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Um País não é uma empresa

Devo confessar a vocês que eu comprei o livro “Um país não é uma empresa” pelo título. Achei o título provocativo, e bem respaldado por ninguém mais ninguém menos que Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel e colunista do New York Times, jornal do qual sou assinante. Aliás, que fique claro que existem dois colunistas que me fizeram assinar esse jornal: Paul Krugman e Thomas Friedman.

O livro é caro para o tamanho: setenta páginas. Me custou sessenta reais. Mas digo a vocês que valeu cada centavo gasto. Não é um livro tradicional. É um ensaio. Mas que ensaio!

A edição do livro que comprei é em português de Portugal. Portanto, nas citações contidas nesta resenha, vocês poderão notar um pouco a diferença.

Para aqueles que não conhecem Paul Krugman, é um economista norte-americano especializado em comércio e “economia geográfica”. Suas contribuições sobre o tema globalização e na macroeconomia lhe renderam o Prêmio Nobel de economia em 2008. A maior parte de sua carreira foi voltada para o campo acadêmico, sendo que lecionou em universidades de renome dos Estados Unidos. É uma referência acadêmica. É um dos defensores do keynesianismo e um crítico das ideias liberais. É colunista do New York Times desde o ano 2000.

Antes de ter este site, eu li um grande livro dele: “A crise de 2008. E a Economia da Depressão”. com prefácio de André Lara Resende. Mas, infelizmente, eu ainda não tinha este site. E por razões de mudanças de residência, perdi o caderno que continha as anotações feitas durante a leitura. Mas continua atual. Talvez deva reler. Quem sabe? É um economista excepcional. Mesmo eu não sendo uma pessoa versada em economia, suas ideias são como um farol para mim. Sou sociólogo que gosta de se aventurar tentando entender os processos econômicos globais. Portanto, qualquer erro de interpretação porventura cometido aqui é de minha inteira responsabilidade.

A pergunta de um milhão de dólares está feita. Um país é uma empresa? Esse breve ensaio é uma crítica à falácia de que o sucesso nos negócios fornece uma espécie de passaporte  aos indivíduos, o insight necessário para contribuir com conselhos para a gestão de uma economia nacional.

Antes de responder a essa pergunta, Paul Krugman nos dá algumas pistas logo no início do livro. Os estudantes universitários que planejam entrar no mundo dos negócios geralmente se formam em economia. Quando eles se formam, aprendem uma verdade fundamental. O que eles aprendem em sala de aula de economia não vai ajudar a gerir uma empresa.

O contrário também é verdadeiro: o que as pessoas aprendem ao gerirem uma empresa não irá ajudá-las na formulação de políticas econômicas. E o motivo é bem simples: um país não é uma empresa.

Um executivo bem-sucedido que fez fortuna pessoal não saberá tornar uma nação inteira próspera. Os hábitos mentais que fazem um grande líder empresarial não são os mesmos que fazem um grande analista econômico. Um executivo que conseguiu ganhar U$ 3 bilhões de dólares não é a pessoa certa para dar conselhos sobre uma economia de trilhões de dólares como é o caso da economia dos Estados Unidos.

Bem, você provavelmente deve estar pensando que Paul Krugman está tentando te dizer que os empresários são um bando de boçais e os economistas são superinteligentes e descolados. De forma alguma. O que Paul Krugman está tentando nos dizer é que o estilo de pensamento necessário para se fazer uma análise econômica é diferente daquele que leva ao sucesso nos negócios.

Paul Krugman afirma que todos aqueles bem-sucedidos nos negócios não têm pensamento necessário para encarar com sucesso uma formulação de uma política econômica. Ele analisa a relação entre exportação e empregos e, em segundo lugar, a relação entre investimento estrangeiro e balança comercial.

As exportações de um país são as importações de outros. Um dólar ganho na exportação é um dólar que não foi gasto em bens domésticos de outro país. Então, podemos dizer que os empregos criados pelos exportadores em um país são empregos perdidos para as importações em outro país. E numa economia nacional, a restrição ao número de empregos não é o nível da demanda. Os governos podem gerar booms – podem imprimir dinheiro, cortar taxas de juros –, mas não o fazem porque acreditam que o resultado seria uma inflação catastrófica.

“Porque é que os economistas não subscrevem aquilo que parece óbvia: mais comércio significa mais exportações e, portanto, mais empregos relacionados com essas exportações. Mas essa teoria tem um problema. Como as exportações de um país são as importações de outro, cada dólar de vendas da exportação é, numa necessidade de pura necessidade matemática igualado por um dólar de despesa desviado de bens domésticos desse país para importações.

