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Manuscritos do Mar Morto

Porque estou indicando este livro? Pode parecer estranho o que vou falar, mas jamais passou pela minha cabeça lê-lo. O momento de vida pelo qual ainda estou passando, perdi meu pai há um mês, não me pedia começar uma leitura desse tipo. Ainda me encontro em luto por ter perdido o “maior” amigo que tive em toda a minha vida. Portanto, não havia motivos para começar a ler um livro cuja temática me passa longe. Pois bem, encontrei uma representante da Editora Novo Conceito que me convenceu a ler. Pensei cá com os meus botões. Será? Quer saber? Vou nessa, mesmo com má vontade. Quem sabe?

No momento em que comecei a ler e, percebendo a velocidade da narrativa, as cenas surpreendentes chicoteando a minha tela mental, não consegui mais parar. Simplesmente devorei 477 páginas em dois dias. E devo confessar que, se o romance tivesse mais 500 páginas com o mesmo grau de cenas rápidas e com trama e subtramas bem elaboradas levando o leitor à loucura das madrugadas, encararia as outras 500 numa boa.

E outra coisa. Faço um desafio a todos que gostam desse gênero de romance. Seria uma tarefa hercúlea não ver certas semelhanças entre esse livro e o “Código da Vinci” de Dan Brown. Eles compartilham alguns momentos comuns, mas nada idênticos. Um velho segredo vindo da antiguidade que assume uma importância na contemporaneidade, um grupo de pessoas determinadas a garantir esse segredo e os investigadores determinados a descobrir a verdade. Se esse livro é tão bom como Código da Vinci, digo que não é. É muito melhor. E desafio nossos leitores a dizerem o contrário.


O livro começa já com ação, o que sem dúvida caracteriza o início da velocidade de um bom thriller. A queda de um avião e o sumiço da sua caixa preta já faz o leitor curioso pensar: “Caramba, o que vem mais por aí?” A partir daí, a trama envolve alguns acadêmicos, um deles percebe que um texto dos Manuscritos descobertos, desapareceu. E esse documento revela que Judas era o Messias, e não Jesus, e quando eles planejavam revelar essa descoberta para o mundo foram misteriosamente assassinados.

Apenas um detalhe. O evangelho de Judas é um evangelho apócrifo que foi atribuído aos gnósticos em meados do século II composto de 26 páginas de papiro escrito em copta dialectal. Este Judas não é o Iscariotes. Esse Judas era o irmão de Thiago e supostamente irmão de Jesus. Essa cópia ficou desaparecida por quase 1700 anos, a única cópia do documento foi publicada pela National Geografic. O manuscrito autenticado, datando do século III ou IV (220 a 340 D.C.) é uma cópia da versão mais antiga em grego. Contrariamente à versão dos quatro Evangelhos oficiais, este texto menciona Judas como o discípulo mais fiel a Jesus, e aquele que mais compreendia seus ensinamentos.

O trecho mais polêmico é atribuído a Jesus, dizendo a Judas: “Tu vais ultrapassar todos. Tu sacrificarás o homem que me revestiu”. Segundo o pensamento gnóstico, esta frase significaria que com a delação Judas estaria contribuindo para que Jesus Cristo pudesse libertar o seu espírito, livrando-se de seu invólucro carnal, o corpo.

Voltando ao livro. Com o desparecimento desse acadêmico surge em cena uma personagem estranha, uma policial londrina chamada Heather Kennedy, cuja  carreira está indo para o famoso lugar nenhum. Tudo isso causado pelos colegas chauvinistas que a boicotavam em tudo. Seu chefe, um preguiçoso que adora os holofotes da mídia para promover a própria carreira, lhe entrega um caso que não tinha sido investigado de maneira correta. Seu assistente Harper é seu único elo com a polícia. Estava queimada na polícia. Mas na medida em que as investigações avançam eles percebem que há muito mais coisas envolvidas. Todos os crimes seguiam um padrão e no coração desse padrão encontra-se o antigo manuscrito. Mas aos poucos esse padrão é revelado. E não há a menor dúvida que existe algo sobre esse famoso manuscrito que vale a pena matar.

O mistério em torno do Codex e da origem de homens e mulheres, chamados “os mensageiros” e a qualidade dos pesadelos que produzem para realizar seus planos são de arrepiar e altamente convincentes. Eram movidos a “kelalit” uma droga que alterava a percepção e a interface entre o usuário e o mundo. E como essa droga funciona?

“A realidade se tornava uma pantomima, banhada em sépia e movendo-se com a morosidade do melado. A mente fica mais rápida, os movimentos mais certeiros: a sensação geral era de uma consciência ampliada e, mesmo assim, paradoxalmente, as coisas reais haviam perdido muito de sua vivacidade, sua “essência”. Visões, sons, texturas, sabores: todas as coisas se nivelavam numa única dimensão, tornando-se – ele não conseguia pensar de uma forma mais clara de expressar isso – como esquemas de si mesmo.”( pg. 353)

Seu assistente Harper informa que dois membros da equipe do professor, trabalhando no mesmo documento, também morreram de forma suspeita. Quando o quarto membro dos pesquisadores foi morto, as coisas assumiram outro grau de complexidade.

Heather Kennedy não é uma policial do tipo cheirosinha, boa menina como pensávamos, ela é dura na queda. É lésbica e sofre os preconceitos de seus colegas.  Ela é difícil e independente. Para ela branco é branco, preto é preto. É assim que ela vê o mundo. As revelações sobre sua personalidade não são entregues em um pacote que exigem de nós algum interesse em pegar. Aos poucos ela se revela e embarcamos com ela. Heather precisa manter o controle sobre tudo a sua volta. Tem um senso de dever, de fazer as coisas certas, e o que precisa ser feito. Ela sofre em silêncio e cabe a nós captarmos alguns pedaços dessa dor.

