Sr. Daniel
Hoje falaremos sobre literatura juvenil. Sempre gostei dos jovens leitores. Às vezes alguns títulos desse segmento são pedidos na livraria e eu não tenho a menor ideia do que se trata e nem o que oferecer. Confesso que fico meio embaraçado com a minha ignorância. Um grande amigo, certa vez me disse: você precisa ficar antenado com a literatura juvenil.
Eu concordava com ele em tese, mas não conseguia, até por um certo preconceito meu, seguir o seu conselho. Achava que eu deveria nivelar o público jovem para cima. Mas aí eu pergunto: o que é nivelar por cima? Não tenho esse carisma, e seria muita presunção de minha parte oferecer algo que não ocupa o imaginário dessa galera. Portanto, o melhor caminho é ler esse imaginário juvenil e conhecer melhor os seus gostos.
Acredito nas coincidências. Certa vez, estava na livraria quando fui apresentado à escritora Brittainy C. Cherry, autora do livro “Sr. Daniels”, do qual falaremos hoje. Ela é uma simpatia, meio tímida, mas, em seus olhos, há algo diferente. Uma verdade, o que, em outras palavras, podemos dizer que essa jovem escritora acredita no que faz. Apesar de sua pouca idade, é formada em artes cênicas com especialização em escrita criativa pela Carroll University em Winsconsin.
Ganhei o livro autografado e pensei com os meus borbotões: chegou a hora. Vamos encarar esse desafio. Cheguei a pensar que fosse um desses livros açucarados, tive medo de pegar uma diabete literária. Mas o livro passa longe disso. É ótimo e tem tudo para ser um grande sucesso editorial entre o público jovem. Minhas taxas de glicose no sangue permaneceram muito boas depois que fechei a última página. Vale a pena ler.
Vamos ao livro? Antes gostaria de contar uma história mitológica que, de certa forma, tem relação com a história do “Sr. Daniels”. Existe uma fantasia, nutrida por muitos, de encontrar uma alma gêmea em algum lugar nesse planeta, que nos espera e que pensa em nós. A nossa outra metade.
Mas, afinal, quem é esse outro? O outro naturalmente não é alguém igual a mim. Até porque, se eu encontrasse alguém igual a mim, convivendo comigo com os mesmos defeitos e qualidades, seria o caos. Eu não aguentaria conviver com alguém igual a mim, eu me odiaria.
Sendo assim, o outro precisa ser diferente. Na obra “O Banquete”, do filósofo Platão, encontramos o mito do Andrógino. E o que é o Andrógino na mitologia grega? O Andrógino é um ser quase perfeito, ele continha em si mesmo todas as oposições. Eram seres completos, de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços. O Andros tinha duas cabeças masculinas, Gynes tinha duas cabeças femininas e o Andrógino uma masculina e uma feminina.
No entanto, esses seres andróginos desafiaram Zeus: tentaram destroná-lo e foram castigados por sua rebeldia. Zeus pegou sua espada e cindiu os Andróginos dividindo-os ao meio. Caíram na terra e, desesperados, cada um saiu à procura de sua metade, sem a qual não viveriam. A saudade nada mais é do que o sentimento de que algo nos falta, algo que havia antes e se perdeu. É esta é até hoje é a nossa sina: vagar pelo mundo, sentindo-nos incompletos, procurando nossa outra metade.
O livro começa vinte meses antes, quando Daniel Daniel’s sofreu uma perda irreparável: ele testemunhou o assassinato de sua mãe, viu o pai perder uma batalha para o câncer e assistiu ao seu irmão sendo arrastado para o obscuro mundo das drogas.
A história nos leva para esse mundo que falamos acima, ou seja, da ausência, da saudade e da perda. A protagonista da história é Asyhly Jennings. Ela tem dezenove anos e teve que dizer adeus à sua irmã gêmea, Gabby, que perdeu a sua vida para a leucemia. A desorientação emocional com a perda de sua metade fica ainda pior quando sua mãe (separada de seu pai), transtornada pela dor de ter perdido sua filha favorita, não consegue administrar o seu luto e manda-a passar uma temporada com seu pai, que ela mal conhecia.
Além da dor, Ashly vai ter que viver em outra cidade, com um pai ausente, uma família desconhecida e estudar numa nova escola. Na sua bagagem, poucos pertences: uma caixa de cartas de sua finada irmã Gabby, que foi deixada para ela.
No entanto, durante a viagem, ela conhece Daniel Daniel’ e algo muito poderoso leva a uma atração quase imediata entre os dois. Não foi algo meramente físico. Talvez tal afinidade tenha acontecido causada pela perda que ambos experimentaram, mesmo que em tempos diferentes (isso é uma interpretação minha da história). Cicatrizes malcuradas, ainda abertas. Como explicar racionalmente um tipo de atração como essa? Um amor à primeira vista? Sinceramente, não creio, apesar de a escritora, em alguns momentos, nos fazer acreditar nessa hipótese. Mas o motivo mais forte é que ambos se viam como belo talismã um do outro. E isso vai se tornando mais sólido quando Ashly recebe um convite para assistir a um show da banda de Daniel, ainda na plataforma de desembarque. O nome da banda? Romeo’s Quest.
Quando chega à casa do seu pai, Henry, após uma melancólica viagem em que seus pensamentos estavam voltados para sua irmã e suas cartas, teve que se defrontar com a nova família, que incluía seus meios-irmãos, Ryan e Hailey. Apesar do processo meio tumultuoso e cheio de desconfianças, ela consegue ir ao show dos Romeo’s Quest, do misterioso Daniel. O show acontece e a emoção das letras muito bem escritas baseadas na obra de Shakespeare causa um certo alvoroço em Ashly.
No entanto, quando as aulas começam, uma surpresa. E qual seria a surpresa? Devo contar? Vou contar por uma única razão: na orelha do livro essa surpresa é revelada com todas as letras. Daniel é professor de literatura. Henry, o pai de Ashby, faz parte da direção da escola.
Uma dubiedade entre o rock star e o professor de literatura acontece. Eles parecem ser bem diferentes. Enquanto o cantor do Romeo’s Quest é sedutor, o professor Daniel Daniel’s um profissional. O que acontecerá com tudo isso? Como essa e outras subtramas vão se resolver? Ryan e Hailey, seus irmãos, como eles são? E seu pai ausente? Como se comportará no meio desses ventos fortes cheios de angústias e sofrimentos, mas também de amor e amizade? Essas e outras perguntas serão respondidas quando você ler “Sr. Daniels”, um livro com dores, tragédias e reparações, que eu recomendo a todo o público jovem que gosta de uma boa história de amor. Esta é absolutamente factível e vai te prender da primeira à última página. Eu recomendo!