A Mulher desiludida
“A Mulher Desiludida”, de Simone de Beauvoir, é o primeiro livro dessa autora aqui neste espaço. Devo dizer que adorei, logo de cara, antes de entrar na história propriamente dita. Li os dois volumes de “O Segundo Sexo”, dessa autora, quando tinha uns vinte e poucos anos. Às vezes me pergunto se não seria a hora de reler esse livro, que fez história na década de 60 e 70.
“A Mulher Desiludida” apresenta três estilos narrativos entre as histórias que Beauvoir estava experimentando. Em certa medida, diferentes modos fictícios, numa tentativa de nos convencer a ver as três heroínas sob diferentes ângulos. Quando a vida dessas três mulheres começa a desmoronar, tudo que elas pensavam, tudo pelo que lutavam, acaba tornando-se hostil.
A primeira história, “A Idade da discrição” é sobre uma mulher de certa idade, escritora, que tem medo de que a velhice diminua sua criatividade para a escrita. Ela não pode suportar que seu filho escolha um caminho diferente do que ela sempre pensou para ele, ou seja, uma carreira universitária. Seguem-se as brigas entre mãe e filho, mulher e marido, mãe e filha, ou seja, diferentes estados de espírito através do qual uma mulher pode se sentir traída, ao recusar-se a “ver” a verdade quando ela é apresentada. Em outras palavras, um autoengano. E a velhice vai sublinhando toda a história.
Em “O Monólogo”, o estilo de Beauvoir adquire tons amargos, divagações de uma mulher rica vivendo sozinha às vésperas de um ano-novo. Numa narrativa irada, implacável em relação às pessoas de sua convivência, que ela culpa. Nos seus quarenta anos, a consciência do narrador toma volta quando descobrimos a verdade terrível. Apesar das situações difíceis relatadas nesse conto, a mudança do estilo narrativo chama a atenção. É impressionante. Esse é o resultado de reflexões noturnas de uma mãe que foi privada da custódia de seu filho. Uma mãe que que deixa seu veneno sobre tudo e todos, que despeja seu ódio e vingança contra seus parentes e seus filhos, que são suas próprias vítimas. É uma história intensa e fragmentada.
“Meu Deus! Mostre-me que o Senhor existe! Mostre-me que há um céu e um inferno eu vou passear nas alamedas do paraíso com meu menininho e minha filha querida e eles todos vão se contorcer nas chamas da inveja eu os verei assar e gemer vou rir das crianças vão rir comigo. O senhor me deve essa desforra, meu Deus. Eu exijo que ela me seja dada.” (pg 82)
O terceiro conto é o nome do livro, “A Mulher Desiludida”, escrito sob a forma de um diário. Monique relata o declínio dia após dia de seu casamento. Depois de ter sido informada por seu marido, após vinte anos de casamento, que ele está tendo um caso com uma mulher mais jovem, o mundo de Monique é literalmente afetado. Apenas um detalhe: na época em que Simone de Beauvoir escrevia essas histórias, as mulheres eram completamente dependentes de seus maridos. Monique tinha construído sua vida em torno desse homem, e sua vida sofre com essa notícia dada pelo próprio. Toda a sua vida está ameaçada por essa notícia. Simone de Beauvoir escreve um relato sincero de algo que era muito mais devastador em um tempo em que as mulheres eram incapazes de se sustentar financeiramente, particularmente uma mulher de meia-idade que não gozava do benefício da juventude a seu lado.
À medida que lemos a história, vemos essa mulher tentar manter certo grau de normalidade a tudo que está acontecendo. Simone de Beauvoir atinge o coração da existência humana. Esse tema é universal, em que medos humanos, envelhecimento, perda, desespero assumem algo íntimo e pessoal. Escrito na primeira pessoa, a história, como já foi dito, é composta por uma série de diários escritos por Monique, uma mulher de meia-idade cujo marido é um médico trabalhador e cujas duas filhas crescidas já não vivem em casa.
Quando Maurice, marido de Monique, sai completamente de cena, podemos sentir um lugar escuro e vazio. No quarto fechado do seu ex-marido, que eles haviam compartilhado durante tanto tempo, agora reside um sentimento de um futuro solitário, do qual ela tem muito medo.
“A Mulher Desiludida”, de Simone de Beauvoir, continua atual, apesar das diferenças de épocas. Uma história universal condensada em um livro maravilhoso. E que merece um lugar de destaque na sua estante.