O marido perfeito mora ao lado
“O marido perfeito mora ao lado” de Felipe Pena, nos dá uma impressão (pelo título) de ser uma história estilo sessão da tarde. Mas não é nada disso. Existe um grau de sofisticação no humor e na escrita que faz a diferença. Felipe Pena, jornalista e professor universitário, cursou Psicologia e fez uso de suas experiências acadêmicas para construir esse enredo.
A história se passa no Rio de Janeiro. Tem como pano de fundo o campus de uma suposta Universidade Anglicana e seus professores e alunos do curso de Psicologia. E logo de cara o leitor se defrontará com a primeira consulta de Olga e Carlos, dois pacientes estranhos que mostram suas decepções conjugais. Uma incomunicabilidade tão comum nos dias de hoje que Walter Benjamin abordou em suas considerações sobre a pobreza da experiência e o empobrecimento da comunicação entre os humanos.
Mas se o leitor acha que a coisa fica por aí, ledo engano. Tem muito mais. Cada capítulo é um sintoma: histeria, compulsão, perversão, loucura, obsessão, Ego, desejo, sublimação, tudo isso faz parte do cardápio da psique dos personagens. Histórias individuais que se interligam de forma inteligente.
Os personagens não são feitos de carne e sangue, mas são “bonecos”, caricaturas psicanalíticas. Freud, Foucault, Nietzsche, Sócrates dão o tempero e ao mesmo tempo a intimidade como o autor manuseia seus “bonecos”. O autor aos poucos vai apresentando os protagonistas do livro, onde alguns estudantes têm seus próprios pacientes. Em cada página do livro, somos levados pela imaginação do autor a detectar esquizofrênicos, normalpatas (pessoas normais que escondem verdadeiras barbaridades em seus corações e mentes), e vemos relações experimentais, do tipo marido que trai a mulher com a complacência do parceiro. E também pessoas psicóticas que destroem todos com quem se envolvem em suas paixões.
No meio dessa fauna variada, um crime de sequestro acontece no Campus da Universidade Anglicana. Marcus é um dos alunos da universidade, cursando psicologia e também fazendo parte de um grupo de estudos quando o inusitado acontece: Marcus, filho de pais abastados, é sequestrado. A partir dai, começa o mistério para se descobrir quem é o responsável por esse sequestro. Todos são suspeitos, suas vidas são devassadas. Muitas intrigas, surpresas e reviravoltas. E os terapeutas farão o papel de investigadores.
Outros personagens aparecerão como, por exemplo, professor Pastoriza chefe do departamento do curso de psicologia, um desses que apanharam da vida, e sofre de uma desilusão sem cura e caminha sozinho pelo mundo acadêmico impressionando a todos com a sua inteligência e senso de realidade.
Mas, e agora, quem sequestrou Marcus? As cartas pedindo resgate são absolutamente bem escritas e, no entanto, sabemos que tem gente do tráfico envolvido nesse sequestro. Quem do tráfico conseguiria escrever num português quase castiço fazendo exigências de grandes somas de dinheiro aos pais de Marcus. A pergunta que não quer calar é: como o autor consegue nos manter preso ao livro até o fim nos deixando numa curiosidade que se não chega à catarse chega muito perto?
A conclusão talvez mais clara que podemos chegar é que no curso de psicologia da Universidade Anglicana não existem “malucos beleza”, existem sim, “malucos Deleuze”.
A história prende, a dinâmica é boa e se pode ler em dois dias. Até mesmo porque será difícil parar. Muito bom.