Livros > Resenhas

O Homem e seus Simbolos

Devo dizer que não foi fácil fazer esta resenha. Tenho pouca familiaridade com o tema em questão. Mas confesso que me esforcei em dar o melhor resumo do pensamento de Carl Gustav Jung que pude.

Tinha a sensação de que sempre faltava incluir algumas observações (a resenha tem 17 páginas). Mas, por outro lado, como vocês vão ler, existem outros temas que foram repetidos por todos que escreveram os capítulos.

Cada autor tentou deixar clara a função criadora dos símbolos na psiquê inconsciente do homem, indicando alguns caminhos da vida recém-descoberta. Posso dizer que ainda estamos longe de compreender o inconsciente e os arquétipos, ou os núcleos dinâmicos da psiquê em todas as suas implicações.

Uma coisa é certa: em todos os capítulos, os autores constataram o enorme impacto que os arquétipos produzem no indivíduo, determinando suas emoções e perspectivas éticas ou mentais, influenciando seu relacionamento com as outras pessoas e afetando o seu destino. Os arquétipos podem agir em nossa mente como forças criadoras ou destruidoras; criadora quando inspiram ideias novas, e destruidoras quando essas ideias se cristalizam em preconceitos conscientes impossibilitando novas descobertas.

Alguns cortes foram necessários. O que eu posso dizer sobre esse livro? Maravilhoso! Um universo em que o inconsciente conversa com a antropologia, que conversa com os mitos, que conversa com os símbolos, que conversa com os sonhos e que conversa com o consciente. É nesse universo incrível que a psicologia analítica surge. Peço perdão antecipadamente caso alguma explicação não fique clara. O defeito é do resenhista e não do pensador. Mas espero que todos gostem.

E que todos façam uma boa viagem. Vamos ao livro?

Carl Gustav Jung foi um psiquiatra suíço, fundador da escola analítica e um dos intelectuais mais influentes do século passado. Trabalhou como cientista pesquisador sob o comando de Eugen Bleuler em Zurique. Nesse período, conheceu Sigmund Freud, e acabou trabalhando como chefe da Associação Psicanalítica Internacional, fundada por Freud em 1910.

No entanto, a linha de pesquisa de Carl Jung o afastou de Freud, e os dois acabaram rompendo. Esse rompimento marcou Carl Jung profundamente e influenciou os seus pensamentos e crenças posteriores.

Carl Jung criou conceitos importantes na psicologia, como individuação, arquétipos, inconsciente coletivos, introversão e extroversão, sincronicidade, os quais influenciaram diferentes áreas do conhecimento humano, desde a psiquiatria e a filosofia até a antropologia e a literatura.

A ideia de escrever o livro “O Homem e seus Símbolos” surgiu de uma entrevista concedida por Gustav Jung a John Freeman. Essa entrevista foi um sucesso. Cartas e mais cartas chegaram à redação. E foi a partir dessa entrevista que o entrevistador sugeriu que Gustav Jung colocasse suas ideias básicas em uma linguagem acessível ao leitor não especializado no assunto. Eu, por exemplo.

As discussões começaram, e todos em comum acordo chegaram à conclusão de que o tema seria “O Homem e seus Símbolos”. O último ano de vida do autor foi dedicado a esse livro. Ele faleceu em junho de 1961. A parte que lhe coube foi escrita em dez dias e , antes de morrer, conseguiu aprovar os esboços de todos os colegas que colaboraram na construção do livro.

O livro se divide em cinco partes e mais a conclusão. O primeiro capítulo foi escrito pelo próprio Jung: “Chegando ao Inconsciente”. O segundo capítulo, “Os Mitos Antigos e o Homem Moderno”, foi escrito Joseph L. Hendersen. O terceiro capítulo foi escrito por Mary. L. von Franz e é chamado “O Processo de Individuação”. O quarto capítulo, “O Simbolismo nas Artes Plásticas”, foi escrito por Aniela Jaffé. O quinto capítulo, “Símbolos em uma Análise Individual”, foi escrito Jolande Jacobi. E a conclusão foi escrita por Marie. L. von Franz.

Vamos lá?

Vamos começar com a introdução, escrita John Freeman. Os símbolos e o inconsciente têm uma relação de parceria. O inconsciente é o grande guia do consciente. É nessa relação que se estabelece a relação do ser humano com os problemas espirituais.  Segundo Carl Jung, o inconsciente se revela para nós através dos sonhos. E é aí que reside a importância deles na vida de cada indivíduo. Por exemplo, Jung e seus colaboradores afirmam que o projeto de escrever esse livro só aconteceu porque Jung teve um sonho que confirmou que ele deveria escrever esse livro.

Os sonhos expressam o inconsciente individual particular de cada um. O inconsciente de quem sonha está em comunicação com o sonhador e seleciona os símbolos para o seu propósito. Ele só tem sentido para aquele que sonha. Os junguianos ensinam a si mesmos a serem receptivos aos sonhos.

Aqueles que renegam o inconsciente e se limitam a viver inteiramente no mundo da consciência estão presos a leis formais e conscientes da vida.

O primeiro capítulo, escrito por Carl Jung, chama-se “Chegando ao Inconsciente”. Gustav Jung faz uma distinção entre sinais e símbolos e o seu significado na vida das pessoas. Ele explica que as línguas que os humanos usam para se comunicar são compostas de símbolos e sinais.

Sinais são aqueles símbolos que passaram a representar um significado comum e singular. Jung dá alguns exemplos. ONU, Unicef e Unesco são abreviações. Esses exemplos não são símbolos, mas sinais, que servem apenas para indicar algo a que estão ligados. Os signos estão diretamente ligados a uma ideia ou a algum objeto específico. Por exemplo, o logotipo de uma empresa é signo.

E o que é símbolo? Símbolos possuem um significado oculto e inconsciente. O símbolo para Jung é o método primário de comunicação do inconsciente. Quando chamamos alguma coisa de divina, estamos dando apenas um nome que poderá estar baseado em uma crença, mas nunca em uma evidência concreta. As religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens.

