Complô contra a América
Meus amigos (as), leitores desse espaço, preciso fazer uma confissão. Existem determinados autores que ao elogiar sinto-me um pouco enfadonho pela repetição dos elogios. Quando leio Philip Roth, por exemplo, sinto-me seguro que vou ler um romance maravilhoso. E o romance “Complô contra América” para mim chega a ser vertiginoso de tão bom. Digo isso por uma simples razão, o livro é absolutamente atual, e mais do que isso, é uma profecia que está sendo realizada, nos dias de hoje. Farei essa resenha fazendo uma conexão com uma nova era que estamos começando, a era Trump.
Uma breve introdução. Philip Roth é amplamente considerado entre os maiores escritores vivo da América. Ele ganhou quase todos os grandes prêmios literários, incluindo um Prêmio Pulitzer (em 1997 pelo livro Pastoral Americana) Em 2007, ganhou o Prêmio PEN/Faulkner pela terceira vez e o primeiro PEN/Saul Bellow.
George Orwell escreveu seu “1984”, em 1949, e viu um futuro catastrófico sob o olhar do Big Brother. Escrito em um cenário de duas guerras mundiais devastadoras, previa um mundo onde ninguém é livre. O livro está bombando nas livrarias americanas e européias, parece que o autor escreveu o livro esse ano. Franz Kafka escreveu “O Processo” uma profecia dos execessos da burocracia moderna apegada a loucura do totalitarismo. E Philip Roth escreveu “Complô contra América”, que falaremos a seguir.
Vamos ao livro? Philip Roth tem sete anos de idade em 1940, ano em que Charles August Lindbergh ( fictício), foi eleito presidente dos E.U.A., trazendo em sua plataforma política, sua promessa de manter a América fora da ameaça da guerra da Europa. Philip vive em um bairro judeu insular, de classe trabalhadora, em Newark, Nova Jersey, com o seu irmão mais velho, Sandy e seus pais, Bess e Herman. Além de sua coleção de selos, sua vida era definida pelas ruas que fazem fronteiras com o seu bairro. A eleição de Lindbergh traz as partes mais feias do mundo exterior quebrando o silêncio de Philip derrubando paredes que a comunidade construiu em torno de si. Lindbergh torna-se para Philip, “o primeiro americano famoso vivo que aprendeu a odiar”(pg17)
Para aqueles que não o conhecem Charles Lindbergh foi o primeiro aviador que cruzou o Atlântico em 20 de maio de 1927, tendo pousado na capital francesa no dia seguinte. O avião chamava-se “The Spirit of Saint Louis”, e a viagem durou 33 horas e 31 minutos. O feito acabou dando um prestígio a família fora do comum, para época. Transformou-se em celebridade. Lindbergh é tratado aqui no livro como uma ficção, apesar de sempre deixar claro, na vida real, tinha uma imensa admiração pela a Alemanha nazista. Além de ter tido uma posição na “Segunda Guerra Mundial” de isenção, ou seja, não queria que a América entrasse em guerra.
A premissa do livro é que o aviador pioneiro, isolacionista e simpatizante do nazismo (isso é fato), Charles Lindbergh, venceu a nomeação republicana em 1940 e derrotou Franklin Delano Rosevelt.
No romance o candidato republicano mostra um partido republicano enfraquecido e dividido. Lindbergh era um candidato outsider carismático sem experiência política, e sua retórica racista era o impulso que encontrava eco em alguns segmentos sociais americanos. Uma convenção presidencial republicana com um candidato não anunciado, ganha a nomeação na convenção republicana, e Lindbergh vence Franklin Delano Rosevelt, que estava buscando o seu terceiro mandato. A trilha da campanha de Lindbergh em todo país era com o seu avião “The Spirit of Saint Louis” fazendo apenas uma promessa de campanha: se eleito, ele manteria os E.U.A. fora da guerra contra o nazismo. “Vote em Lindbergh”, diz seu slogan de campanha, ou vote pela guerra”.
Para a grande consternação dos judeus americanos, Lindbergh vence as eleições. Os judeus estão preocupados porque Lindbergh, não só tem simpatias para com o nazismo, mas também aceitou uma medalha de Adolf Hitler, um sinal claro de sua simpatia para com os alemães. E foi por suas tendências isolacionistas que acabou assinando um acordo de paz com a Alemanha e com o Japão, para manter América fora da guerra.
Philip, que na época tinha nove anos de idade, abre a vida da família Roth, relatando eventos, seu pai Herman e sua mãe Besse, e seu irmão mais velho Sandy – e seus amigos da seção judaica de Newark, preverem o pior. O anti-semitismo de Adolf Hitler começa a fazer efeito na administração Lindbergh, nos Estados Unidos da América. A primeira experiência que eles têm desta intolerância vem durante uma viagem a Washington, DC, onde são expulsos de seu hotel apesar de suas reservas confirmadas. Esta indignação é seguida por uma cena em uma cafeteria onde a família experimenta insultos anti-semitas.
