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Raro Poemas em Eros

Hoje vamos falar de poesia, e o livro não podia ter um nome melhor: “Raro” (poema de Eros), publicado pela Editora Urutau, do poeta, contista e tradutor William Soares dos Santos. Esse é um livro “Raro”. Posso garantir que eu me impressionei muito com os versos desse grande poeta. E o motivo é muito simples: o autor é dono de uma escrita e de uma sensibilidade que emociona. Outro ponto: o ritmo. Detalhe: William Soares dos Santos já tem um livro resenhado aqui no site “Bons livros para ler”. E o nome do livro é o “Um Amor”, um livraço.

Na definição de Octávio Paz, “a poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro”. E o mesmo Octávio Paz nos ensina que as fronteiras entre o amor e o erotismo são tênues, visto que não há amor sem erotismo. O amor se consagra pela atração entre dois seres. O erotismo é uma força que nos atrai, é desejo latente, é paixão, é ânsia louca de corpos se dando, na embriaguez do prazer e o desespero da busca de realizações.

“No começo era o amor. No começo era a guerra. O amor e guerra estavam entrelaçados. O amor e ódio imbricados. Mesmo num poema de uma guerra, de uma guerra gerada supostamente por um amor, pelo meio da guerra, gerada supostamente por um amor, pelo meio da guerra, misturado a ela, está lá o amor, estão lá os amores misturados a ela. De um homem por uma mulher. De uma mulher por um homem. De um homem por um homem. Na guerra gerada pelo amor, se o amor algumas vezes é uma pausa (mesmo que impossível) na guerra, ele insufla a guerra, havia guerra gerando amor...” (Alberto Pucheu).

No nascimento da tragédia, o amor paixão é um conceito que combina essa introdução com aquele espírito antigo grego, algo intimamente relacionado com um destino inexorável. O amor paixão era uma experiência que colocava o ser humano na condição de erro, portanto uma realidade em que não há controle. Um destino fatídico de se representar a paixão coroado por uma dimensão trágica. William Soares cita Eurípides, considerado o mais trágico dos trágicos. Ele coloca a seguinte fala retratando Eros através no personagem Hipólito:

Ó Éros, Éros, que nos olhos

Destilas o desejo, levando o doce

Encanto à alma dos que atacas,

Jamais com males te reveles a mim,

Nem me venhas sem medida.

Pois nem os dardos do fogo e nem os dos astros

são mais poderosos que o de Afrodite,

 Que lança das mãos

 Éros, o filho de Zeus.

O amor é visto como desejo, como Eros.

Amor é amar a alguém, é uma falta, é um desejar e uma procura no outro de algo que sane a nossa incompletude. O homem é carente daquilo que não possui. Ao tecer considerações acerca do amor platônico, Octávio Paz, em “A Dupla Chama: Amor e Erotismo (1994)”, afirma que a preposição “entre” o define, uma vez que o amor tem uma natureza intermediária: é aquilo que está entre os deuses e os homens, e sua principal função é fazer a intermediação, ou seja, “leva aos deuses assuntos humanos e traz aos homens instruções divinas” e “estando no meio, ele completa uns e outros”.

O caminho de Eros

O caminho de Eros é

uma disciplina

de prazer e de dor,

parte iluminada da vida,

um bushidô.

 

O caminho de Eros

exige qualidade rara

de se entregar

com a visão clara

de quem singra e se deixa navegar.

 

O caminho de Eros

é uma iluminação,

um tantra,

o tremor da oblação,

 como a ecoar

 na diáfana fragilidade

 do corpo anímico

 aguardando uma oração.

 

 No caminho de Eros

 o discípulo vivencia

 através dos anos

 as místicas sacras experiências desconhecidas

 dos profanos.

 

O caminho de Eros

 Aguça os sentidos

 o que não tinha antes,

 de tudo que revelam

 Baco e suas bacantes.

 

O templo de Eros

 é abençoado

pelas frutas e frustrações do

período amainado,

pela água e pelo vinho

que abençoam

 o tortuoso corpo

 aplainado.

 

No destino de Eros

os discípulos

agarram-se à vida,

bebem da fonte

da juventude,

mas sentem a consciência presente

a morte serena

na hora precisa

da plenitude (pg 47).

Nos poemas de William Soares dos Santos, o corpo fala através da linguagem dos sonhos, dos símbolos e das metáforas. O profano e o obsceno se tocam através do ritmo. Para o poeta, o erotismo é tratado como uma poética corporal, e sua poesia é uma erótica verbal. Sexo, erotismo e amor são manifestações daquilo que chamamos vida. O sexo é o núcleo, e ele pode estar na “Busca”.

Busca

Buscar por

um amor infiel

sem data sem hora.

Um amor

que permita uma

liberdade

sepulcral do gesto.

 Um amor

que permita

 o lancinar

 azul do

 corpo

Recém-descoberto. (pg33)

Ou ele pode estar na Memória;

Tudo o que me resta

 é a memória de seu corpo

 retorcido

 sobre o meu.

 Tudo o que guardo é uma gota

 de seu suor envasado em cristal.

 Por isso,

narro-te

narro-te indefinidamente,

 constantemente

 para não te perder. (pg 19)

 

O poema está vivo em cada fragmento de todos nós.

À medida que abraçamos essas sensações despertadas, perdemos a identidade e reverberamos o amor existente em cada corpo.

 

O teu corpo

 O teu corpo não me lembra

- chegada do meio-dia.

 No teu corpo não me perco

- flor de cerejeira.

Do teu corpo não ouço

- assobio da ribeira.

Vendo o teu corpo não percebo

- curva sutil do galho da macieira.

 Ao tocar o teu corpo não encontro

- a maciez da cotovia.

 Ao cheirar o teu corpo não sinto

- aromas de pederneira.

Ao provar o teu corpo não alcanço

- sabores que conhecia.

Abandonar o teu corpo não sacia

 - a sede que me agonia (pg21).

 

“Raro” (poemas de Eros) é uma obra-prima de um poeta que prima pela elegância. E merece um lugar de destaque na sua estante.

 

Raro

Esta noite o teu corpo

estava

quente e raro

que pensei que fosse febre

tal o rarefeito

ar que saía por entre teus gemidos.

O arfar de tuas narinas

era

raro equino

no equinócio azul de sexta-feira

tal o calor que vinha

feroz

a me aquecer

qual estio

depois da primavera. (pg 15)


Data: 03 dezembro 2019 | Tags: Poesia


< Poética Guerra e Spray >
Raro Poemas em Eros
autor: William Soares dos Santos
editora: Urutau

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