Outro personagem, que aos poucos vai adquirir a confiança do leitor, é Leo Tillman, um herói que foi danificado pelo desaparecimento de sua mulher e seus dois filhos. Não é um paladino da virtude. Não é solar. As sombras estão em cada momento em que tem que agir. E sabe que a busca da verdade que ele tanto quer, está colocando o mundo contra ele. Sabe exatamente o que está fazendo, que suas pontes estão sendo explodidas e não mede as consequências de seus atos. Ele tem a força motriz para ir até o fim e descobrir o que foi tirado dele há 13 anos. Em todos esses anos de busca nas profundezas do seu desespero. E esse desespero tem um nome, Michael Brand e uma misteriosa organização.

Heather Kennedy conhecerá Leo Tillman e juntarão forças para desvendar um mistério milenar que envolve a morte de Cristo e o lendário Judas. Quando as suspeitas e as investigações os levarem para o Manuscrito do Mar Morto e o evangelho mortal escondido dentro deles. Tillman e Heather vão ter muito para se preocuparem com suas existências. “Os Mensageiros” são um bando de assassinos sinistros que choram lágrimas de sangue estimuladas pela droga “kelalit” e se julgam descendentes de Judas.

A profundidade da investigação é impressionante, o autor realmente se debruça sobre os manuscritos e ao pesquisá-los nos mostra e ao mesmo nos explica um monte de coisas. E o interessante é que ninguém sabe de nada sobre este mundo em que se encontram, e cabe a nós leitores confiarmos no que está sendo dito. Transformamo-nos em Heather Kennedy e Leo Tillman. Mensagens ocultas nos Evangelhos, segredos indizíveis e seitas assassinas, tudo isso dentro de um script elegantemente escrito, com um roteiro eficiente. Você efetivamente entra na história. E não consegue mais voltar. Adam Blake não deixa você sair dela. Você está preso. E só conseguirá sair no fim da história. Adam Blake? Vamos dar essa cola para o leitor. O autor em questão é o pseudônimo usado pelo escritor britânico Mike Carey. E quem é esse autor? Foi ele o escritor de uma das séries mais importantes dos quadrinhos mais populares no mundo: X Men e Quarteto Fantástico.

Esta sociedade oculta que atua na mais alta clandestinidade, na medida em que as páginas vão sendo deixadas para trás, ficamos boquiabertos com as descobertas para algumas perguntas que vão sendo feitas. A audácia do autor que não faz rodeios e menciona esse mundo maluco em que vivemos com seus segredos.

Na capa do livro vemos os seguintes dizeres: um livro que fará você pensar: será possível? Bem, se entendermos a coisa no sentido metafórico, podemos assegurar que sim. Estarei forçando a barra? Não! Com que bases você pode afirmar o que está escrito na capa? Simples. Os seres humanos são criaturas que procuram sentido. A linguagem desempenha um papel importante nessa busca. A linguagem não é apenas um meio de comunicação que nos ajuda a desvendar coisas que não sabemos. A linguagem é um código complexo e misterioso. Há algo que sempre fica não dito; algo que permanece inexprimível. A Bíblia, que tanto para os judeus como para os cristãos é a palavra de Deus que serve de guia, é uma presença. As pessoas baseiam suas vidas nesses escritos. E hoje, quando vemos o sectarismo em nome de Deus em todas as religiões e de seus ensinamentos, chegamos à conclusão de que a linguagem perde a transcendência e se reduz a imanência do político. E os mensageiros de Deus proliferam. Atuando em surdina e fazendo os seus jogos de força.

Mas existe algum livro que menciona isso? Existe. Basta que leiam.

“Ah, pelo amor de Deus, sargento! Todo mundo mata por palavras! O que mais  poderia motivar as pessoas a matar? Dinheiro? Dinheiro são as palavras de um governo dizendo que você vai ganhar ouro. Leis são palavras de juízes dizendo que tem permissão para viver livre e quem não tem Bíblias... Bíblias são palavras de Deus dizendo que você pode fazer todas as coisas horríveis, pavorosas que quiser, pois vais ser perdoada de qualquer jeito. Tudo se resume as palavras. E em todos os casos as pessoas que matam por elas são aquelas que pensam que as possuem”(pg. 337)

“Alguns postularam que a interpretação inflexível da palavra de Deus é a própria essência do fundamentalismo. A palavra divina, para o fanático, é materializada – é uma coisa física, um fato da existência e, já que é também a pedra fundamental da existência, deve ser reverenciada. Não parece haver um limite racional para quão longe as pessoas com essa mentalidade vão para se vingarem daqueles que elas encaram como inimigos da palavra.” (pg. 345)

Manuscrito do Mar Morto é um thriller magistralmente bem concebido e cada episódio segue naturalmente o que se passou antes. E fiquem certos. O livro contém reviravoltas espetaculares, um elenco de vilões desagradáveis e enigmas magistralmente inteligentes que vai fazer você adivinhar todos os caminhos. Mas só conseguirá com Heather Kennedy e Leo Tillman guiando seu olhar.

Um thriller que merece um lugar nas suas férias.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Suspense


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Manuscritos do Mar Morto
autor: Adam Blake
editora: Novo Conceito
gênero: Suspense;

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