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Putin: A Face Oculta do Novo Czar

Estamos vivendo um momento único na história. A guerra da Rússia contra a Ucrânia, que já dura cinco dias com expectativas de uma duração longa, domina os programas de televisão. Um certo frenesi de que Vladimir Putin possa valer do seu arsenal nuclear e detonar uma guerra que teria consequência previsíveis, ou seja, a destruição da humanidade. Pois não devemos nos iludir, que, em se tratando de Putin, tudo pode acontecer. Estamos lidando com um homem que foi e ainda é um burocrata da KGB, hoje FSB.

Chama a atenção que a luta pela conquista dos corações e das mentes na internet nos revela muitas vezes opiniões no mínimo curiosas. Do lado de cá, vemos o nosso presidente Bolsonaro, que visitou Putin alguns dias antes da invasão russa, desautorizando o seu vice Mourão a se pronunciar contra a invasão Russa. Putin e Bolsonaro têm um perfil ideológico muito semelhantes. Curioso que pelo lado da esquerda vi intelectuais sérios, diga-se de passagem, dizendo que a imprensa brasileira faz um CtrlC-CtrlV da imprensa americana e publica em seus jornais para em seguida dizer que, se quisermos obter uma opinião isenta, basta acessar a  Agência Tazz, Rússia hoy ou Sputnik Brasil, que nada mais são que o CtrlC-CtrlV da sala onde Putin trabalha, ou seja, um órgão controlado pela FSB.

Mas o meu objetivo aqui é mostrar uma biografia simplesmente maravilhosa, chamada “Putin: A Face Oculta do Novo Czar”, da intelectual  jornalista Masha Gessen. Ela é uma jornalista, autora e tradutora e ativista que se opôs a Putin e a Donald Trump. Filha de mãe socialista e pai sionista, ela é conhecida como uma ativista dos direitos LGBT da Rússia. Gessen disse que por muitos anos foi provavelmente a única pessoa gay assumida publicamente em toda a Rússia. No momento ela mora em Nova York com sua esposa e filhos.

Em 1981, quando era adolescente, Gessen mudou-se para os EUA. Já adulta, em 1991, mudou-se para Moscou, onde trabalhou como jornalista. Ela tem cidadania russa e americana.

A primeira vez que eu a vi, numa entrevista com Jorge Pontual na GloboNews, confesso que fiquei muito impressionado com sua inteligência e suas análises, e resolvi comprar o livro logo depois daquela entrevista. Acho que encontrei o momento certo para fazer uma boa resenha.

Vou deixar clara que farei o possível para fazer esta resenha o menor possível, mas creio que não conseguirei, pois é um tema que merece muitas considerações e informações relevantes a todos aqueles que acompanham este site.

Vamos ao livro?

Gostaria de começar esse livro não seguindo um tempo linear, mas alternando. Gostaria de começar no dia 31 de dezembro de 1999, quando Boris Yeltsin surgiu na televisão doze horas antes do horário habitual com o seguinte pronunciamento:

“Meus amigos, disse ele. Meus queridos amigos. Hoje é a última vez que venho lhes falar na véspera do Ano-Novo. Mas não é só isso. Hoje é a última vez que venho lhes falar como presidente da Rússia. Tomei essa decisão. Passei muito tempo pensando a respeito, e foi um período difícil. Hoje no último dia do século, vou renunciar... Estou indo embora... A Rússia deve entrar no novo milênio com novos políticos, novos rostos, gente nova, inteligente, forte e enérgica... Por que me apegar ao meu cargo por mais seis meses quando o país conta com um homem forte que merece se tornar presidente e em quem virtualmente todo russo vem depositando suas esperanças para o futuro?”