Os nossos sentidos reagem a fenômenos reais e sensações visuais e auditivas. Tudo isso é transposto da esfera da realidade para a mente. Na realidade da vida diária, há uma quantidade enorme informação e de dados complexos. Torna-se impossível para o intelecto humano dar conta de tudo, o intelecto não consegue processar tudo. Muito do que uma pessoa encontra na vida diária permanece abaixo do limiar da consciência. Esses fatores se tornam subliminares e desenvolvem parte da psiquê inconsciente.

Para Carl Jung, a consciência é um acréscimo bastante recente da natureza, em “estado experimental”. Levou incontáveis eras para atingir o estado civilizatório (que arbitrariamente é datado desde a invenção da escrita há cerca de 4000.a.C.). E essa evolução não chegou a ser completada, pois grandes áreas da mente humana ainda estão envoltas por escuridão.

Os primitivos tinham uma consciência diferente das pessoas modernas, eles acreditam que os homens têm muitas almas e que elas se tornam facilmente fragmentadas e dissociadas, como no romance de Robert Louis Stevenson, Dr Jekyll e Mr. Hyde, cujo tema é a dualidade psicológica humana.

Bem, se as almas podem se fragmentar, isso prova que elas podem ter mais de uma personalidade ao mesmo tempo. Esse é o ponto que Jung tenta provar. Partes do inconsciente são diferenciadas da personalidade consciente e tendem a ser independentes. Como a consciência é algo recente, ela tem a tendência de se fragmentar e se dissociar.

“ Há motivos históricos para esta resistência a ideia de que existe uma parte desconhecida na psiquê humana. A consciência é uma aquisição muito recente da natureza e ainda está em estado “experimental”. É frágil, sujeitas a ameaças de perigos específicos e facilmente danificável. Como os antropólogos já observaram, um dos acidentes mentais mais comuns entre os povos primitivos é que eles chamam de “perda da alma” – que significa, como bem indica o nome, uma ruptura ( ou mais tecnicamente, uma dissociação) da consciência.

Entre estes povos, para quem a consciência tem um nível de desenvolvimento diverso do nosso, a “alma do mato” ( bush soul) além de sua própria alma que se encarna num animal selvagem ou numa árvore com os quais o indivíduo possua uma identidade psíquica....

...Esta nova identidade com os povos primitivos torna várias formas. Se a alma do mato ´´e a de um animal passa a ser considerado uma espécie de irmão do homem. Supõe-se, por exemplo, que um homem que tenha como irmão um crocodilo possa nadar a salvo num rio cheio destes animais. Se a alma do mato for uma árvore, presume-se que a árvore tenha uma espécie de autoridade paterna sobre aquele determinado indivíduo. Em ambos os casos, qualquer mal causado à alma do mato é considerado uma ofensa ao homem.” (pág. 23)

Os sonhos são fontes mais acessíveis para investigar a faculdade de simbolização do homem. Os sonhos são expressões específicas do inconsciente. Para Jung, há uma causa racional e proposital para a sua existência. Um de seus propósitos é dissolver pensamentos de volta para o inconsciente ou trazê-los à tona. O inconsciente consiste em uma multidão de imagens, pensamentos e impressões temporariamente obscurecidas. No entanto, apesar de perdidos, continuam a influenciar nossas mentes conscientes.

Carl Jung traça um paralelo entre o homem moderno e o homem primitivo. O homem moderno perdeu o contato com os seus instintos internos na tentativa de tentar controlar o que ele chama de processo civilizador. Isso levou a uma divisão em nossa mente instintiva mais profunda.

O equilíbrio entre o inconsciente e o consciente deve estar em sintonia. Quando o inconsciente se separa do consciente ou eles se desassociam, ocorre a perturbação psicológica. O que o inconsciente tenta fazer é se comunicar com o consciente e apoiá-lo em sua falta de consciência e capacidade de compreender a linguagem dos instintos. Os sonhos não são invenções, eles são a principal fonte de todo o conhecimento sobre o simbolismo.

Jung descreve como ele desenvolveu métodos de psicanálise e psicoterapia (que ele chamou de Psicologia Analítica), que se baseiam nos procedimentos originais de Freud, mas diferem de maneira significativas da psicanálise freudiana. Seu primeiro afastamento é no uso da associação livre, conforme usada por Freud.

Jung passou a acreditar que o conteúdo simbólico do sonho era o maior valor e que os complexos podem ser mais facilmente descobertos por meio de outros métodos, como testes de associação de palavras. Esse processo levou Jung a concluir que as imagens específicas nos sonhos têm uma projeção muito maior para toda a personalidade do indivíduo dentro do contexto de um determinado problema do paciente.

 “Freud atribui aos sonhos uma importância especial como ponto de partida para o processo da livre associação. Mas, depois de algum tempo, comecei a sentir que esta maneira de utilizar a riqueza de fantasias que o inconsciente produz durante o nosso sono era, na verdade, inadequada e ilusória. Minhas dúvidas surgiram quando um colega contou-me uma experiência que teve numa longa viagem de trem pela Rússia.

Apesar de não conhecer a língua e nem mesmo decifrar os caracteres do alfabeto cirílico, ele começou a divagar em torno das estranhas letras dos anúncios das estações por onde passava, e acabou caindo numa espécie de devaneio, pondo-se a imaginar todo tipo de significação para aquelas palavras.

Uma ideia leva a outra e, naquele estado de relaxamento em que se encontrava, descobriu que está livre associação despertara nele muitas lembranças antigas. Entre elas, ficou desagradavelmente surpreendido com a descoberta de alguns assuntos bem incômodos e há muito sepultados na sua memória — coisas que desejara esquecer e que conseguira fazê-lo conscientemente. Na verdade, ele chegou ao que os psicólogos chamariam de seus “complexos” — isto é, temas emocionais reprimidos capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou mesmo, em alguns casos, sintomas de neurose.

Este episódio alertou-me para o fato de que não seria necessário utilizar o sonho como ponto de partida para o processo da livre associação quando se quer descobrir os complexos de um paciente. Mostrou-me que podemos alcançar o centro diretamente de qualquer dos pontos de uma circunferência, a partir do alfabeto cirílico, de meditações sobre uma bola de cristal, de um moinho de

orações dos lamaístas, de uma pintura moderna ou, até mesmo, de uma conversa ocasional a respeito de qualquer banalidade. O sonho não vai ser, neste particular, mais ou menos útil do que qualquer outro ponto de partida que se tome. No entanto, os sonhos têm uma significação própria, mesmo quando provocados por alguma perturbação emocional em que estejam também envolvidos os complexos habituais do indivíduo, que são pontos sensíveis da psique que reagem mais rapidamente aos estímulos ou perturbações externas. É por isso que a livre associação pode levar o indivíduo de um sonho qualquer aos pensamentos secretos mais críticos.

