o Carnaval e o “Bons livros para ler” promete cair na folia. Folia? Sim! a folia de falar sobre essa festa e suas origens até os dias de hoje. Não pensem vocês que lerão uma tese sobre o assunto, aliás, o antropólogo Roberto da Matta tem um excelente livro que fala sobre essa festa e para aqueles que gostariam de ler mais sobre o assunto o nome do livro é: “Carnavais Malandros e Heróis”, da Editora Rocco, onde ele faz um estudo original sobre a festa mais popular do Brasil. E já abrimos o Carnaval com uma excelente sugestão.
Mas vamos às pesquisas e suposições sobre a origem dessa festa tão vivida, adorada, combatida e polêmica.
Existe uma tese na o qual o carnaval começou em Roma e era chamada de “Saturnália”. Trata-se de uma festa realizada no Templo de Saturno. Era celebrada em 17 de dezembro e ao longo dos tempos foi estendida até o dia 23 de dezembro, e passou há durar sete dias, incluindo o solstício de inverno. A multidão se vestia com máscaras e ocupava ruas e praças. Um rei era eleito por brincadeira e comandava a folia nas ruas de Roma. Nesse período, todas as atividades eram suspensas. Até os escravos ganhavam liberdade para fazerem o que quisessem e as restrições morais ficavam bem “flexíveis”. A palavra “carnaval” para uns significava “adeus à carne”, para outros a “carne nada vale”, o que em outras palavras quer dizer o seguinte, esta festa significava a celebração dos prazeres terrenos. A entidade divina que presidia a festa era Saturno, o Deus da Semeadura.
Na Idade Média, o Carnaval adquiriu novos contornos ampliando enormemente a sua riqueza, suas funções políticas e ideológicas para além das fronteiras da esfera da cultura. Diferente do teatro que tem no palco o seu espaço, o Carnaval ignora o palco. Não há espectadores, ele existe para todo o povo. Não se atua no carnaval, vive-se. Mikhail Bakhtin em seu livro “A cultura da Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” diz que o carnaval “é a própria vida que se apresenta com elementos próprios da representação.” É a libertação dos dogmas religiosos e das leis do Estado, a renovação da própria vida. É a vida apresentada de forma idealizada e livre sem hierarquias, subvertendo as leis da via ordinária, transformando-se na própria vida real.
Com a expansão do Cristianismo, o Carnaval ficou conhecido como a “Festa dos Loucos” e o motivo é simples: as exigências da Quaresma impostas à população pela Igreja para que todos cumprissem as penitências, as abstinências por quarenta dias que precisavam ser antecedidas de algo que servisse a outros propósitos, ou seja, uma liberação, nas palavras do historiador Michel Volvelle uma antifesta.
“A festa como liturgia institucionalizada, regulada, repousando sobre a ficção da unanimidade, da comunhão sem falhas de uma comunidade (...) Do lado oposto, está a festa carnavalesca estrutura fulgurante da inversão e da contestação, tão antigo certamente quanto as liturgias oficiais das quais ela é o oposto.” (Michel Volvelle. Ideologias e mentalidades. 2a ed. São Paulo: Brasiliense, 1991 p. 252-253).
Na “Festa dos Loucos” como era chamado o carnaval, tudo era permitido, as leis religiosas eram abolidas dos constrangimentos sociais. A vida oficial religiosa com todas as suas restrições era trocada por uma vida não oficial. O profano reinava sobre o sagrado e as pessoas passavam a ver o mundo sobre outro ponto de vista, diferente da ética cristã. E nessas representações era muito comum as pessoas trocarem seus papéis, como por exemplo, a mulher se vestindo de homem e vice e versa. Essas trocas iam além das vestimentas, mas também das ações, ou seja, a mulher que controlava o homem, o patrão recebendo ordens dos seus serviçais, homens profanos agindo como clérigos e dando sermões e por aí seguia a festa. Então, percebemos que hoje fazemos com há muitos tempo atrás.
Nessa obra de Pieter Brueghel podemos identificar dois momentos: a do lado esquerdo muitos estão festejando, comendo, bebendo e dançando, com vestimentas mais alegres. No lado direito, podemos ver pessoas magras em trajes escuros próximas a uma igreja, com aspectos beirando a inanição, pedindo esmolas, ou seja, realizando atos religiosos, enquanto, no lado esquerdo da tela vemos a animação.
Esse caráter festivo do carnaval era a festa da renovação, era o triunfo da vida distante das formas ordinárias e das leis do mundo oficial.
Essa ideia do mundo às avessas era muito presente no imaginário europeu que criou “A Cocanha”, que nada mais era que um lugar utópico em que as festas como carnaval eram eternas, existia em todos os dias e não havia necessidade de trabalhar para conseguir o sustento. Este lugar tinha a abundância de comidas e bebidas, as casas eram feitas de cevada, o sexo era obtido facilmente e todos permaneciam jovens para sempre.
Esta obra apresenta exatamente a utopia do país perfeito na concepção da época. No quadro, podemos ver algumas pessoas refesteladas, descansando, com alimentos a sua volta, ou seja, eles não precisam trabalhar para obter comida. Outro detalhe chama a atenção é o rio, presente na parte posterior
da obra que segundo a lenda da Cocanha seria de leite. O porco e a galinha presentes no quadro já estão prontos para o abate, embora vivos. O porco está com uma faca em seu lombo e a galinha está em um prato.
Esta visão deste país imaginário durou muito tempo, da Idade Média até o século XVII, que se diferenciava de acordo com a região da Europa, por exemplo, na Alemanha era chamado de “o país dos tolos” ou o “Fabilau” francês, mas em todas estas visões era um país da abundância de comida e de ócio.
O catolicismo não adotou o carnaval, apenas suportou-o com uma tolerância na conta do chá, já que a fixação do período momesco gira em torno de datas predeterminadas pela própria igreja. O calendário religioso anexou o carnaval como o período que antecede a quaresma. É uma festa pagã que termina em penitência, na dor na quarta feira de cinzas.
Já deu para perceber que em qualquer época e por qualquer motivo, essa festa sempre motivou a turma a fazer excessos e loucuras. Vamos terminar por aqui, respeitando as loucuras próprias e a loucura do outro. E, loucuras a parte: “se for dirigir, não beba”. E um bom Carnaval!