A Balada de Adam Henry
Ian McEwan é um escritor que sempre teve um lugar de destaque no blog. Sempre admirei sua escrita e suas histórias. Mas confesso que gostaria de ter mais livros dele aqui neste espaço. Em 2015 teremos muitas resenhas das obras desse escritor, não é promessa, é dívida que tenho para com todos os leitores dos bons livros. É um escritor do primeiro time da literatura contemporânea.
Comecei a ler “A Balada de Adam Henry” durante os dias que antecederam o Natal. Quem trabalha em livraria nesse período sabe muito bem o estresse que é atender várias pessoas ao mesmo tempo e todas apressadas querendo ser atendidas o mais rápido possível para prosseguirem na via crucis das compras de Natal. Ao contrário de muitos, eu adoro esse período. A adrenalina sobe. E quando vejo a procura de livros, me dá uma pequena esperança de que o Brasil aos poucos está formando um mercado de leitores.
Mas vamos ao que interessa. Falemos sobre “A Balada de Adam Henry”. Os romances de Ian McEwan já trazem um selo de qualidade quando suas histórias nos são apresentadas. E esse livro não é diferente. O livro conta a história de uma juíza da Alta Corte, Fiona Maye, cuja pauta é dominada pelos problemas das famílias, pais divorciados disputando a guarda dos filhos.
“Maridos gananciosos contra esposas gananciosas, manobrando como nações ao final de uma guerra, tentando salvar das ruínas todos os despojos antes da retirada final. Homens ocultavam recursos em contas no exterior, mulheres sempre exigiam para sempre uma vida de conforto. Mães impediam crianças de ver os pais apesar das ordens judiciais; pais se negando a oferecer sustento aos filhos apesar das ordens judiciais. Maridos agrediam esposas e filhos, esposas mentiam ou maquinavam ardis, um ao outro, ou ambos bêbados, viciados em drogas ou psicóticos; e crianças eram obrigadas a tomar conta dos pais incapazes, crianças de fato vítimas de abuso sexuais ou mentais, ou ambos, seus depoimentos transmitidos numa tela ao tribunal. E já fora da área de competência de Fiona, em casos julgados pelas cortes criminais e não pelas varas de família, crianças torturadas, mortas de fome ou por espancamento, espíritos maus arrancados de dentro delas espíritos animistas, padrastos jovens e cruéis quebrando ossos de bebês sob olhares abobalhados e cúmplice das mães, e drogas, álcool, sujeira doméstica extrema, vizinhos indiferentes e seletivamente surdos para não ouvir os gritos, assistentes sociais descuidados ou atarefados demais para intervir.” (pg. 123)
Fiona Maye é uma profissional exemplar, investiu toda a sua vida em sua carreira na magistratura. Seu marido, Jack, um professor de história antiga, seu companheiro fiel e amoroso, anuncia que quer embarcar em um caso amoroso com uma menina de 28 anos de idade. Os dois estão na faixa dos 50 anos e sem filhos. Optaram por investir na carreira. Jack se queixa a Fiona que o relacionamento entre eles os transformou em irmãos, e não amantes, e o sexo foi deixado de lado. Ele não tem a pretensão de deixar Fiona, mas quer se sentir vivo e viver um “caso passional grande”. Não tem a pretensão de fazer às escondidas o seu ato desesperado de viver um grande romance ou, se quiserem, “uma simples busca do prazer”.
Apesar de ter sido humilhada ao ver seu marido seguindo em frente ao encontro dos seus instintos sexuais básicos, Fiona, numa primeira atitude, muda a fechadura da porta do seu apartamento. Sua confiança em si mesma sofre um terrível abalo ao ver a tranquilidade de seu casamento ser destruído.
Esse momento tenso vivido ocorre na mesma noite em que Fiona é apresentada a um caso grave: uma família, seguidora da seita Testemunha de Jeová, apela à Corte para impedir uma transfusão de sangue em seu filho, que apresenta um quadro de leucemia. A seita proíbe esse tipo de procedimento. Mas a juíza foi avisada que em caso de uma negativa de transfusão, o filho tem todas as chances de morrer.
Adam Henry, o filho que se encontra com a vida em perigo, também segue a seita e apela para que a transfusão não seja realizada. Apesar de ter 17 anos, não tem condições, pelas leis inglesas, de interferir em seu destino. Só com 18 anos esse direito é dado em tais circunstâncias. E agora? O que fazer? Uma decisão complexa, convenhamos.
O livro é narrado na terceira pessoa, mas é a partir da consciência de Fiona Maye que tudo é narrado. Em um movimento independente, ela dirige-se ao hospital para conhecer Adam Henry. Ouvira as duas partes no tribunal, ou seja, os advogados dos pais e o Ministério Público. Precisava conhecer melhor o terreno em que estava pisando. Fiona queria saber se Adam era maduro o suficiente para entender todas as implicações dessa recusa. Ao chegar ao hospital, uma das cenas memoráveis do livro acontece. Adam, mesmo doente, pega o seu violino de iniciante e executa uma canção. Fiona canta em seu leito do hospital, surpreendendo os presentes, uma canção que falava a todos. Essa é uma sensação que suspende os sofrimentos vividos pela juíza. Simplesmente emocionante.
Jack retorna a casa e se defronta com a primeira novidade. Suas chaves. Tudo que haviam dito e reiterado antes, todas as recriminações, todas as defesas, todas as frases vinham de um longo questionamento prévio. Quando decidem depor as armas, a vida segue normalmente, cada um cuidando de seus afazeres em diferentes partes da cidade, mas evitam o contato ao se encontrarem no apartamento. Declinam dos convites em conjunto até que o único gesto conciliatório acontece. Uma nova chave é dada a Jack.
A partir do encontro entre Fiona e Adam Henry, o romance é guiado em direção a um roteiro elegante. A dor do casamento vacilante é substituída pelas tensões e intensidade entre a juíza de meia-idade e uma morte de um menino sensível. É nesse ponto que o apuro estilístico do autor se faz presente e o torna memorável.
Fico por aqui. “A Balada de Adam Henry” é um livraço. Uma história inesquecível que merece um lugar na sua estante.