Nessa altura ocorreu-me, no entanto, que se até ali eu estivera certo, podia-se razoavelmente deduzir que os sonhos têm uma função própria, mais especial e

significativa. Muitas vezes têm uma estrutura bem definida, com um sentido evidente indicando alguma ideia ou intenção subjacente — apesar de estas últimas não serem imediatamente inteligíveis. Comecei, pois, a considerar se não deveríamos prestar mais atenção à forma e ao conteúdo do sonho em vez de nos deixarmos conduzir pela livre associação de uma série de ideias para então chegar aos complexos, que poderiam ser facilmente atingidos também por outros meios.

Esse novo pensamento foi decisivo para o desenvolvimento da minha psicologia. A partir daquele momento desisti, gradualmente, de seguir as associações que se afastassem muito do texto de um sonho. Preferi, antes, concentrar-me nas associações com o próprio sonho, convencido de que o sonho expressaria o que de específico o inconsciente estivesse tentando dizer.

Tal mudança de atitude acarretou uma consequente transformação nos meus métodos, uma nova técnica que levava em conta todos os vários e amplos aspectos do sonho. Uma história narrada pelo nosso espírito consciente tem início, meio e fim; o mesmo não acontece com o sonho. Suas dimensões de espaço e tempo são diferentes. Para entendê-lo é necessário examiná-lo sob todos os seus aspectos — exatamente como quando tomamos um objeto

desconhecido nas mãos e o viramos e reviramos até nos familiarizarmos com cada detalhe.

Talvez agora eu já tenha dito o suficiente para mostrar como, cada vez mais, foi aumentando a minha discordância em relação à livre associação como Freud a utilizara inicialmente. Eu desejava manter-me o mais próximo possível do sonho, excluindo todas as ideias e associações irrelevantes que ele pudesse evocar”. (pág. 28; pág. 29)

 

Carl Jung enfatiza que, de todos os símbolos, os mais importantes são os símbolos religiosos. Eles são representações coletivas, espontâneas e involuntárias e, de forma alguma, invenções intencionais. Elas não vêm da memória ou de experiências pessoais, mas formam o inconsciente coletivo da humanidade e as imagens e ideias armazenadas de tempos imemoriais, de nossos ancestrais. Essas “imagens primordiais”, como Jung chamou inicialmente, servem como uma fundação básica do ser humano.

Os personagens arcaicos e míticos que compõem os arquétipos residem em todas as pessoas de todo o mundo, acreditava Jung. Arquétipos simbolizam motivações humanas básicas, valores e personalidades. Os arquétipos são conceitos primordiais ou imagens psíquicas que residem no inconsciente coletivo. Eles se manifestam em sonhos, mitologias, religiões e são expressos através de símbolos.

Jung identificou quatro arquétipos principais: a persona, a sombra, a anima/animus e o self.

Persona é a máscara que o indivíduo apresenta ao mundo exterior. É a personalidade moldada pelas expectativas sociais e culturais funcionando como meio de adaptação social. A persona ajuda na interação com os outros, mas pode ocultar a verdadeira identidade do indivíduo se alguém se identificar excessivamente com ela. Ela age para proteger o ego de imagens negativas. Segundo Jung, a persona pode aparecer em sonhos e assumir diferentes formas.

A sombra é frequentemente descrita como o lado sombrio da psiquê. Representa a selvageria e pode aparecer em sonhos através das mais variadas formas. Pode aparecer como uma cobra, um demônio. Representa o caos e o desconhecido.  Segundo Jung a sombra está presente em todos nós. E muitas vezes podemos projetar nos outros as nossas sombras.

Anima/animus representam os aspectos femininos na psiquê masculina (anima) e os aspectos masculinos na psiquê feminina (animus). O feminino está relacionado à empatia. O anima masculino está relacionado ao pensamento lógico, resolução de problemas e estabilidade emocional.

A anima/animus serve como a principal fonte de comunicação com o inconsciente coletivo. Integrar os aspectos femininos e masculino da nossa personalidade em um todo unificado autêntico é uma parte saudável do desenvolvimento humano.

Self* (Ego) é um arquétipo que representa a consciência e a inconsciência unificadas de um indivíduo. Jung frequentemente representava o self como um círculo, quadrado ou mandala. A criação do self se dá através de um princípio conhecido como individuação, em que vários aspectos da personalidade são integrados. A desarmonia entre a consciência e a inconsciência poderia levar a problemas psicológicos. Trazer esses conflitos à consciência e acomodá-los era uma parte importante do processo de individuação.

Outros arquétipos estudados por Jung são o herói, que simboliza o desejo de superar e realizar grandes feitos. O herói enfrenta as adversidades e busca o autodesenvolvimento e a realização pessoal.

O velho sábio e a grande mãe. O sábio é o arquétipo da sabedoria e a grande mãe é associada ao cuidado, à nutrição e à criação.

O inocente representa a pureza, a ingenuidade e o otimismo. O inocente busca a felicidade e a simplicidade, muitas vezes ignorando os perigos do mundo.

O trapaceiro, que se caracteriza pela astúcia e a capacidade de enganar. Ele é capaz de desafiar a ordem estabelecida, e pode trazer o caos e a inovação.

“A energia dos arquétipos pode ser concentrada (por meio de ritos e outros apelos a emoção das massas) com o objetivo de levar as pessoas a ações coletivas. Os nazistas sabiam disso e utilizavam diversas versões de mitos teutônicos para arregimentar o povo para a sua causa”. (pág. 99)

Jung conclui que o inconsciente não é a soma do material descartado e reprimido que o ego achou repugnante ou traumático, mas o inconsciente também é o acúmulo herdado de todas as nossas experiências compartilhadas ao longo da nossa evolução como parte da psiquê total.

