Livros > Resenhas

O último grito

Para aqueles que não conhecem Thomas Pynchon, hoje é o dia de conhecer esse escritor vencedor do National Book Awards. Para Harold Bloom, um dos maiores críticos literários americanos de todos os tempos, Thomas Pynchon é um dos romancistas canonizáveis de seu tempo. Seu nome é sempre lembrado para o Prêmio Nobel de literatura.

Sua ficção abrange vários temas, como física, filosofia, música pop, cinema, drogas, psicologia e quadrinhos. E dessa absurda miscelânea humorística e ao mesmo tempo poética, o autor explora um gênero próprio, chamado de estética da paranoia. Nunca concedeu entrevistas e nunca se deixou fotografar. Suas fotos conhecidas são de sua juventude.

O livro foi lançado em 2013, ou seja, bem depois dos eventos do 11 de Setembro, portanto não é um livro profético, mas uma interpretação daquele evento. Se você gosta de temas como conspiração global, fantasias apocalípticas, células terroristas, cibernética, balística, órgão ligados a inteligência de governo, leia-se CIA, tragédias jacobinas, mensagens codificadas pelo correio e dois aviões espatifando-se contra as Torres Gêmeas, você vai adorar “O Último Grito”, de Thomas Pynchon. O livro relata o nascimento da era da internet, que coincide com a era do terror. Uma coincidência? Bem, pode até ser, mas o autor deixa no ar algo inquietante, que você, leitor, poderá decidir se é uma teoria da conspiração (zeitgeist) ou apenas uma lógica paranoica.

Os fãs de narrativas factualmente precisas, provavelmente não ficarão entusiasmados quando lerem esse livro. Mas se você curte uma boa ficção, fique certo porque o caminho que você procura já está pavimentado, e o céu é limite. Mas fique certo de uma coisa: o humor de Thomas Pychon é simplesmente visceral. E, claro, uma escrita de altíssimo nível.

Quando o romance começa, no primeiro dia de primavera em 2001, com as primeiras folhas de árvore florescendo em Nova York, o leitor já está em alerta máximo para os eventos do final do verão. A atmosfera – tanto o otimismo idealista sobre a internet como o mundo digital-para-todos e o cinismo sobre como ela pode ser monitorada e monetizada – soa verdadeira. Nas primeiras cinquenta páginas, lemos o primeiro de muitos prenúncios dos eventos que estão por vir. Como, por exemplo, a grande crise das empresas ponto com.

O livro é narrado na terceira pessoa. A protagonista, Maxine Tarnow, trabalha em um pequeno negócio de investigação de fraudes no Upper West Side, perseguindo diferentes tipos de vigarista do baixo escalão. Mas sua licença de investigadora foi retirada há algum tempo, o que acabou sendo positivo porque, com isso, ela está livre para alçar voos maiores, seguindo o seu próprio código de ética, como, por exemplo, carregar uma Beretta em sua bolsa, invadir contas bancárias de pessoas inescrupulosas, sem ter culpa alguma, e aproveitar as suas conexões mais sombrias.

Maxine Tarnow é mãe divorciada e tem dois filhos. Ela professa a fé judaica, é uma mulher corajosa e teimosa, sempre à procura de resultados morais e justos, por métodos de trabalho nem tão morais assim. Esse detalhe sobre a protagonista atravessa todo o romance. Como sua idade não é mostrada, acredito que ela deva ter mais ou menos uns trinta e sete ou oito anos (?). Maxine está criando seus dois filhos, Otis e Ziggy, sem nenhuma ajuda financeira real de seu ex-marido, Horst Loeffler.

No início do livro, Horst Loeffler, um comerciante de commodities, leva os seus filhos para fazer uma refeição no restaurante no topo de uma das torres. O prédio balança por causa das rajadas de vento, mas são tranquilizados – todos asseguram que o prédio fora construído como se fosse um navio de guerra.

Maxine começa a investigar as movimentações suspeitas da Hashslingrz, uma empresa de segurança de computadores, a pedido de seu amigo Reg Despard, um documentarista e ativista que produz filmes provocadores de atividades militares suspeitas no Oriente Médio.

Em um primeiro momento, Maxine não acredita, mas depois ela vai investigar e descobre uma firma administrada por um vilão, o CEO empresário da internet Gabriel Ice. Um homem frio, intensamente secreto e vingativo, mas ele também pode ser algo mais. Maxine começa a acreditar que a bolha das empresas ponto com pode ter sido fabricada. Isso a atrai para um mundo sombrio de hackers, com links para os serviços de segurança e a máfia russa. Podemos ouvir Sinatra cantando: New York! New York!

