A trégua
O romance “A Trégua” é o segundo romance do escritor uruguaio Mario Benedetti. Foi publicado em 1960 e apareceu anos mais tarde nas grandes livrarias do mundo inteiro. É um desses livros inesquecíveis. É uma história simples, mas soberbamente bem contada. Como já disse, este livro já foi traduzido para vários idiomas e muitos que o leram, adoraram. Aqueles que conhecem este escritor são unânimes em colocar essa obra como uma das grandes obras produzidas não só na America Latina, mas no mundo inteiro. Para aqueles que não o conhecem, vale muito a pena ler “A trégua”. É um desses romances de se apaixonar.
Pesquisei sobre a vida e a obra de Mario Benedetti e acabei lendo uma interessante matéria do escritor uruguaio Fernando Butazzoni sobre o autor em questão. Segundo ele, Benedetti foi o escritor mais amado de todos os escritores uruguaios. Ele foi o membro mais ilustre da geração de “1945”, que também inclui Ángel Rama, Carlos Martínez Moreno e Idea Vilariño, e era um grupo de intelectuais com um enfoque crítico forte e acentuado interesse em assuntos políticos e sociais.
Essa afeição que o povo uruguaio nutre por Mario Benedetti deve-se à sua extraordinária capacidade de observação do comportamento social e sua afinidade com a cidade e os temas urbanos, sempre abordados em suas obras.
Para aqueles que não sabem, o Uruguai já foi considerado por muitos a “Suíça da América do Sul”. Havia no país uma sólida democracia e muitos expoentes da cultura e dos esportes se destacaram. É sempre bom lembrar a vitória da Celeste (a seleção uruguaia de futebol) em pleno Maracanã em 1950. Montevidéu orgulhava-se em ser a “a cidade mais europeia das Américas”.
Na década de 1970, o nosso escritor, que se definia como um homem de esquerda e havia alcançado um enorme prestígio internacional, juntou-se à frente ampla de esquerda, conhecida como o movimento de 26 de março. Esse envolvimento o levou a defender a Revolução Cubana. A América do Sul já começava a enfrentar as ditaduras militares, que só trouxeram atrasos políticos e, na maioria dos casos, atrasos também econômicos. Mario Benedetti foi convidado a partir para o exílio, pois se ficasse seria preso. Sair do seu amado país foi uma opção radical. Foram doze anos de exílio.
Mario Benedetti foi escritor, poeta e compositor. Sua morte foi um golpe duro aos seus leitores não só uruguaios, mas em todo o mundo. E cito mais uma vez o escritor uruguaio Fernando Butazzoni, em cujo artigo me baseei para fazer esta resenha. Ele diz: “Pode-se dizer que a obra de Benedetti e sua ternura, sua timidez e, ao mesmo tempo, sua determinação, abraçou toda a humanidade. É por isso que seus livros são universais: por causa da estatura humana de seu escritor”.
Vamos ao livro? Como já foi dito, “A Trégua” foi publicado no Uruguai em 1960. O livro foi adaptado para o cinema e o filme foi indicado ao Oscar em 1974. Nosso anti-herói chama-se Martin Santomé, que narra sua vida cotidiana através de um diário pessoal. Um traço de sua personalidade pode ser resumido por ele mesmo:
“Talvez eu seja um maníaco da equidistância. Em cada problema que se apresenta, nunca me sinto atraído pelas soluções extremas. É possível que essa seja a raiz da minha frustração. Uma coisa é evidente: se, por um lado, as atitudes extremas provocam entusiasmos, arrastam os outros, são indícios de vigor, por outro lado, as atitudes equilibradas são em geral incômodas, as vezes desagradáveis e quase nunca parecem heroicas. Em geral, precisa-se de bastante coragem (um tipo muito especial de coragem) para manter-se em equilíbrio, mas não se pode evitar que aos outros isso pareça covardia. O equilíbrio é tedioso, ainda por cima. E o tédio, hoje em dia, é uma grande desvantagem que em geral as pessoas não perdoam.” (pg. 83)
Sua forma de encarar a vida, enfatizada por sua rotina frustrante e a ausência de perspectivas da classe média urbana, dão o tom da história. Viúvo, pai de três filhos, sua vida é dividida entre o escritório e sua casa e algumas idas ao café. Sua vida familiar com os filhos não é muito fácil. Dois meninos e uma menina, que já passaram da adolescência, muito embora permaneçam com alguns resíduos dessa época de vida que todos nós, um dia, já vivemos e conhecemos muito bem.
Sua ex-esposa, Isabel, morreu ao dar à luz seu terceiro filho. Os três filhos são Blanca, Esteban e Jaime, o mais novo, cujo nascimento levou à morte prematura de sua mãe. Blanca namora Diego e consegue um emprego público por uma indicação política, o que seu pai desaprova fortemente. Jaime é gay. Quando Martin Santomé descobre isso, tenta conversar com o filho, mas Jaime sai de casa e não é mais visto na história. Embora vivam juntos, não há muito diálogo entre eles. No entanto, ele tem algum contato com Blanca durante o curso da história.
Encontra-se a seis meses e vinte oito dias da aposentadoria e se prepara para completar cinquenta anos. Não nutre pelos seus colegas de trabalho nenhum carinho especial, são apenas colegas trabalho. Sua vida afetiva é entremeada por alguns encontros de curta duração com prostitutas, mas nada que o faça ir além. No entanto, Martin Santomé é um homem maduro, pessimista, um homem fechado com dificuldades de se abrir, mas se sente capaz de viver uma história de amor invejável, cheia de paixão, algo que transcenda a mera atração física.
Certo dia, num desses presentes que a vida proporciona, ou “trégua”, aparece uma mulher, a única mulher na repartição de trabalho, chamada Laura Avellaneda. Sua reação inicial foi a de costume, ou seja, a distância, mas mantendo um olhar atento. E aqui vemos a grande habilidade do escritor Mario Benedetti em mostrar a gradual transformação do protagonista: de desinteressado empregado a um homem que percebe uma mulher bonita e que está seriamente motivado a ter um relacionamento com alguém do escritor, algo que ele jamais pensaria em viver. Um sentimento vai se apossando dele. Até que certo dia ele a convida para tomar um café e, para sua surpresa, ela aceita. Laura Avellaneda é bem mais nova do que ele. Depois de alguns encontros, ele se declara dizendo que a ama. Para mais uma surpresa dele, ela responde que já sabia.
Eles começam um caso. Martin Santomé aluga um apartamento e o relacionamento torna-se cada vez mais amoroso. A reação dos seus filhos são totalmente diferentes. Sua filha Blanca aceita e fica amiga de Laura. Em uma carta de despedida, seu filho Jaime é amargo sobre o caso do seu pai, sentindo que é uma traição à imagem de sua mãe.
Vou ficar por aqui. “A Trégua” de Mario Benedetti é sensível, complexo e traz uma inteligência sutil, uma finesse, nos ensinando muito sobre nós mesmos e a relação que a literatura estabelece com a vida. Um livro que merece um lugar de honra na sua estante.