Jung deixa claro em seu ensaio que a civilização moderna se move por uma precariedade. O que chamamos de psiquê, incluindo especialmente o inconsciente, é o que foi sempre chamado de alma em épocas passadas, antes do aparecimento do ego racional e da desintegração ou repressão dos instintos e do espiritual. O sofrimento psicológico individual é um reflexo da dissociação coletiva e da neurose da própria vida moderna.

O homem moderno paga o preço, segundo Jung, de uma falta de introspecção. Não consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalização e eficiência, continua à mercê de “forças” fora de seu controle. Seus deuses e demônios absolutamente não desapareceram, têm novos nomes. Essa inquietude provoca complicações psicológicas, compensadas por pílulas, álcool, fumo e alimento e uma enorme coleção de neuroses.

“Os antropólogos descreveram muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. Sua gente perde o sentido da vida, sua organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramo-nos agora em condições idênticas. Mas na verdade não chegamos nunca a compreender a natureza do que perdemos, pois, nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam-se mais em proteger suas instituições do que entender o mistério que os símbolos representam. Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas infortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da ciência ( e incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas e essas forças psíquicas numinosas que regem desde sempre, os destinos do homem. Despojamos todas as coisas do seu mistério e de sua numinosidade; e nada mais é sagrado”. (pág. 119)

O homem civilizado se viu privado de assimilar as contribuições complementares dos instintos e do inconsciente. À medida que aumenta o conhecimento científico, diminui a humanidade de nosso mundo. Perdemos o contato com a natureza, perdemos a nossa identificação emocional com os fenômenos naturais. E com isso a sensação de estarmos isolados no Cosmos

O trovão já não é a voz de um Deus irado, nem o raio é seu projétil vingador, nenhum rio abriga mais um espírito, nenhuma árvore é o princípio da vida. Nosso mundo interior está liberto de todo esse primitivismo.

A mente consciente parece incapaz de nos ajudar. O homem de hoje se dá conta dolorosamente de que nem as suas várias filosofias parecem capazes de lhe fornecer aquelas ideias energéticas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as condições do mundo.

A conclusão de Jung sobre o inconsciente é que ele não é um repositório de todo o material descartado pelo ego, aquilo que o ego achou repugnante ou traumático. O inconsciente é também um acúmulo herdado de todas as experiências compartilhadas ao longo de nossa evolução, que, como parte da psiquê total, agia para auxiliar no equilíbrio pessoal.

 Jung descobriu que, frequentemente, o inconsciente entra em conflito com o ego e na medida em que começasse a desbloquear a linguagem simbólica de seu inconsciente, um confronto se desenrolaria naturalmente. Nesse confronto o ego do indivíduo e o inconsciente poderiam se relacionar de uma maneira nova, e o processo que Jung chamava de individuação se desenrolaria.

E, como resultado desse confronto entre o ego do indivíduo e o inconsciente, algo novo poderia surgir. Esse processo Jung chama de individuação.

A individuação, segundo Carl Jung, é o processo de desenvolvimento pessoal pelo qual um indivíduo se torna plenamente ele mesmo, integrando todos os aspectos de sua psiquê. Esse processo psicológico de desenvolvimento pessoal visa a realização plena do indivíduo. É um caminho de autoconhecimento e integração de diversas facetas da personalidade, incluindo o consciente e o inconsciente, resultando em uma personalidade mais compacta e harmoniosa

Na parte dois, “Os Mitos Antigos e o Homem Moderno”, Joseph L. Henderson explora a relevância dos mitos na vida contemporânea. Os mitos antigos ainda desempenham um papel importante na psiquê humana. Ele sugere (baseado em Carl Jung) que os mitos fornecem uma estrutura para compreendermos os nossos desafios diários. Funcionam como linguagem simbólica universal que transcende culturas e épocas. Ele discute os mitos na formação da identidade individual e coletiva.

Henderson também aborda a função dos mitos em rituais e tradições culturais, enfatizando seu papel na manutenção de coesão social e na transmissão de valores e sabedoria de geração em geração.

Um desses exemplo é a Páscoa e o Natal, e muitos outros feriados carregados de simbolismo. Apesar de o significado ter sido esquecido, ainda são relevantes para nós.

“Há um exemplo ainda mais surpreendente e que deve ser familiar a todos que nasceram numa sociedade cristã. No Natal manifestamos a emoção intima que nos desperta o nascimento mitológico de uma criança semidivina, apesar de não acreditarmos necessariamente na doutrina da imaculada concepção de Maria ou de possuirmos qualquer crença religiosa. Sem saber sofremos a influência do simbolismo do renascimento. São reminiscências de uma antiquíssima festa de solstício que exprime a esperança de renovação da esmaecida paisagem de inverno do hemisfério norte. Apesar de toda a nossa sofisticação, alegramo-nos com essa festa simbólica da mesma forma com que, na Páscoa, nos juntamos aos nossos filhos no ritual dos ovos ou dos coelhos” (pág. 139)

A ideia de Cristo, o redentor, pertence ao tema mundial do herói e salvador que, embora tenha sido morto, aparece novamente de forma milagrosa, tendo superado a morte.

O conceito de “símbolos eternos” refere-se a imagens e temas simbólicos que têm persistido ao longo do tempo e das culturas, mantendo um significado profundo e universal na psiquê humana. Esses símbolos são considerados eternos porque parecem emergir naturalmente do inconsciente coletivo, um conceito desenvolvido por Carl Jung para descrever estruturas mentais compartilhadas por toda a humanidade.

O mito do herói é o mais conhecido em todo o mundo. É encontrado na mitologia clássica na Grécia e de Roma, na Idade Média, e no Extremo Oriente e entre tribos primitivas contemporâneas. Aparece também em nossos sonhos.

Exemplos de símbolos eternos: A árvore da vida, que representa crescimento, conexão entre o céu e a terra. O círculo, que simboliza a totalidade e o ciclo contínuo. É associado ao sol e à ideia de infinito. A serpente tem significados variados e pode representar tanto a renovação e a cura quanto o perigo e a tentação. A Cruz, que é associada ao cristianismo. Mas ela simboliza a interseção do divino com o humano e a união dos opostos. A mandala é um símbolo de harmonia frequentemente usado em práticas de meditação para representar a totalidade do ser.

