Matias na cidade
Quem gosta de ler e tem livros em casa sabe, por experiência própria, que existem livros que sempre vemos na estante, pegamos, damos uma olhada, mas por uma razão ou outra, sua leitura sempre fica adiada em função de uma lista de outros livros que estão esperando sua vez em uma pilha ao lado. Acaba-se postergando para uma próxima vez. Pois bem, esse livro para mim chamava-se “Matias na Cidade”. Estava namorando esse livro desde 2005, quando foi lançado. Um “namoro” mais que sério, até que “aconteceu”. Entre as caixas de uma mudança de apartamento, “Matias” caiu em minhas mãos e fomos juntos para o novo endereço. E confesso que foi uma surpresa prazerosa. Uma companhia e tanto. Valeu a espera. Ao contrario de um filme que demora umas duas horas de duração, um livro pode levar dias para ser lido. “Matias na Cidade” é o oposto. Em um dia, você lê numa tacada só.
Ao contrário de autores que ao narrar uma simples cena demoram quase cinquenta páginas, aplicando nos leitores o quase efeito do popular “boa noite cinderela”, levando-os a um sono abissal, sem se darem conta em que página “apagaram”. Muito pelo contrário, a narrativa de “Matias na cidade” não gera “apagões”.
Alexandre Vidal Porto, autor e dono de um estilo claro e direto, apresenta neste romance de estreia a história do encontro entre: um homem, uma mulher e um casamento. Com ironia e sensibilidade, revela a conturbada rotina de um casamento ocultada sob a fachada de um relacionamento convencional. Seu estilo límpido aborda questões como a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos no mundo moderno. “Matias na Cidade” é uma fotografia ampliada do homem contemporâneo, tão ávido pela liberdade que se deixa guiar pelos sentidos - sucumbindo a desejos e descartando relações afetivas.
"Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?"
Este é Matias Grappeggia: solitário e mulherengo, um homem como tantos outros. Casado há vinte e quatro anos, considera sua vida em equilíbrio. Bem sucedido profissionalmente, já não tem mais ambições de felicidade pessoal. Matias nos mostra que estamos todos propensos a encenar relações descartáveis e viver episódios românticos variados, como os apresentados nos seriados de TV, com os quais tantos homens e mulheres se identificam.
Ao mesmo tempo sentia-se como em um roteiro de filme pornô, em que diálogos não precisam fazer sentido.
Os equívocos amorosos de Matias divertem os leitores, suas misérias afetivas são acompanhadas com um sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de “esconde- esconde” afetivo. Sua aliança permanece no mesmo dedo anular esquerdo. Tudo muito sem culpa.
"No banho, tentou lembrar-se da mulher da noite passada, mas sua memória já não registrava todas as mulheres que levava para a cama. Cem rostos, cem nome diferentes vieram-lhe a cabeça. Talvez eu trepe demais, pensou.”
Mas não sejamos tão severos com o nosso Matias. Ele é capaz de grandes gestos como vocês poderão perceber quando lerem o livro. Sua mulher Susana nunca conseguiu gostar de sexo.
“Transava com o marido como obrigação cotidiana, sem razão que o justificasse. Algo semelhante ao que ocorria quando fazia suas viagens ao exterior, visitava todos os museus para que a viagem se consumasse.
O livro “Matias na cidade” mostra a fragilidade de alguns casamentos e as dificuldades encontradas em admitir e assumir uma separação. Susana, sua mulher, é parte inseparável de Matias
“Para Matias, a fidelidade tornara-se o amigo que não se vê há anos, cujas as feições evocam sentimentos bons, mas que não identificamos muito bem”.
Uma pergunta que o leitor vai fazer quando ler o livro será: “por que Matias não se separa de Suzana?” Em minha opinião é que na verdade Matias morre de medo de conviver com o espectro da despedida. Isso é o que eu acho. E você, leitor? Daria uma boa discussão.
E Susana? Ela ostenta um desejo que não tem, Matias se tornou seu limite e sua referência como mulher e de tanto segui-lo, acabou perdendo-o de vista e se perdendo.
Esse homem que na busca de relacionamentos não abre mão de sua liberdade, busca o outro apenas pelo horror que tem da solidão. Matias se encanta com a fábula criada por ele, sobre ele mesmo, costurando surpresas e desencantos, sem pensar no que tarda, nem no que madruga, mas inserido no cenário de sua própria medíocre invenção cotidiana.
O romance “Matias na Cidade” é um livro inteligente. Seus personagens são factíveis. Eu já conheci muitos “Matias” no Rio de Janeiro. Seus personagens são modernos, urbanos e universais. Matias sonha com um orgasmo infinito, onde as mulheres são o coroamento de seu narcisismo, apenas uma paisagem dos seus desejos. Satisfação plena sem sofrimento ou realidade.
“...Bonita mulher. Tem cara de quem muda as marchas no tempo certo. Segura o volante com firmeza, mas empenha energia demais para dirigir. Provavelmente não se envolve emocionalmente com ninguém
Vale à pena a leitura desse romance. Excelente. Agora já voltou para a estante. Devidamente lido.
Valeu a pena esperar.