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O Sermão Sobre a Queda de Roma

Jérôme Ferrari é um desses escritores que eu desconhecia completamente. Só sabia que era um dos participantes da FLIP. Começo essa resenha falando com a mais profunda honestidade. Como cheguei a esse autor e o porquê de ter escolhido esse romance para fazer essa resenha.

Quando estava arrumando a bancada da frente da livraria me vi diante deste livro. E pelo título não quis nem conversa. Pensava que fosse algo histórico sobre a queda de Roma.  Não que o tema não seja interessante, mas as minhas prioridades eram outras.

No entanto, mais uma vez estava distraído, quando de repente, não mais que de repente, vi um livro no chão. E ao colocá-lo no lugar mais uma vez “O Sermão sobre a queda de Roma” de Jerome Ferrari aparecia em minhas mãos. Sei que pode parecer um pouco tolo para alguns, mas às vezes a vida nos envia alguns sinais. Isolei-me em um canto da loja e comecei a folhear o livro. E foi nesse momento que algumas informações preciosas chegaram até  mim como, por exemplo, o autor venceu o prêmio Gongourt de 2012, o texto brilhante de Milton Hatoum fazendo suas observações na orelha do livro. E fui mais além até entender que nada era o que eu imaginava ser.


Adquiri o livro e comecei a viagem até a Córsega. Já sabendo que a história da relação entre a ilha e a França sempre foi algo tenso. Existe uma questão mal resolvida entre a ilha (Córsega) que é governada pela França há muitos anos, ou, melhor dizendo, séculos, e que tem como um de seus objetivos alcançar sua autonomia e independência, o que colide com a constituição francesa. E reside o “x” da questão.

Mas antes de chegar até ela, comecemos pelo início. Santo Agostinho lembra aos homens que tudo que é construído por eles, seja grande ou pequeno, está fadado a queda, ao fim. E é nesse ponto que o livro se encarrega de nos mostrar, ou seja, existe algo que aproxima as coisas grandes como os impérios e as pequenas coisas como um bar, ou seja, todos estão fadados ao fim. Do macro ao micro todos obedecem ao mesmo mecanismo.

 

“Tu te espantas que o mundo chegue ao fim? Mais vale que te espantes de vê-lo chegar a idade tão avançada. O mundo é como um homem: nasce, cresce e morre. [...] Na velhice, o homem vive assolado pelas catástrofes [...] Cristo diz: o mundo vai partindo, o mundo está velho, o mundo sucumbe, o mundo provecto respira ofegante, mas não tenha medo: tua juventude há de se renovar como uma águia” ( Santo Agostinho, sermão 81,s 8,dezembro de 410)


O romance começa no verão de 1918, em um pátio de uma escola, onde um fotógrafo ambulante estendeu o lençol branco, e tirou uma fotografia da família. Marcel observa o espetáculo da sua própria ausência, ele não havia nascido, mas sabia que sua mãe estava olhando para ele. Todos vivendo a monotonia desses anos de guerra.

Seu pai foi feito prisioneiro nas Ardenas já nos primeiros anos da Primeira Guerra, também não se encontra na foto. Mas foi por ter sobrevivido a tudo que Marcel veio ao mundo anos mais tarde.

Mas ele sentia a respiração presa na hora em que o fotógrafo disparava o click da máquina. E, se na foto ele estava ausente, agora ele sabe que todos estão ausentes e ele presente, mas, mesmo assim, contempla a foto antiga para se sentir enquadrado naquele mundo que já se fora. Sua memória capta apenas os momentos tenebrosos e seus fracassos pessoais. E ela estava ali contemplando a sua ausência.

Marcel, que teve sua vida abalada pelas circunstâncias da Segunda Guerra, deixa de ser um oficial orgulhoso e torna-se, pela covardia de Petain, um reles funcionário que observa lentamente a França perder o Império colonial já em decadência. O romance intercala os momentos incomuns vividos por Marcel, com o presente vivido pelo seu neto Matthieu e Libero, seu melhor amigo.

Formados em filosofia, Matthieu com especialização em Leibniz, e Libero especializado em Santo Agostinho, largam seus estudos na França e assumem um bar de uma vila na Córsega. Vida desregrada e desgarrada. O livro viaja em várias histórias e em direções diversas. Paris, Argel, Indochina francesa, e algumas colônias africanas.

Para Matthieu aquele mundo tinha uma justificativa Leibniziana, ou seja, o mundo criado por Deus “é o melhor dos mundos possíveis.” E o paraíso terrestre estava ali. E ele estava vivendo exatamente aquilo que tanto sonhou. No começo, tudo era uma grande festa. A rotina regada a bebedeiras e as mulheres fáceis que, para eles, era o auge da vida até então. Mathieu morava no mesmo quarto que as garçonetes, o que significava uma vida digna de  sultão. A Córsega era o paraíso. Paris era uma vaga lembrança. Meninas migram para esse estabelecimento para se transformarem em ornamento, em chamariz de clientes ávidos por uma boa noitada.

Aquele verão havia sido um dos melhores, o dinheiro entrava solto, e a possibilidade de acontecer roubos fizera com que ambos andassem armados. Uma arma de dissuasão, eles dizem.  Paris não fazia mais parte de suas vidas. A Córsega era o verdadeiro paraíso. Um paraíso que precisa de proteção, para poderem propiciar um carnaval alegre do apocalipse. Eles sabem que os mundos são entidades finitas com um começo e um fim. Fingem uma indiferença calculada. Eles sabem que um dia virá em que não haverá mais nada nessa caverna de sombras em que eles se julgam mestres do jogo. Uma arma faz a sua entrada numa gaveta do bar, uma tragédia no melhor estilo grego antigo está prestes a acontecer.

Mas cada um de nós carrega dentro de si sua própria ruína. Como não encontrar paralelos com impérios destruídos, com a morte da civilização, a nossa está morrendo esperando por outra. A morte está programada. Fim da beleza, fim de uma era. Jérôme Ferrari escreveu sobre a impermanência das coisas e delega a Santo Agostinho o papel de explicar essa queda inexorável.

E ele nos dará vários sinais desse fim. Uma doença na família de Mathieu foi o único motivo encontrado para saírem de suas vidas, do presente eterno. O imobilismo da felicidade faz com que eles se fechem  para o mundo, a ponto de permanecerem imobilizados quando chamados para embarcar no aeroporto. Eles ficam imobilizados e não conseguem se mover com o medo de perder tudo aquilo que haviam sonhado.

Quando Matthieu encontra sua irmã, ela se choca ao encontrar outra pessoa bem diferente daquela com quem conviveu em Paris e o autor explicita os valores e o declínio desses jovens protagonistas. Mas paremos por aqui.

Podemos apenas dizer que “O sermão sobe a queda de Roma” é um romance denso que nos oferece – como nas grandes obras – vários níveis de leituras. O estilo é brilhante. Li “O sermão com prazer em perceber que, às vezes, só a escrita é capaz de corrigir o irremediavelmente indescritível”.

Às vezes quando sonhamos com algo corremos o risco desse sonho tornar-se realidade, e a realidade quase sempre é bem diferente daquilo sonhado. Mas, seja lá como for a interpretação que você, leitor, dê a esse romance, uma coisa é clara. Ele merece um lugar em sua estante.

 


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Romance


< Refrão da Fome Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk >
O Sermão Sobre a Queda de Roma
autor: Jérôme Ferrari
editora: Editora 34
tradutor: Samuel Titan Junior
gênero: Romance;

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