Jung desenvolveu outros conceitos fundamentais para entendermos a importância dos símbolos no inconsciente coletivo.

Um conceito fundamental da psicologia analítica de Carl Jung é o conceito de arquétipos. Os arquétipos são padrões universais de comportamento e imagem que residem no inconsciente coletivo. Esses padrões emergem dos mitos, sonhos, contos de fadas (“A Bela e a Fera”) e outras expressões culturais.

“A Bela e a Fera” pode ser vista como uma jornada simbólica de autodescoberta e integração onde os personagens aprendem a aceitar e a amar todas as partes de si mesmos, promovendo a transformação pessoal e a individuação.

No caso de “A Bela e a Fera”, citada por Hendersen, vemos o amor à fera, Bela desperta para o poder do amor humano disfarçado de uma fera animal:

“Esquecendo-se da feiura da Fera que agoniza, bela trata-a com desvelo. A Fera confessa-lhe incapaz de viver sem ela e que morrerá feliz só por tê-la visto voltar. Bela compreende então que ela não poderá viver sem a Fera, a quem ama. Confessa-lhe esse amor e promete aceitar o pedido de casamento, desde que a Fera se esforce em melhorar.

Nesse momento, o castelo enche-se de luzes e sons harmoniosos e a Fera desaparece. Em seu lugar, surge um formoso príncipe que conta a Bela ter sido encantado por uma feiticeira e transformado em Fera. A maldição acabaria quando uma bela jovem o amasse apenas por bondade” (pág. 179)

Emergem na literatura, no cinema e nas artes visuais para criar personagens e narrativas que ressoam profundamente com o público. Filmes de sucesso, como as sagas “Star Wars” e “Senhor dos Anéis”, usam arquétipos, como o herói, o mentor e a sombra, para construir histórias épicas e emocionalmente envolventes.

Na parte 3, Marie Louise von Franz aborda “O Processo de Individuação”. Jung apresentou o conceito de inconsciente, suas estruturas individuais e coletivas, e a linguagem simbólica.

Qual o papel que os sonhos representam na organização psíquica imediata do ser humano, mas na sua vida como um todo? Para Jung, os sonhos têm um papel significativo para quem sonha, mas também que são parte de uma única teia de fatores psicológicos. Jung descobriu que os sonhos obedecem a uma verdadeira configuração ou esquema. A este esquema, Jung chama de processo de individuação. E o que significa esse processo de individuação?

O processo de individuação, na visão de Carl Jung, é uma jornada interna que cada indivíduo empreende ao longo da vida com o objetivo de se tornar um ser único e autêntico. Em outras palavras, o processo de individuação é um processo de tornar-se você mesmo.

Como a individuação se manifesta?

Segundo Jung, a psiquê pode ser comparada a uma zona brilhante em sua superfície que representa a consciência. O ego é o centro dessa zona. O self é, ao mesmo tempo, o núcleo e a esfera inteira, seus processos reguladores internos produzem os sonhos. O self pode ser definido como um fator de orientação íntima. O self difere da personalidade consciente. Os gregos chamavam o self de “Daimon”, o interior do homem; no Egito, ele estava expresso no conceito de “Alma”. Os romanos adoravam-no como o “Gênio” inato a cada indivíduo. Nas sociedades primitivas, imaginavam-no como um espírito protetor.

O self pode ser definido como um processo de orientação íntima, diferente da personalidade consciente, e que pode ser apreendido por meio da investigação dos sonhos de cada um. E esses sonhos mostram-no como um centro regulador que provoca um constante desenvolvimento e amadurecimento da personalidade.

O ego ilumina o sistema inteiro permitindo que ganhe consciência e, portanto, que se torna realizado. Jung dá um exemplo: se por acaso possuo algum dom artístico, de que meu ego não está consciente, esse talento não se desenvolve e é como se fosse inexistente. Só posso trazê-lo à realidade se o meu ego notar.

O processo de individuação só é real se o indivíduo estiver consciente dele e, consequentemente, mantendo uma ligação viva com ele. O ego precisa se desembaraçar de todos os processos determinados e ambiciosos em benefício de uma forma de existência mais profunda e fundamental.

Segundo Carl Jung, o verdadeiro processo de individuação – isto é, a harmonização do consciente, com o nosso próprio centro interior (o núcleo psíquico ou self) – em geral começa infringindo uma lesão a personalidade, i acompanhado do consequente sofrimento. O ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e projeta essa frustração em algo externo. Ou seja, o ego passa a acusar Deus, a situação econômica, o chefe ou cônjuge como responsáveis por essa frustração. Algumas vezes, tudo parece bem externamente, mas no íntimo a pessoa está sofrendo de um tédio mortal que torna tudo vazio.

Por meio dos sonhos, passamos a conhecer alguns aspectos da personalidade que, por várias razões, havíamos preferido não olhar muito de perto. É o que Jung chamou de “realização da sombra”. As sombras representam qualidades e atributos desconhecidos ou poucos conhecidos do ego – aspectos que pertencem sobretudo à esfera pessoal e que poderíamos também ser conscientes.

A sombra expõe-se muito mais que a personalidade consciente a contágios coletivos. Ela não consiste apenas em omissões. A sombra pode se apresentar muitas vezes através de um ato impulsivo, inadvertido. Quando pensamos, ela pode explodir como uma observação maldosa, uma má ação, uma decisão errada e nos confrontamos com uma situação que não tencionávamos criar conscientemente.

Quando Jung chamou de “sombra” um determinado aspecto da personalidade inconsciente, referia-se a um fator relativamente definido. Tudo que o ego desconhece mistura-se à sombra, incluindo as mais nobres e poderosas forças.

Cabe ao ego renunciar ao seu orgulho e vaidade para viver plenamente o que parece sombrio e negativo, mas na realidade pode não o ser. Algumas vezes falham as tentativas de mensagens do inconsciente, e diante dessa dificuldade só resta a coragem para fazer o que nos parece melhor, apesar de devermos estar prontos para mudar o rumo das nossas decisões quando o inconsciente indicar ou sugerir subitamente uma outra direção.