Depois pediu perdão. “Peço perdão, disse ele, “porque muito de nossos sonhos não se concretizaram. Porque coisas que nos pareciam simples acabaram se revelando difíceis e penosas. Peço perdão por não ter correspondido às esperanças daqueles que acreditavam que poderíamos, apenas com algum esforço, apenas tomando impulso, saltar do nosso passado cinzento, totalitário, estagnado, para um futuro brilhante, rico e civilizado. Era algo em que eu próprio acreditava... Nunca disse isso antes, mas quero que todos saibam. Senti a dor de cada um de vocês no coração. Passei várias noites sem dormir, períodos dolorosos pensando sobre o que fazer para tornar a vida um pouco melhor que fosse... Estou indo embora. Fiz tudo que pude... Uma nova geração está chegando; é gente que poderá fazer mais e melhor.” (pg 34)

Yeltsin falou por dez minutos. Visivelmente inchado, pesado, mal podendo se mover. Um homem desanimado. Nas palavras da autora: “Era como se estivesse se enterrando vivo diante dos olhares de quase cem milhões de pessoas. Sua voz embargou de emoção quando ele encerrou a sua fala.”

Foi quando deu meia-noite de um novo milênio, Vladimir Putin apareceu na TV. Nervoso, gaguejando quando começou a falar. Falou por três minutos e meio. Não fez promessas. Nada iria mudar na Rússia. Para finalizar, ele propôs um brinde “ao novo século na Rússia”. Detalhe:  ele não tinha nenhuma taça para brindar.

Logo após a posse, no dia 26 de janeiro de 2000, a exatos dois meses da eleição, o moderador de um painel russo no Fórum Econômico Mundial de Davos na Suíça fez a pergunta de um milhão de Rublos: “Quem é o sr. Vladimir Putin?”. Os componentes da mesa começaram a se entreolhar aflitos. Ao cabo de meio minuto, a sala inteira começou a gargalhar. O maior país do mundo em extensão territorial, possuidor de petróleo, gás e armas nucleares, tinha um novo líder, e as suas elites políticas e econômicas não tinham a menor ideia de quem era Vladimir Putin.

Uma semana depois, Berezovsky, que era dono de um dos jornais influentes do país, pediu que três jornalistas escrevessem a história da vida de Putin.

Feita essa introdução, vamos adiante. Vamos à história da família de Vladimir Putin. Vladimir Putin foi um bebê milagroso. Seus pais tinham uns quarenta anos de idade. Seu pai havia sido um deficiente de guerra, sua mãe quase morreu de fome. Eles perderam um filho durante a guerra devido à fome e perderam outro filho antes da guerra por uma doença infantil.

Então, por eles serem um casal no meio de uma guerra sangrenta, isso já era um milagre. Era algo que quase não se via em Leningrado depois da guerra. Então, eles terem sido capazes de gerar um filho na casa dos 40 anos foi nada mais, nada menos que um milagre. Isso fez com que ele se sentisse “escolhido” ou o “eleito” – assim ele descreveu em sua biografia oficial. E, quando ele se vê agora como presidente, essa convicção sobre sua trajetória de vida aumentou.

Seu pai lutou em Leningrado e foi ferido. Trabalhava na NKVD (Comissária do Povo para Assuntos Internos). NKVD foi a precursora da KGB, no início da Segunda Guerra Mundial. Seu pai manteve uma conexão com a polícia secreta. Um dos sinais era de que a família possuía um telefone, e as pessoas nem de longe sonhavam em ter telefones na União Soviética nos anos 1950. Nunca alguém teria um telefone pessoal dentro de um apartamento comunitário. O pai de Putin tinha.

Quando garoto, o jovem Putin brincava no pátio desses apartamentos comunitários em Leningrado, atual São Petersburgo. Esses apartamentos comunitários, que haviam sido construídos por arquitetos durante a modernização da cidade anteriormente, eram apartamentos luxuosos, que se transformaram em espeluncas depois da Revolução de Outubro.

Putin nasceu sete anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Leningrado ficou cercada durante o cerco dos alemães por 900 dias. Um milhão de pessoas morreram de fome. E a cidade foi bombardeada inúmeras vezes. Viver em Leningrado depois da guerra era como se a guerra não tivesse acabado. A maioria havia perdido membros da família, e a grande maioria perdeu família inteiras. Há relatos de que a fome era tanta que muitas vezes o canibalismo foi um meio de sobrevivência. Para se manterem aquecidos naquele frio descomunal, livros e mobílias serviam de lenha. Foi nessa cidade que Putin nasceu.