O primeiro desses lugares escuros é uma empresa ponto.com sinistra chamada Hashslingrz. Enquanto a maioria das empresas de informática despenca no mercado, essa empresa estranhamente parece estar florescendo e, ao que parece, ela desvia secretamente fundos para uma organização simulada no Oriente Médio.

Maxine e a equipe também descem regularmente para o DeepArcher  um mundo virtual onde ações individuais são imediatamente tornadas indetectáveis. Lá, Maxine interage com os avatares de muitos de seus conhecidos do mundo real e, ocasionalmente, com os persistentes avatares de pessoas que desapareceram ou morreram. Um espaço que excede ao racional e permite vislumbres do inimaginável do capitalismo.

Deep Archer fora projetado para ser “um santuário virtual para fugir das muitas variedades de desconforto do mundo real”. E que não passa de uma aglomeração de pixels, considerado “um lugar real”. Essa irrealidade do ciberespaço parece sangrar na vida cotidiana: um objeto inanimado exibe a capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma conscientes. Em outras palavras, de ter percepções conscientes do que lhe acontece e do que o rodeia.

Personagens secundários entram e saem, muitas vezes sem aviso. E quais personagens eles são? Um hacker com um fetiche com pés; um especialista olfativo obcecado pela loção pós-barba de Hitler; um fantasma do governo que persegue Maxine; um mensageiro de bicicleta que chega sem avisar com pacotes misteriosos; rappers russo. E esses são apenas alguns que estou me lembrando, mas tem mais, muito mais.

Como, por exemplo, Nicholas Windust, um capanga neoliberal cujo missão era transformar a América Central em um matadouro, em nome do anticomunismo durante os anos Reagan.

As referências à cultura pop são fartas, Há uma canção de Britney Spears citada no primeiro capítulo e um karokê onde Steely Dan é citado. Personagens reais e ao mesmo tempo inventadas, mas Pynchon está conduzindo essa história e você estará junto nesse passeio. Todas essas referências citadas em “O Último Grito” é, no fundo, um romance sobre o 11 de Setembro. O autor levanta um espelho para os nossos piores medos, como, por exemplo, a cumplicidade da CIA nos atentados de 11 de Setembro, a  manipulação do mercado de ações através dos insider trading. Todas essas perguntas são deixadas sem respostas.

Perto do final de ”O Último Grito”, o pai de Maxine, Ernie, argumenta que o objetivo da internet é o controle:

“É, e a sua internet foi inventada por eles, essa coisa mágica que agora se intromete nos menores detalhes de nossa vida, que nem um cheiro, nas compras, nos trabalhos domésticos, no dever de casa, nos impostos, absorvendo a nossa energia, consumindo o nosso tempo precioso. E não tem inocência, não. Em lugar nenhum. Nunca teve. Essa rede foi concebida em pecado, o pior de todos. E, à medida que ela foi crescendo, nunca deixou deixou de ter no fundo do coração um desejo de morte pro planeta, um desejo amargo e gelado, e não fica achando que isso mudou, não, menina.” (pg 510)

“...A internet continuou a evoluir, era uma coisa militar e agora é civil – hoje são salas de chat, a World Wide Web, compras on-line, o pior que se pode dizer é que talvez esteja ficando um pouco comercializada. E vê só como ela está empoderando bilhões de pessoas, a promessa, a liberdade.” (pg 510)

 

“O rádio de pulso de Dick Tracy? Isso vai estar em toda parte, os caipiras todos vão fazer pra ter um também, as algemas do futuro. É o sonho do pessoal do Pentágono, lei marcial em todo mundo.

- Então foi de você que herdei a paranoia?” (pg 510 e pg 511)

Maxine, cínica como ela é, está preocupada em trazer a corrupção à luz dos vulneráveis dos canalhas. Pychon está do lado dela. Ao navegar na Deep Archer, ela descobre que seus filhos, Ziggy e Otis, criaram sua própria cidade lá: uma versão de Nova York pré 11 de Setembro chamada Ziotisópolis. Uma cidade misericordiosa. Em contraste com as artimanhas que consomem a maior parte do romance, “O Último Grito”, de Thomas Pychon, é um livro escrito por um gênio e que merece um lugar de honra na sua estante.


Data: 22 maio 2018 (Atualizado: 22 de maio de 2018) | Tags: Romance


< Crônica do Pássaro de Corda Psicologia das multidões >
O último grito
autor: Thomas Pynchon
editora: Companhia da Letras
tradutor: Paulo Henriques Brittos
gênero: Romance;

compartilhe

     

você também pode gostar

Vídeos

Arroz de Palma

Resenhas

América

Resenhas

Nêmesis