Em algum lugar no aspecto mais profundo de nós mesmos, em geral sabemos aonde ir e o que fazer. Mas há ocasiões em que o palhaço que chamamos de “eu” age de forma tão irrefletida que a voz interior não consegue se deixar ouvir.

Dependerá muito de nós mesmos a nossa sombra tornar-se amiga ou inimiga. A sombra só se torna hostil quando é ignorada ou incompreendida. É preciso muita coragem para levar a sério o inconsciente e enfrentar os problemas que ele desperta. E se a maioria das pessoas é por demais indolente para refletir sobre os aspectos morais de seu comportamento consciente, não há de ser a influência exercida pelo inconsciente que irá perturbá-las.

Um outro ponto abordado por Jung é o conceito de anima ou elemento feminino.

Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psiquê do homem. Antigamente, utilizavam uma sacerdotisa (como Sibila na Grécia) para sondar a vontade divina e estabelecer uma comunicação com os deuses.  Segue abaixo um exemplo:

“Um bom exemplo de anima como uma figura da psiquê masculina é encontrado nos feiticeiros e profetas (xamãs) dos esquimós e de outras tribos árticas. Alguns chegam a usar roupas femininas, ou seios desenhados nas roupas de modo a evidenciar o seu interior feminino, que lhes vai permitir entrar em contato com “os pais dos espíritos” (isto é, com que chamamos inconsciente).

Cita-se o caso de um jovem que estava sendo iniciado por um velho xamã e que foi por ele enterrado em um buraco na neve. Caiu num profundo estado de sonolência e exaustão. Enquanto estava nesta espécie de coma, viu de repente uma mulher que emitia luz. Ela ensinou-lhe tudo o que precisava saber e, mais tarde, com o seu espírito protetor, ajudou-o a exercitar sua difícil profissão, pondo-o em comunicação com as forças do além. Esta é uma experiência que mostra a anima como personificação do inconsciente masculino.” (pág. 235; pág. 236)

Uma das funções do anima é pela escolha da esposa certa. Uma outra função: quando o espírito lógico do homem se mostra incapaz de discernir fatos ocultos em seu inconsciente, o Anima ajuda a identificá-los.

O outro conceito é o animus. Animus é a personificação do inconsciente masculino na mulher. Assim como o caráter do anima masculino é moldado pela mãe (anima), o animus é moldado pelo pai. É o pai que dá ao animus da filha convicções incontestavelmente “verdadeiras”, irretrucáveis e de um colorido todo especial – convicções que nunca têm nada a ver com a pessoa real que é aquela mulher. Por isso, o animus, tal como o anima, pode, algumas vezes, tornar-se o demônio da morte.

“Exemplo:

“Em um conto de fadas cigano uma mulher solitária acolhe um encantador estranho apesar de ter sido um sonho que lhe anunciava a chegada do rei da morte. Depois de estarem juntos por algum tempo ela insiste para que ele lhe diga quem é. A princípio a jovem recusa dizendo-lhe que ela morrerá se ele assim o fizer. Ela insiste, no entanto, e de repente ele lhe confessa que é a própria morte. Naquele mesmo instante, a mulher morre de medo.

O belo forasteiro é provavelmente, a imagem pagã do pai ou de um deus, que aparece aqui como o rei dos mortos (lembrando o rapto de Persófanes por Hades). Mas psicologicamente ele representa uma forma particular do animus, que afasta as mulheres de qualquer relacionamento humano e, sobretudo, de qualquer contato com os homens. Personifica uma espécie de “casulo” dos pensamentos oníricos, dos desejos e julgamentos que definem as situações como elas “deveriam ser” afastando a mulher da realidade da vida. (pág. 253)

 

Na parte quatro, 3Aniela Jaffè discute “O Simbolismo nas artes plásticas”. Jaffé menciona que os humanos diferem de outras espécies principalmente por sua capacidade de moldar símbolos e acreditam em seu poder.  Ela começa descrevendo como as pessoas usam o mundo visual e físico ao seu redor para criar semelhanças dos símbolos que são mais importantes para elas. Ela explica a relação entre a arte e a religião e a arte em si. Ela identifica três símbolos duradouros ao longo da história que aparecem em todas as formas de arte: a pedra, o animal e o círculo. Cada um desses símbolos teve um significado psicológico duradouro desde as primeiras expressões da consciência humana até as formas mais sofisticadas da arte do século XX.

O primeiro é a pedra. Pedras naturais eram consideradas morada dos espíritos ou deuses, e essas culturas utilizavam-nas como lápide ou marco de veneração religiosa. Os sonhos de Jacó, no Velho Testamento:

 E Jacó (...) foi a Haran. E chegou a um lugar onde passou a noite, porque, já o sol era posto, e tomou uma das pedras daquele lugar e a pôs por sua cabeceira, e deitou-se ali para dormir. E sonhou: e eis uma escada colocada na terra, cujo topo alcançava os céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela. E eis que o Senhor estava em cima dela e disse: “Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaac: e esta terra em que está deitado, te darei a ti e à tua semente”

Acordado de seu sono, disse Jacó: “Certamente o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia. “E temeu, e disse: Que terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus, e é esta é a porta dos céus. “Então levantou-se Jacó de manhã cedo e tomou a pedra que tinha posto por sua cabeceira e a pôs por coluna, e derramou azeite em cima dela. E deu àquele lugar o nome Bethe-el. (pág. 313)

A animização da pedra é explicada como a projeção de um conteúdo mais ou menos preciso do inconsciente sobre ela. Os humanos conceberam a noção de que as pedras podem ter um significado mais profundo se esculpidas ou gravadas. As pedras foram as primeiras representações visuais, os símbolos humanos mais antigos.

O segundo motivo simbólico foram os animais. As pinturas paleolíticas das cavernas consistem inteiramente em figuras de animais cujos movimentos e posturas foram observados na natureza e reproduzidos com grande habilidade artística.

Os babilônios projetavam seus deuses nos céus sob a forma de signo dos zodíacos, o leão, o escorpião, touro, peixe. Na mitologia grega, encontramos inúmeros símbolos de animais. Zeus (o pai dos deuses) se aproximava das jovens sob a forma de cisne, sob a forma de touro ou de uma águia. Na mitologia germânica, o gato é consagrado, como um homem anjo à deusa Freya, enquanto o javali, o corvo e o cavalo são a Wotan. Algumas tribos africanas, os animais e as máscaras de animais têm um papel importante O rei, é como se fosse o rei dos animais vestidos de leões ou leopardos. No século XX Hailé Selassiê era chamado o Leão de Judá.

