Casa das estrelas
Se você deseja um livro que o faça virar as páginas, ordenadamente ou não, seduzido pela poesia simples e embutida em palavras quase displicentes, mas que nos fala sobre temas nem sempre fáceis ou desconfortáveis: “Casa das estrelas” já está nas livrarias. Um livro para ler, reler, refletir, pensar e – ler em outro momento. Sem pressa. Assim é esse livro do colombiano Javier Naranjo.
Tive o prazer de conhecê-lo, na Livraria da Travessa para tomar um café. A conversa foi muito boa. Javier Naranjo é um professor colombiano que sempre trabalhou com crianças, e com sensibilidade suficiente para captar a poesia e a sinceridade existentes nas definições de nosso mundo por elas. Através do trabalho que desenvolveu ao longo de anos, selecionou e organizou por ordem alfabética frases, trechos, pensamentos e definições vindas das crianças em suas aulas literatura sobre: igreja, medo, mente, lar, guerra, família, espírito, morte e muitos outros temas que suscitam discussões filosóficas desde os primórdios.
Uma obra imprescindível para quem deseja escrever ou já produz algo para crianças ou tem interesse pelo seu universo de referências e correlações; para aqueles que vivem entre elas ou simplesmente não esqueceram completamente da liberdade primeira de sentir, pensar e falar sem a preocupação do acerto ou mérito.
Ao ler os pequenos trechos do livro, muitos me fizeram parar e pensar: “como a simplicidade infantil é capaz de explicar coisas que se complicam tanto com o passar dos anos”.
Não leia esse livro virando as páginas como quem lê um romance. Essa obra nos fala sobre a vida e a magia existente nas palavras quando displicentemente agrupadas. A poesia está na ingenuidade infantil de perceber o mundo, na franqueza de alma dos que ainda não se corromperam. O mérito do autor está na sensibilidade de ter captado cada resposta e nos presenteado com uma obra delicada e poética, nos fazendo lembrar que a vida é repleta de poesia. Nós é que temos andado um pouco sem tempo para respirar.
É um livro para adultos. Adultos que podem sentir como criança ou reconhecem a poesia existente nelas. Não é preciso ser pai ou mãe. É preciso apenas que se esteja disponível para ler e se deixar levar pelo pensamento que facilmente seguirá caminho próprio.
Ao ler o livro alternadamente, abri na letra “D” e lá estava a seguinte definição:
“Diabo: pessoa que não existe para as pessoas” (de Juan Esteban, de 9 anos)
Parei. É verdade. Dizemos às crianças que “Diabo” não existe. A concepção do mal para nós é diferente, convivemos com um mundo às avessas e renegamos a presença do mal quando na verdade ele é encarnado nas pessoas.
“Igreja: onde as pessoas vão perdoar Deus” (de Natalia Bueno de 7 anos)
Nos tempos de hoje, nem preciso me estender na complexidade dessa resposta controversa.
Ou ainda as seguintes definições que me fizeram sorrir:
“Instante: é a única coisa que alguém pede a uma pessoa” (Leydi Garcia, 10 anos)
“Suicídio: é alguém se matar por instinto” (de Mary Arbeláes, de 9 anos)
“Eternidade: é esperar uma pessoa” (Weimar Grisales, 9 anos)
E uma última frase que me fez respirar, escrever essa resenha e indicar essa obra para todos que entenderam a proposta desse livro que merece um lugar na estante de todos nós que já fomos crianças um dia:
“Água: transparência que se pode tomar” (de Tatiana Ramírez, 7 anos)
Uma boa leitura a todos!