A não ser que haja alguma razão para pensar que o comércio livre irá aumentar a despesa mundial total – o que não é um resultado inevitável – a procura global de bens não sofrerá alterações” (pg. 15; pg. 16)

O Fed é o banco central americano, responsável por formular a política monetária no país, além de regulamentar o sistema bancário americano. Se ele resolvesse criar booms econômicos e manter a economia crescendo imprimindo dinheiro, o resultado seria a criação de muitos empregos, mas a inflação seria inevitável. O desemprego, segundo o Fed, é necessário para se manter a inflação sob controle.

Em 1994, o Fed aumentou sete vezes a taxa de juros. Por quê? O motivo é a necessidade de arrefecer o superaquecimento da economia, o que poderia levar à inflação. Resumindo, a capacidade de a economia americana (que é onde Krugman se fixa) de aumentar as exportações ou reduzir as importações, basicamente nada tem a ver com a criação de emprego. Só que este argumento não cai bem no meio empresarial.

E se os Estados Unidos experimentassem um aumento das exportações e para isso concordasse, por exemplo, em retirar suas objeções ao trabalho escravo na China se a mesma comprasse US$ 200 bilhões de dólares em mercadoria dos EUA (exemplo retirado do próprio Krugman)? Qual seria a reação do Fed? Compensaria o efeito expansionista das exportações elevando as taxas de juros. Resumindo, podemos dizer que qualquer aumento do emprego relacionado às exportações seria acompanhado por uma perda de empregos em setores sensíveis da economia às taxas de juros. Por outro lado, o Fed certamente responderia a um aumento das importações reduzindo as taxas de juros, de modo que a perda direta de empregos para a concorrência das importações seria igualada por um aumento no número de empregos em outros lugares.

Em outras palavras, se o secretário de comércio dos Estados Unidos fechar uma exportação de bilhões, em alguma parte do globo alguém não vai se beneficiar, ocorreria perda de empregos em outros lugares do globo. Sintetizando, o livre mercado não é sinônimo de empregos nos Estados Unidos.

Um outro ponto que Paul Krugman aborda é a relação entre investimentos estrangeiros e balanças comerciais. Para isso, vamos imaginar o seguinte cenário. Multinacionais em todo o mundo decidem que o Brasil é um ótimo lugar para se investir. Começam a injetar milhares de dólares por ano para construírem novas fábricas. Pois bem, o que aconteceria com a balança comercial do Brasil? Os executivos, quase sem exceção, acreditam que o país começaria a apresentar superávits comerciais. Os economistas acreditam exatamente no contrário, ou seja, o país teria déficits comerciais.

Mas você que está lendo esta resenha vai perguntar: como assim? Bem, a resposta de Paul Krugman tem toda a lógica do mundo. Caso haja uma invasão de fábricas no Brasil, ocorrerá o seguinte fenômeno. A entrada de investimentos pode desencadear um grande boom interno, o que levará ao aumento da procura. Se a taxa de câmbio for flutuante, como é o caso do Brasil, ou seja, o Banco Central não interfere para determinar a taxa de câmbio, mas para manter a funcionalidade do mercado de câmbio, a entrada de investimento poderia levar a uma valorização do real. O que pode ocorrer é o encarecimento do preço dos produtos no mercado de exportação e com isso o aumento das importações.

E se o câmbio fosse fixo? O resultado, nas palavras de Krugman, seria a inflação. Em outras palavras, em qualquer cenário (câmbio flutuante ou fixo), a entrada maciça de capital no país levaria a um déficit comercial. Mas como? Simples. para se fazer fábricas no país, o Brasil precisaria importar.

Ele cita o México para comprovar seu ponto. Durante os anos 1980, ninguém investia no México, e o país apresentava um excedente comercial. A partir de 1989, começou a entrar investimentos estrangeiros, num período de grande otimismo. Parte desse dinheiro foi usado para comprar equipamentos importados para novas fábricas no México. O restante alimentou uma expansão a nível nacional que aumentou as importações e com isso o peso mexicano valorizou-se muito, o que por outro lado desencorajou as exportações em razão da sobrevalorização do peso, levando muitos consumidores mexicanos a comprar produtos importados. O resultado foi os déficits comerciais igualmente maciços.

O resultado disso foi a crise do peso em dezembro de 1994. Os investidores tentaram sair, e o cenário se inverteu. Uma economia em queda reduziu a demanda por importações, o que levou à desvalorização do peso. Nesse cenário ocorreu a volta das exportações mexicanas ajudadas por uma moeda fraca. Como qualquer economista poderia ter previsto, o colapso dos investimentos estrangeiros no México foi acompanhado por um movimento igual e oposto do comércio mexicano para o superávit.

Qual a conclusão? A entrada de investimentos estrangeiros normalmente apresenta déficits comerciais e isso é péssimo para o empresariado. Perguntas como:  será que os investidores realmente vão comprar lá fora, ou seja, vão importar equipamentos? Ou, como saberemos que a moeda vai se valorizar, o que isso vai acontecer, as exportações? Vai diminuir as exportações e aumentar as importações? Isso pode ser acompanhada por um déficit comercial?  Quem está certo, os economistas ou os empresários?