Um período de extrema pobreza em toda a União Soviética. As pessoas viviam à beira da subsistência. A comida era escassa, as mercadorias eram escassas. As crianças não recebiam cuidados. Os pais trabalhavam seis dias por semana, trabalhavam 24 horas por dia, sua mãe tinha vários empregos não qualificados e seu pai trabalhava numa fábrica.  Não havia cuidados infantis subsidiados pelo Estado. Não havia aposentadoria. Por razões óbvias, Putin vivia à solta, arrumando confusão, era um garoto que tinha um pé na delinquência (palavras dele) quando começou a praticar Sambo, uma arte marcial soviética, tendo vindo a mudar para o judô para que pudesse competir.

Uma das características de sua personalidade, segundo algumas pessoas entrevistadas, é que ele era uma pessoa desonesta, extremamente ambicioso, muito gananciosa. Putin não se achava ganancioso, mas seu comportamento fugia totalmente aos padrões de uma criança soviética.

Na idade de 15 anos, Putin tinha um relógio de pulso. Coisa impensável para um garoto de sua idade. Era um luxo. Pode parecer algo absolutamente normal para nós no Ocidente, que sempre tivemos não só um, mas vários relógios. Mas, para as crianças soviéticas, aquilo era um luxo. Ninguém sabe a procedência do relógio de pulso. Algo dado pelo pai. Mostra algo distorcido para os padrões da época.

Uma segunda história que chama a atenção na biografia de Putin:  quando ele estava na faculdade, conseguiu um trabalho muito bem remunerado  E se mandou para a Criméia e gastou todo o dinheiro. Não dividiu com a família aquele dinheiro recebido, como um rapaz geralmente faria. Com esses dinheiro, a família comeria pelo resto do ano. No segundo ano, ele recebeu mais um dinheiro. Ele aprendeu a lição e comprou um bolo para sua mãe, que mostra uma relação estranha com o seu pai.

A terceira história é que seus pais ganharam um carro na loteria. Havia uma única loteria soviética, onde muitas pessoas jogavam; às vezes alguns tinham a sorte. E a sorte sorriu para os Putins. Só que, ao invés de pegar o dinheiro e trocar de apartamento, que era o sonho de todo cidadão soviético, resolveram dar ao filho o carro.

Em Leningrado nos anos 1970, Vladimir Putin era o único estudante de carro na Universidade de Leningrado. Antes de se tornar primeiro-ministro da Rússia, ele não tinha vida pública. Então, ele teve condições de criar a sua própria mitologia pessoal. A imagem que ele projeta sobre si é muito importante. Uma delas é que ele quis entrar para a KGB aos 16 anos de idade, como trabalho voluntário. Ele sempre quis que as pessoas pensassem isso dele.

Uma outra mitologia contada pelo próprio Putin é que ele queria ser um agente secreto a vida toda, e ele acabou se tornando um. Quando se tornou um agente da KGB, esperou pacientemente por sua transferência para o exterior. Então, ele foi enviado para a Alemanha Oriental, e não para Berlim, mas para a cidade de Dresden, que era apenas um lugar onde a quietude reinava. Putin queria ação. E Dresden não era o lugar preferido dele, devido à calma excessiva e por ter sido uma cidade destruída pelos russos em 1945.  E, ao invés da ação que ele queria, sobraram muitos papéis para administrar. Seu trabalho era meramente burocrático.

Com o colapso da URSS se aproximando, viu-se em uma condição em que (segundo ele) sentiu-se traído pela União Soviética, como agente da KGB na Alemanha. Bem, segundo ele, ao invés de se juntar às manifestações, ele ficou destruindo papéis e queimando documentos por razões que só ele saberia dizer e não disse. Ele continuou a ser um agente secreto, “uma vez agente secreto, sempre agente secreto”.

Quando ele volta para Leningrado, ele permanece na KGB. Ele conseguiu um emprego. E seu emprego era um posto das relações exteriores para a Universidade de Leningrado. Numa época em que as Universidades começavam a abrir suas portas para estudantes estrangeiros, professores estrangeiros, programas de intercâmbio, a KGB precisava ter um funcionário na Universidade. Coincidentemente, Leningrado foi a primeira cidade do país a realizar eleições. Uma eleição emocionante como não nunca se viu. Uma democracia radical. Coincidentemente, Putin trabalhava na Universidade para um de seus professores que acabou vencendo as eleições em Leningrado. Seu nome era Anotoly Soubchak. Ele acabou sendo eleito prefeito. Um democrata, que não tinha nada de radical. Era um centrista, segundo a autora.