Mesmo no cristianismo, o simbolismo animal representa um papel surpreendentemente importante. Três dos evangelistas têm emblemas de animais. São Lucas, o boi; São Marcos, o leão; São João, a águia. O próprio Cristo aparece representado como o cordeiro de Deus ou como peixe.

A profusão de símbolos animais na religião e na arte de todos os tempos não acentua apenas a importância do símbolo: mostra também o quanto é vital para o homem integrar em sua vida o conteúdo psíquico do símbolo, isto é, o instinto.

O círculo é o último motivo explorado por Aniela Jaffé em termos de arte e símbolo. Os humanos sempre usaram círculo como o símbolo de totalidade e completude. Jung equiparou isso simbolicamente a uma representação de um arquétipo do Self. O quadrado aparecerá com o círculo em vários motivos da arte antiga. Esse acoplamento do quadrado e do círculo representa uma natureza dual de totalidade na matéria (o quadrado) e na psiquê (o círculo)

Ele expressa a totalidade da psiquê em todos os aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza. O círculo indica sempre o mais importante aspecto da vida - sua extrema e íntegra totalização.

Nas artes plásticas da Índia e do Extremos Oriente, o círculo de quatro ou de oito raios é o padrão habitual das imagens religiosas que servem de instrumento à meditação. O círculo abstrato aparece na pintura zen. No  zen o círculo representa o esclarecimento, a iluminação. Simboliza a perfeição humana. Mandalas abstratas também aparecem na arte cristã europeia. Alguns dos mais admiráveis exemplos são as rosáceas das catedrais, representam o Self do homem transposto para o plano cósmico. Podemos considerar as mandalas como auréolas de Cristo e das santas cristãs das pinturas religiosas.

No plano da arquitetura, inúmeras cidades medievais foram edificadas sobre o  plano baixa de um modelo rodeado de muralha de forma circular. Toda a construção religiosa ou circular é baseada no plano da mandala, é uma projeção de imagem arquetípica do interior do inconsciente humano sobre o mundo exterior. A cidade, a fortaleza e o templo tornam-se símbolos da unidade psíquica e, assim, exercem influência.

A arte moderna (segundo Jaffé e Jung e muitos outros mitólogos e antropólogos) não é realista e nem compreensível por causa do excesso de racionalidade dada aos seres racionais e por causa do quanto eles ignoram o inconsciente.

“Como o dr. Jung mostrou em seu capítulo, é o consciente que detém a chave dos valores do inconsciente e que, portanto, representa a parte decisiva da reconciliação. Só o consciente é competente o bastante para determinar o significado das imagens, reconhecer o seu sentido para o homem, aqui e agora, na realidade concreta do seu presente. É apenas na interação do consciente com o inconsciente que este último pode provar o seu valor e, talvez mesmo, revelar uma maneira de vencer a melancolia e o vazio. Se o inconsciente, uma vez ativado, for abandonado a si próprio, há o risco de os seus conteúdos se tornarem dominadores ou manifestem o seu lado negativo ou destruidor.

Se observarmos os quadros realistas (como a girafa em fogo, de Salvador Dali) tendo essas considerações em mente, podemos sentir a riqueza e a fantasia e a pujança das imagens inconscientes desses artistas, e ao mesmo tempo constatamos o horror e o simbolismo de um fim para todas as coisas que emanam de tantos deles. O inconsciente é natureza pura e, como a natureza, distribui prodigamente as suas dádivas. Mas, entregue a si próprio e sem reação humana da consciência, pode (mais uma vez tal como a natureza) destruir seus dons, e mais cedo ou mais tarde aniquilá-los.” (pág. 347)

Quanto mais faziam isso, mais a arte moderna passava a refletir o obscuro, o ambíguo e o inconsciente difícil de decifrar como um contrapeso. A arte moderna é uma reação à ascendência da estrutura da era tecnológica e científica extremamente racional que reina nesta época atual. Quanto mais a sociedade passou a adorar o ego hiper-racional, mais a arte moderna reflete o contrapeso do inconsciente. A arte reflete os temas predominantes da psiquê em uma determinada era. Na opinião de Jaffé, em nossa era a arte se retirou da realidade.

Na quinta parte do livro, Jolande Jacobi fala sobre “Símbolos em uma Análise individual”. Neste ensaio, Jacobi aborda o material simbólico apresentado durante uma terapia junguiana. Jolande Jacobi apresenta um caso individual de uma análise bem-sucedida. No entanto, uma coisa precisa ser destacada: não existe uma análise junguiana típica. Não pode haver, porque cada sonho é uma comunicação privada e individual. Resumindo, cada análise junguiana é única.

O ensaio fala sobre várias sessões. O paciente se chama Henry, que vive no distrito rural do leste da Suíça. Seu pai, de família camponesa protestante, era clínico geral. Henry o descreve como um homem de elevados padrões morais, mas alguém extremamente recolhido dentro de si mesmo e com grandes dificuldades de se relacionar com outras pessoas. Era, segundo Henry, melhor pai para seus pacientes do que para seus filhos.

O motivo de sua vinda não era devido à neurose, mas queria se ocupar de sua psiquê. Henry preferia os livros à sociedade; sentia-se inibido entre as pessoas e frequentemente se atormentava com dúvidas e autocríticas. Era bastante culto para sua idade e tinha uma inclinação para o intelectualismo estético.

Chegou a se relacionar com uma menina e pensou em se casar. No entanto, apesar das inúmeras qualidades de sua namorada, preferiu ficar sozinho e adquirir maturidade antes de assumir um matrimônio. Henry sentia-se mais próximo da mãe, que era uma mulher dominadora. E sentia-se a necessidade de se desligar dela. Durante as 35 sessões, ele contou cinquenta sonhos. Contou algumas recordações de infância de importante sentido simbólico.