Alguns judeus na história fogem para o Canadá. Lindbergh cria um departamento chamado: “Escritório de Absorção Americana” sob os auspícios do programa “Gente como a Gente” onde adolescentes judeus são enviados para o meio oeste para o verão para que possam perder um pouco do seu judaísmo. No romance, o irmão mais velho de Philip, Sandy vai para Kentucky e volta a pronunciar certas palavras de forma diferente, vira fã de Lindbergh e chama seus pais e seus amigos de “ judeus do gueto”. O presidente Lindbergh até alista grandes empresas para transferir seus funcionários judeus para o meio centro-oeste – ostensivamente para assimilá-los também, mas também para diluir a oposição ao presidente e colocá-los em um ambiete onde eles não serão mais capazes de ganhar uma vida digna.
No livro a violência pública contra os judeus é tolerada pelo governo, esse anti-semitismo que Roth descreve nos anos 40 decorre que os judeus e não os nazistas, são os responsáveis pela guerra e querem promover os seus próprios interesses mesquinhos às custas de todo mundo.
“Complô contra América” é difícil de classificar, no entanto podemos dizer sem medo de errar que o livro é uma previsão sinistra, e ela já está ocorrendo. Algumas semelhanças do livro para a atual conjuntura americana chegam a ser assustadoras.
Para quem não conhece um pouco da história americana que antecede a sua entrada na guerra, havia uma organização, chamada: America First Comittee, que tornou slogan da campanha de Donald Trump quando disse em seu discurso de posse: “America First”. Muitos de vocês já devem ter ouvido o presidente Trump pronunciar esse slogan que na verdade foi uma organização fundada em 1940 com o objetivo de não entrar em guerra contra a Europa. Era um grupo de pressão não intervencionista contra a entrada da América na Segunda Guerra mundial. E um dos membros dessa organização chamava-se Charles Lindbergh. Pergunto a vocês: alguma semelhança com Donald Trump?
“ Para muitos membros da América em Primeiro Lugar, não havia como refutar( nem mesmo com base nos fatos) a idéia defendida por Lindbergh de que “o maior perigo” que os judeus representavam para a nação era serem “proprietários e forças influentes nas esferas do cinema e da imprensa, do rádio e do governo. Quando Lindbergh erscrevia, com orgulho, a respeito de “nosso legado de sangue europeu”, quando alertava contra “a diluição causada por raças estrangeiras” e “a infiltração de sangue inferior” ( expressões encontradas em trechos de seu diário referentes àquela época), eleestava registrando convicções pessoais compartilhadas com parte considerável dos membros tradicionais da América em Primeiro Lugar, e também com um grupo mais radical – maior até mesmo do que imaginavam meu pai, que odiva o anti-semitismo, ou minha mãe, que nutria uma desconfiança profundamente arraigada contra os cristãos – que florescia por todos os Estados Unidos” ( pg25)
Como Lindbergh, Trump usou a sua celebridade e riqueza – e um avião particular! – triunfou sobre um partido republicano fraturado. Politicamente Trump e Lindenbergh compartilham um ethos isolacionista. E coincidentemente compartilham seus aviões particulares.
Na presidência de um Lindbergh (fictício) prossegue tanto quanto Trump no que concerne as nomeações para cargos importantes. Lindbergh nomeia o simpatizante nazista Henry Ford, Trump iniciou sua transição nomeando, o alt-right, (direita alternativa em português) fascista, Steve Bannon como estrategista principal, e o ex-general islamofóbico, Michael Flint.
Philp Roth pressagia em sua obra, “Complô contra América” outro erro de cálculo: “os democratas foram rápidos em menosprezar o “Espírito de St.Louis”. E não foi um pouco isso que aconteceu nas eleições presidenciais nos E.U.A. em 2016?
Outra semelhança da obra “Complô contra a América” é que o fictício Charles Lindbergh era francamente anti-semita, e foi substituído na vida real pelo fervor anti-imigrante, anti-muçulmano, por Donald Trump. O romance de Roth poderia usar “fatos alternativos”( traduzindo: desprezo pelos fatos) em fatos virulentos. Em outras palavras o desprezo pelos fatos torna-se um fato.
Mas devemos ser equilibrados na crítica ao Donald Trump. Ele é um fascista? Creio que ainda não. Afinal, não vemos o florescer dos capuzes brancos e das cruzes flamejantes, apesar de apoiá-lo. Seu movimento ainda não se encaixa em nenhuma definição padrão do fascismo. No entanto, os discursos de intolerância e do medo, a humilhação, e o gangsterismo que visa atropelar a todo aquele que se mantenha no caminho do líder, esse já existe, e é repugnante.
O romance abre e fecha com o medo e poderia ser lido como uma afirmação de que os judeus nunca estarão seguros, nos E.U.A. ou em qualquer país. Podemos dizer que “Complô contra América” é um presságio que está acontecendo a olhos vistos. Seja qual for o caminho que a América venha a tomar respingará em todo o mundo. Por isso indico “Complô contra América”, romance maravilhoso que vale a pena ser lido e relido, e que merece um lugar de honra na sua estante.