A Queda
Há tempos que acompanho as declarações e o trabalho de Diogo Mainardi, escritor de “A queda”. Sempre polêmico com opiniões firmes sobre o Brasil e os governos do PT (Partido dos Trabalhadores), conquistou admiradores, mas também muitos desafetos. Enfim, coisas da política. Mainardi não nutre paixões por debates sobre o Brasil, ele provoca as discussões, e os raivosos espumam. Esse é o seu segredo. E ficar na plateia acompanhando esse espetáculo, tem me proporcionado ouvir tiradas simplesmente sensacionais e inteligentes.
Mas em seu livro “A queda”, Mainardi se apresenta para os leitores através de suas lembranças, de sua relação afetiva com seu filho, que nasceu com graves e sérios problemas de saúde.
Muitos autores já narraram suas dificuldades em conviver com filhos que necessitam de cuidados especiais como Cristovão Tezza, em seu livro sensacional e premiadíssimo, “Filho Eterno”, onde nos mostra o calvário inicial quando soube que seu filho era portador da “Síndrome de Down”. Diogo, em seu livro, assim como o cantor e compositor Neil Young, reforça a base dos exemplos que mostram que a vida “apronta”, pegando-nos em nosso ponto mais frágil: nossos filhos. Mas o que Diogo tem a nos dizer sobre isso? Na minha opinião, a questão é como você reage a isso tudo. E esse livro nos dá belos exemplos.
Mas antes de entrar no livro, gostaria de falar um pouco mais sobre esse autor.
Sua história de vida começa quando seus pais, que moravam em um Kibutz em Israel, retornaram ao Brasil pouco antes do seu nascimento. Sua trajetória de vida alternou entre Veneza, na Itália, e em Londres, cursando a London School of Economics, mesmo sem concluí-la, conheceu Ivan Lessa, onde estabeleceram uma grande amizade. Utilizando-me de suas próprias palavras “foi o seu grande mentor intelectual”.
No Brasil, quando ainda totalmente desconhecido do grande público, venceu o Prêmio Jabuti com o livro “Malthus”, em 1990, onde reuniu contos, crônicas e novelas. Escreveu “Arquipélago” em (1992) “Polígono das Secas” (1995) “Contra o Brasil” (1998), “Tapas e Pontapés” (2004) e “Lula É Minha Anta”(2007) onde sofreu censuras por parte do governo. Mainardi também trabalhou como tradutor. “As Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino, “Como Faço e o que Faço e Talvez Inclusive o Porquê” de Gore Vidal, e “Um Punhado de Pó” de Arthur Evelyn St. John Waugh foram seus trabalhos principais.
Em 2003 substituiu Arnaldo Jabor, no programa “Manhattan Connection”. Uma das melhores coisas para se assistir em um domingo qualquer.
Na revista Veja, trabalhou como colunista, morando em Veneza, quando se tornou um forte crítico do Brasil. Sua coluna sempre foi uma das mais lidas, e coloco uma de suas ótimas análises:
"Brasil não tem partido de direita, de esquerda, de nada, tem um bando de salafrários que se reúnem pra roubar juntos".
E lanço a pergunta: - Alguém pode, nos dias de hoje, duvidar dessa frase?
Aceito comentários no blog sobre essa máxima desde que respeitando a boa educação, sempre presente entre os que nos acompanham.
Muito embora, vez ou outra, discorde de suas opiniões, admiro sua escrita e suas opiniões, como Livreiro, conversamos algumas vezes na Livraria, indiquei um ou outro livro, e deu para perceber que é um sujeito boa praça, educado e acessível.
E voltando ao livro, lançado ano passado, em 2012, não espere uma autobiografia do autor, mas se deixe levar pelas lembranças que conduzem sua relação com seu filho desde o momento em que uma obstetra apressou o parto de uma maneira desastrada.
Tudo começou em um sábado, 30 de setembro de 2000, no hospital de Veneza, instalado no prédio da Scuola Grande di San Marco, em um antigo prédio com a arquitetura assinada por Pietro Lombardo, e diante dessa belíssima construção, Mainardi, em um excesso de esteticismo proferiu a seguinte frase:
“Com esta fachada, aceito até um filho deforme”.
Pois é, uma médica que era encarregada do parto queria terminar o seu turno mais cedo, e na pressa resolveu estourar a bolsa com o líquido amniótico que protege o bebê. Ao realizar o procedimento, contrariando todos os manuais de obstetrícia, Tito, o pequeno bebê que esperava sua hora para nascer, teve o cordão umbilical esmagado e ficou sem oxigênio. Uma cesariana precisava ser feita com urgência. E aí, o segundo erro, a médica demorou demais e Tito ficou asfixiado por 45 minutos. O resultado não poderia ser outro: uma lesão no cérebro que impediu seu filho de andar, falar e pegar objetos com as mãos. Tito quase faleceu com todos esses erros.
No “passo 81” e “82”, como Diogo segmenta sua história, ele nos conta que se emocionou ao ver seu filho renascer no momento em que estava acariciando suas costas. Uma das passagens mais tocantes. Mas fiquem tranquilos que não revelarei outras emoções dessa história. Ao dizer que com aquela fachada aceitaria até um filho deforme - ele reafirma o que foi dito.
“Eu aceitei a paralisia cerebral de Tito. Aceitei-a com naturalidade. Aceitei-a com deslumbramento. Aceitei-a com entusiasmo. Aceitei-a com amor”. ( passo 27). Diogo fulmina: “saber cair tem muito mais valor do que saber caminhar”
O livro é composto por 424 anotações, e esse número não tem nada de cabalístico, e também passa longe da numerologia e coisas do gênero. São “as memórias de um pai em 424 passos”. Em todos esses passos curtos, ele vai fazendo conexões em sua escrita e utilizando temas díspares, que em agosto de 2000 publicou um artigo chamado “Ilusão de Significado”. Se você leitor quiser ler esse artigo é só clicar: Diogo Mainardi - Veja - Abril.com.
Simplesmente me responda: o que Edgard Allan Poe, hambúrgueres de frango, Mobutu (Ex-ditador nigeriano), o sequestrador filipino de embriões humanos, o senador Joe Lieberman candidato a vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata tem em comum? Deixo Diogo responder a você.
Mainardi é um escritor capaz de fazer diferentes conexões em sua escrita e dar significado ao seu quebra cabeça. Essa forma literária acontece através de coincidências históricas e pessoais que vão se encaixando uma nas outras, revelando seu estilo. Um quebra cabeça que une Pietro Lombardo, filmes de Abbott Costelo, Ezra Pound, aos programas de extermínio de Hitler, a “Divina Comédia” de Dante Aligheri, a “Em busca do tempo de perdido” de Marcel Proust, Freud, Napoleão, Rembrant, Shakespeare e muitos outros.
O livro “A Queda” é simplesmente um livraço; e deixo vocês aqui para acompanharem cada “passo” de Tito e de seu pai. Passos que começaram em Veneza, vieram ao Brasil e hoje residem em caráter definitivo em Veneza, onde tudo começou.
Cada passo do pequeno Tito é um salto gigantesco para resgatarmos a nossa humanidade, o amor que sentimos por nossos filhos, pelo outro. Nossa capacidade de nos superar diante da paternidade, desse amor absoluto que nos faz enxergar tudo de outra forma. Sim, eu sou pai, e li com olhos de pai, mas é com o olhar de um Livreiro que indico esse livro. Uma história humana e verdadeira. “A Queda” é um exemplo que nos faz levantar. Boa leitura!