Henry possui uma mente lógica, ele reprime tudo que é “irracional”, dando lugar a uma psiquê desiquilibrada. Ele possui uma relação de dependência com sua mãe. Ele está preso e incapaz de seguir em frente na vida devido a uma tensão contínua com o instinto e sua anima.

Jacobi ilustra os símbolos e os motivos dos sonhos de Henry e demonstra como eles refletem claramente a dinâmica inconsciente. Muitos dos motivos e símbolos apresentados por Henry são altamente intelectualizados, mas a simples ampliação e associação mostram um tema contínuo de tensão com o instinto e o domínio do lado negativo do feminino em sua psiquê. Símbolos de introversão extrema (um medo do mundo exterior) são simbolizados por imagens oníricas de muros de pedras e grades. Ele mostra um motivo de medo de olhar para água (medo do feminino e do inconsciente). Em sonhos futuros, Henry apresenta um motivo que expressa seu medo de misturar sentimentos de apego com sexualidade e sensualidade. Nesta série de sonhos, Henry apresenta o motivo de monges e em outro sonho de visitar um bordel como um militar.

Ao longo de sua análise e interpretação dos sonhos, ele é capaz de explorar o inconsciente e atingir um nível de maturidade que se refere à realidade externa de sua vida, à medida que supera com sucesso seus complexos, consegue se casar e sair de casa, tornando-se um adulto autossuficiente e responsável.

Esse fortalecimento do ego completa a primeira metade do processo de individuação. A segunda metade da vida consiste no estabelecimento de um relacionamento correto entre o ego e o Eu. Para Jung, a única aventura real que resta a cada indivíduo é a exploração de seu próprio inconsciente. O objetivo final de tal busca é a formação de um relacionamento harmonioso com o Self.

A conclusão, escrita por Marie Louise von Franz, afirma que a natureza da psiquê e os arquétipos são ainda desconhecidos. As teorias e práticas de Jung apenas nos dão uma vaga ideia de quão cruciais esses arquétipos influenciam cada aspecto da vida das pessoas. Os arquétipos existem em cada momento da atividade humana. Ela explica em “O Homem e seus Símbolos” que os arquétipos fornecem uma porta de entrada para investigação e possibilidade. Não é uma receita de bolo.

Ela discute como o trabalho de Jung contribuiu para vários campos de investigação, incluindo literatura e arte, música, antropologia e psicologia. As teorias de Jung desencadearam novas teorias no campo da biologia, onde há implicações em processos inconscientes. Como foi o caso de Darwin e Wallace sobre a teoria da evolução, os quais chegaram às mesmas conclusões sobre a teoria da evolução simultaneamente, mas por caminhos diferentes. “

“A física americana Maria Meyer, Prêmio Nobel de física em 1963. Sua descoberta- a respeito da construção do núcleo atômico – foi obtida, como tantas outras descobertas científicas, como resultado de um lampejo intuitivo (provocado por uma observação ocasional de um colega). Sua teoria mostra que o núcleo consiste de conchas concêntricas: a mais central contém dois prótons ou dois nêutrons, a seguinte contém oito, de um ou de outro, e assim por diante, numa progressão que ela chama de “números mágicos” – 20, 28, 50, 82, 126. Há uma relação evidente entre esses arquétipos da esfera e dos números.” (pág. 423)

E aqui Jung nos fornece o conceito de sincronicidade, que é vista como um caminho para explorar o inconsciente e entender melhor os processos internos e os significados profundos que influenciam a vida de uma pessoa.

“As‘Coincidências significativas’ semelhantes podem ocorrer quando há uma necessidade vital de o indivíduo saber, por exemplo, da morte de um parente ou de algum bem perdido. Em muitos casos, tais informações são obtidas por meio da percepção extrassensorial. Tudo isso parece sugerir que podem ocorrer fenômenos paranormais devido ao acaso quando surge uma necessidade ou um impulso vital; o que, por sua vez, explica por que certas espécies de animais sob grande pressão ou grande necessidade, podem produzir mudanças “significativas” (mais acasuais) na estrutura orgânica.”  (pág. 422)

Marie Louise Von Franz traça vários paralelos entre as descobertas da física, capacidades simbólicas da mente humana e uma hipótese muito real de uma estrutura arquetípica para a psiquê que é herdada através da evolução, da mesma forma que todas as espécies herdam um plano de projeto para o desdobramento filogenético do indivíduo dentro da espécie.

“Mesmo cientistas e pensadores de uma época relativamente recente apoiaram-se em imagens semimitologicas e arquetípicas na criação de novos conceitos. No século XVII, por exemplo, a absoluta validade da lei da causalidade parecia a Renê Descartes estar “provada” pelo fato de que “Deus é imutável nas suas ações e decisões”. E o grande astrônomo germânico Johannes Kepler assegurava que, em razão da Santíssima Trindade, o espaço não poderia ter nem mais nem menos do que três dimensões.” (pág. 423)

As atividades conscientes e inconscientes estão envolvidas nas experiências microfísicas, e não podem ser eliminadas. Jung percebeu que o relacionamento entre o consciente e o inconsciente forma também um par complementar de contrários.

“Cada novo conceito que vem do inconsciente é alterado na sua natureza básica ao ser parcialmente integrado na mente consciente do observador”. (pág. 425)

Jung faz uma analogia entre a psicologia e a física e sugere uma possível unicidade final em ambos os campos da realidade que a física e a psicologia moderna estudam, isto é uma unidade de todos os fenômenos da vida. Para Jung, o inconsciente liga-se de uma certa maneira à matéria inorgânica, uma união que as doenças psicossomáticas também parecem indicar. Jung preparou caminho para essa perspectiva unitária ao indicar que um arquétipo mostra um aspecto “psicoide” (isto é, não puramente psíquico, mas quase material)

Mas fico por aqui e sugiro essa leitura para todos que frequentam o site. E posso dizer sem pestanejar: “O Homem e seus Símbolos”, de Carl Gustav Jung, merece um lugar de “HONRA” na sua estante.


Data: 01 outubro 2024 (Atualizado: 01 de outubro de 2024) | Tags: Psicanálise


< Os filhos de Saturno
O Homem e seus Simbolos
autor: Carl Gustav Jung
editora: Nova Fronteira
tradutor: Maria Lúcia Pinho
gênero: Psicanálise;

compartilhe