Um, nenhum e cem mil
O livro desta semana é do grande escritor Luigi Pirandello. Sempre tive para com esse autor uma grande admiração. Conhecia-o pelas peças. Verdadeiras obras-primas. Os romances conheci há pouco tempo, especialmente, o livro de hoje: “Um, Nenhum e Cem Mil”. “O Falecido Mattia Pascal” é outro livraço que em breve postarei aqui no blog e já li também. “Um, Nenhum e Cem Mil” infelizmente encontra-se esgotado. Uma pena. Mas acredito que ele volte à cena um dia desses, não me pergunte quando. Comprei esse livro na Estante Virtual. Portanto, fica a dica por enquanto.
Falemos um pouco da vida de Pirandello.
Luigi Pirandello foi um grande renovador do teatro, com profundo sentido de humor e originalidade. Ele estudou filologia na Universidade de Roma e doutorou-se na Universidade de Bonn, Alemanha, país onde também estudou filosofia. Em 1894, Pirandello casou-se e radicou-se em Roma, onde dava aulas de italiano. Dedicado à literatura, de início escolheu a poesia, mas logo optou pela narrativa e pelo romance realista. Escreveu os romances "O Falecido Mattia Pascal" e "Um, Nenhum e Cem Mil", além do livro de contos "Uma Jornada: Novelas para Um Ano".
Foi com o teatro, entretanto, que Pirandello tornou-se célebre. Após o êxito com "Assim É, Se Lhe Parece" (1917), foi consagrado com "Esta Noite Se Representa de Improviso", "Cada Um a Seu Modo" e "Seis Personagens à Procura de um Autor", três peças que deram origem ao chamado "metateatro" ou "teatro dentro do teatro".
Inovador do drama moderno, o autor adotou como temas centrais a volubilidade humana e as coincidências entre a vida e a ficção. Pirandello ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1934. Morreu dois depois em Roma, em 10 de dezembro de 1936.
Pirandello alcançou a fama graças a suas peças, e sua reputação se concentra em suas obras dramáticas. Os estudos críticos sobre sua obra repousam sobre a sua dramaturgia, mas ele foi também um escritor de contos populares na Itália de sua época, muitos deles publicados pela primeira vez em jornais diários.
Vamos falar sobre “Um, Nenhum e Cem mil”? A história nos apresenta um narrador pouco confiável, que ao mesmo tempo é parte do problema e parte da diversão, ou seria tragédia?
Mas é bom que se diga que o romance não é para fazer rir, muito menos para chorar. A história diz respeito a um jovem cavalheiro, Vitangelo Moscarda, e seus dilemas identitários.
O romance começa com ele olhando para o espelho de manhã, quando percebe algo estranho sobre seu nariz: ao pressionar a sua narina, ele sente dor. O ato de olhar no espelho para si mesmo, quebra a percepção que ele tem de si mesmo. E ele vai percebendo que sua imagem é construída pelo o que os outros acham dele. E o que outros acham dele, segundo Moscarda, não é ele. E a luta dele durante a história é para desconstruir essa imagem que as pessoas têm sobre ele.
Moscarda começa a jornada dramática para descobrir o seu próprio “eu”. O nariz inclinado é o primeiro sintoma da doença. Moscarda acreditava que todos o viam como alguém que tinha um nariz reto, ao passo que todos o viam como alguém que tem um nariz torto. Essa percepção torna-se um dilema de identidade. Afinal, quem é Moscarda?
Ele é o dono de um banco que herdou de seu pai, mas sabe muito pouco sobre o negócio que possui. Aos poucos, ele nota que a maioria das pessoas considera seu pai um agiota, em vez de um “banqueiro”. Tudo isso vai influenciar em sua busca.
Em relação a sua mulher, Dida, ele começa a sentir ciúmes do homem que ela pensa que está beijando: Gengê. Quem é esse Gengê (apelido dado pela sua esposa), senão Vitangelo Moscarda? Quando ele finalmente diz à esposa que ela não o conhece, não sabe quem ele de fato é, e ele tenta revelar a sua verdadeira personalidade, seu verdadeiro “eu” para ela. Ele chega à conclusão que ela adora Gengê, e não Moscarda. Dida quer Gengê de volta, mas Moscarda quer ser Moscarda. E assim ela o abandona. E o livro vai nos mostrando um mosaico de identidades que surpreende, e revela quem Moscarda era para si próprio e, principalmente, para aqueles mais próximos a ele.
“O meu caso, agora, é diferente ou é o mesmo? Enquanto eu mantenho os olhos fechados, somos dois: eu aqui, e ele no espelho. Devo impedir que ao abrir os olhos, ele se torne eu e eu, ele. Eu devo vê-lo sem ser visto. Isso é possível? Assim o vir, ele me verá, e nos reconheceremos. Mas muito obrigado! Eu não quero reconhecer-me; quero conhecê-lo fora de mim. Isso é possível? Meu esforço supremo deve consistir nisso: não me ver em mim, mas ser visto por mim, com os meus próprios olhos, mas como se fosse um outro, aquele outro que todos veem e eu não vejo. Então calma, pare tudo e atenção!” (pg38)
Moscarda é apenas uma auto-observação a partir de alguém de fora, em sua segunda experiência. Ele pretende desconstruir cada juízo de valor que as pessoas têm a seu respeito. Ele investiga as maneiras com que ele é percebido por outras pessoas e descobre que abomina as identidades que vivem dentro dele.
Nos dias de hoje, com a construção performática semelhante à desconstrução nas redes sociais, como Moscarda iria se definir?
“Um, Nenhum, e Cem Mil” é um desses livros que vai deixar você, leitor, com uma pulga atrás da orelha. Afinal, quem é você? Como as pessoas o veem? Existe uma semelhança entre o que você é e o que as pessoas acham que você seja? Você já se olhou de cima e reparou em suas atitudes? Pense nisso e responda aqui no blog.
O livro tem uma introdução excelente do imortal Alfredo Bosi, que faz suas considerações sobre a história. Esse livro é brilhante. Pirandello merece um lugar de destaque em sua estante. Recomendadíssimo.