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Nuvem Negra

“Nuvem Negra", da escritora Eliana Cardoso, foi um livro que me pegou da primeira à última página. Não consegui parar de ler. A história é muito boa. E sua narrativa concisa torna a leitura ágil e fluida.

O livro começa com uma afirmação da narradora, que no restaurante chamado Cozinha de Kalu, na cidade de Manaus, diz:

Esta história não é inventada, mas verdadeira. Mesmo quando precisei usar um pouco de imaginação para preencher os detalhes das cenas às quais não assisti. Mas participei de muitas outras, ganhando conhecimento das pessoas que compartilharam da amizade de João, e convivi com elas. Observei o carinho que ele percorreu. Pesei indícios. Estabeleci ligações. E não vou negar que lhe tenho muito carinho.” (pg 11)

A narradora, cujo nome é Ana, é uma frequentadora do restaurante Cozinha de Kalu e aos poucos conhece um homem chamado João da Silva, 55 anos, marido de Kalu, a cozinheira que produz a melhor comida da cidade de Manaus. Ana passa a frequentar o restaurante e dessas conversas surge seu interesse em fazer a biografia de João.

A história começa com o nascimento de Manfred Mann, numa segunda-feira de 1944, em que Amélia, sua mãe, bendizia o nascimento do filho ao dia do Buda da Paz, aquele com o braço direito estendido, o pulso dobrado para cima, a palma da mão erguida para trazer paz e sossego.

Pieter Mann, avô de Manfred Mann, imigrou da Alemanha ainda jovem, aos 19 anos, para o Brasil. Um homem desprovido de amigos que acabou em Minas Gerais, numa pequena fazenda perto de Belo Horizonte. Seu português foi ensinado por Betina, sua mulher (avó de Manfred Mann), filha de imigrantes italianos. Casou-se em 1913 e seu filho Gustavo nasceu em 1914. Vinte anos mais tarde nasceria Carlota, irmã de Gustavo e conhecida como Lotta. Gustavo formou-se em engenharia e casou-se com Amélia.

À medida que a Segunda Guerra começava a dar uma reviravolta, Getúlio Vargas, que até então mantinha uma relação de bastante proximidade com a Alemanha de Hitler, toma o caminho inverso quando três navios da marinha mercante brasileira afundam perto da costa. A partir daí, começa a apoiar os aliados cedendo inclusive bases para os aviões americanos e enviando tropas. Mas, como sempre, jogando suas ações políticas para o público interno e externo, declara guerra à Alemanha. Getúlio Vargas resolve prender todos os descendentes de alemães no Brasil. E Pieter, apesar de morar no Brasil há bastante tempo, acaba preso por ser alemão. Após passar muito tempo de sofrimento na cadeia, seus fantasmas acabam dominando sua vida pós-prisão por não ser um brasileiro, mas um imigrante sem pátria, somado a uma grande solidão, o que acabou criando uma relação de não pertencimento ao Brasil, culminando com o suicídio dele e o de Betina em sua fazenda nos arredores de Belo Horizonte.

Após a morte do avô, o menino Manfred Mann transformou-se em um garoto inseguro, que tinha, por exemplo, visões de precipícios ao lado da cama, de demônios, de duendes estampados na cortina de seu quarto. Tudo isso acabou moldando a personalidade insegura de Manfred Mann. Sua tia Lotta mantinha com Gustavo (pai de Manfred Mann), seu irmão, uma relação difícil por causa da política. As discussões ganhavam feições cada vez mais violentas. No entanto, com seu sobrinho Manfred Mann ela mantinha um enorme carinho.

Gustavo mudou-se para os EUA para trabalhar no Banco Mundial. A família, leia-se, Manfred e Amélia – com exceção de Lotta, que ficara no Brasil estudando letras e terminando seus estudos – foram com ele. O relacionamento de Gustavo e Amélia equilibrava-se entre a indiferença de Gustavo (o tosco) e a violência, principalmente quando ele voltava para casa após suas viagens internacionais. Estamos na década de 1960, Manfred forma-se em engenharia. Sua mãe Amélia recolhe-se para dentro de si mesma, e as nuvens negras anunciam uma tempestade. Amélia morre em circunstâncias estranhas presenciadas pelo filho.

Na formatura de Manfred em Rhode Island, seu pai, Gustavo (o tosco), não aparece. Seus planos para um mestrado na mesma universidade estavam selados. Mas dessa vez um AVC derruba de vez seu pai, Gustavo (o tosco), que acaba falecendo. Sua herança é uma casa já quitada e uma pequena poupança. Resolve voltar para São Paulo. Compra um apartamento, conhece o empreiteiro Damião de Barros e acaba sendo adotado pela elite local. Conhece Glória, uma mulher belíssima, extremamente descolada, uma espécie de diretora da escola de boas maneiras. Casam-se. Levam uma vida solar. Até que uma nuvem negra aparece e eu fico por aqui.

Não é justo para com você, leitor, entregarmos a história de bandeja, ou seja, um spoiler. Mas fica uma pergunta: quem é João da Silva, mencionado no segundo parágrafo desta resenha, que a narradora desta história conhece? Quem é Manfred Mann? Termino esta resenha citando o poeta romântico Gérard Nerval, que disse:

O homem é duplo ou múltiplo, pois carrega a ideia de desdobramento, já que a identidade é uma dualidade sujeita a indefinidas ressonâncias e disfarces”.

Leiam “Nuvem Negra”, de Eliana Cardoso. Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 22 maio 2017 (Atualizado: 22 de maio de 2017) | Tags:


< O Primo Basílio O Longo Adeus >
Nuvem Negra
autor: Eliane Cardoso
editora: Companhia das Letras

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