“O que acontece quando um país atrai muito investimento estrangeiro? Com a entrada de capital, os estrangeiros estão a adquirir mais ativos nesse país do que aqueles que os residentes do país compram no estrangeiro. Numa vertente puramente contabilística, isso significa mais importações do país devem, ao mesmo tempo, exceder as suas exportações. Um país que atrai grandes fluxos de capital irá necessariamente apresentar um déficit comercial.” (pág. 26; pág. 27)

Mas tem algo que não faz sentido. A chegada de investimentos deveria ser exatamente o contrário, ou seja, motivo de euforia, e não de pessimismo.

“Há duas respostas para essa pergunta. A resposta mais superficial é a de que as experiências da vida empresarial geralmente não ensinam quem vive a procurar os princípios que sustentam os argumentos dos economistas. A resposta mais profunda é que o tipo de retorno que costuma haver numa empresa é diferente e mais tênue do que o tipo de retorno que normalmente se observa no seu todo.” (pág. 31; pág. 32)

Uma coisa é administrar um negócio, outra coisa é administrar um país. A economia dos EUA emprega 120 milhões, ou seja, cerca de 200 vezes mais que a General Motors, que é o maior empregador dos Estados Unidos. E aí subestima-se a complexidade entre uma grande organização empresarial e a economia nacional, que é dezenas de milhares de vezes mais complexa do que uma corporação. Uma corporação é construída em torno de uma competência central, ou seja, para um tipo específico de mercado. Mesmo que essa corporação tenha negócios diferentes tende a ser unificada por um tema central.

Numa economia nacional, há dezenas de milhares de negócios totalmente distintos unificados apenas porque estão dentro da fronteira do país. Um produtor de soja muito bem-sucedido terá dificuldades em lidar com uma indústria de software, o que por sua vez não seria recomendável para dirigir indústrias pesadas.

Como uma economia nacional cuja complexidade é enorme deve ser gerenciada? Na opinião de Paul Krugman, uma economia nacional deve ser gerida por princípios gerais, e não por estratégias particulares.

Os princípios gerais pelos quais uma economia deve funcionar são diferentes daqueles que se aplicam a uma empresa. Um executivo que tem o domínio da contabilidade empresarial não sabe automaticamente ler as contas da renda nacional, que medem coisas diferentes e conceitos diferentes. Gestão pessoal e legislação trabalhista são coisas diferentes. Um líder empresarial que deseja se tornar um gerente econômico ou especialista deve aprender um novo vocabulário e um conjunto novo de conceitos.

Os negócios tendem a ser sistemas abertos; as economias nacionais são, mesmo permitindo o comércio internacional, sistemas fechados

 “Podem, por exemplo, aumentar o emprego simultaneamente em todas as suas divisões; podem aumentar o investimento em todas as áreas; podem tentar alcançar uma maior quota em todos os seus mercados. É óbvio que as fronteiras de uma organização não são abertas. Uma empresa pode ter dificuldades em expandir-se rapidamente por não conseguir atrair trabalhadores adequados de forma suficiente rápida ou porque não consegue captar capital suficiente. Uma organização pode achar ainda mais difícil diminuir de tamanho, por ter relutância em despedir bons funcionários. Mas não achamos impressionante o facto de a quota de mercado de uma empresa duplicar ou diminuir para a metade em apenas alguns anos.” (pág. 51)

Os sistemas abertos, como as empresas, normalmente experimentam um tipo diferente de feedback dos sistemas fechados, como as economias nacionais. Em negócios de sistemas abertos, o feedback é fraco e incerto, eles também são positivos; em economias fechadas, é mais comumente muito forte e muito certo e geralmente, embora nem sempre, negativo.

Paul Krugman conclui que é preciso ter muita clareza sobre o que um empresário pode realmente oferecer como consultor. Economia é um assunto técnico. Economia e negócios não são o mesmo assunto, e o domínio de um não garante a compreensão, muito menos o domínio do outro. E Paul Krugman conclui:

“Da próxima vez que ouvir empresários a propagandearem as suas opiniões sobre economia, pergunte-se: terão eles investido tempo a estudar o tema? Terão lido o que escreveram os especialistas? Se não tiver sido o caso, não importa quão bem-sucedidos foram nos negócios. Ignore-os, porque provavelmente não fazem ideia do que estão falando” (pág.  69)

“Um país não é uma empresa”, de Paul Krugman, é um livro intemporal. Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 23 dezembro 2022 | Tags: Economia


< Penélope dos trópicos O Velho e o Mar >
Um País não é uma empresa
autor: Paul Krugman
editora: Actual
tradutor: Carla Pedro

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