Em suas memórias, Soubchak diz que ele estava ciente de que Putin era da KGB, mas ele preferia ter seu próprio agente da KGB do que outro agente que ele desconhecia.

Após o fracassado golpe de 1991, a KGB não havia sido dissolvida. Yeltsin deu ordens para que Gorbachev substituísse o agente da KGB que tentou dar o golpe para dissolver a KGB, mas ele não conseguiu. Ao invés de uma, quinze KGBs diferentes apareceram para cada uma das repúblicas constituintes da URSS.

No entanto, quando Soubchak conseguiu se eleger, ele se viu envolvido em seu primeiro caso de corrupção, e essa corrupção tem algo a ver conosco aqui no Brasil, chama-se propina. A investigação do conselho da cidade concluiu que Putin precisava ser processado. Mas, ao invés de permitir o processo, Soubchak, que era o prefeito, simplesmente dissolveu o conselho da cidade e passou a governar por decreto por um ano e meio.

Sabemos que Putin migrou da antiga KGB para a FSB, o equivalente histórico e burocrático, mas com o mesmo ofício, a espionagem. Na época, ele era tenente-coronel quando foi promovido a chefe da FSB. Suas reuniões em função da desintegração da KGB acabaram acontecendo em um poço de elevador em desuso no prédio da FSB porque ele estava com medo de ser grampeado.

Quando a figura de Berezovski, um oligarca (aquele que, após a posse, havia pedido mais tarde aos jornalistas uma biografia para Putin) que se imaginava um rei, começou a aparecer. Um homem que se tornou rico muito rapidamente na década de 1990, de forma suspeita, caiu nas graças de Boris Yeltsin.

Yeltsin parecia gostar dele e confiava nele. Ele tornou-se chefe de seu Conselho de segurança, fazia parte do círculo íntimo de Yeltsin. Putin acabou tornando-se primeiro-,inistro em 9 de agosto de 1999. Boris Yeltsin estava dando sinais de doenças coronarianas e problemas com a bebida.

Foi quando Berzovsky (o oligarca) pressionou Putin para ser o seu sucessor. Yeltsin havia desistido de concorrer a um terceiro mandato. Ele modificou a Constituição de maneira criativa. Ele temia que a oposição liderada por Primakov o colocasse na cadeia. Foi aí que o talento de Berezovsky (que se imaginava um criador de reis) veio à tona. Ele considerou escolher um homem da KGB para este trabalho. E foi a partir daí que um obscuro tenente-coronel se tornou presidente. Para isso, Berezovsky havia criado a seguinte história:

“Ele foi o primeiro burocrata a recusar um suborno, assegurou-me o oligarca. E isso realmente me impressionou” (pg 21)

Esse relato feito por Berezovky não batia com outros fatos provados sobre Putin, que aceitou subornos em outras circunstâncias.  

Putin, quando substituiu Boris Yeltsin, começou a forjar a sua própria imagem. Seus ternos eram diferentes dos membros do Politiburo, eram bem cortados. E, como um homem de informação, ele estava vendendo uma imagem de si para o público interno e externo.

Quando, no dia 31 de dezembro de 1999, tornou-se presidente interino, Putin que não tinha uma personalidade pública e foi a partir dali que sua biografia estava sendo criada. O livro se chamava: "Em Primeira Pessoa - O Auto-retrato do Presidente Vladimir Putin".

Um livro que, segundo Masha Gessen, projeta um mito sobre si mesmo, um livro propaganda de si mesmo. E ele não poupa sobre si mesmo algumas características pessoais que ele faz questão de dizer em alto e bom som. Ele mesmo confessa ser um homem vingativo. Ele é agressivo, imprudente. Uma pessoa que tem uma imensa dificuldade de controlar seu temperamento. Ele é capaz de tudo para atacar e se vingar de quem quer que seja. Isso são palavras dele.

 Coincidentemente, três semanas após a sua nomeação como primeiro-ministro, ocorre uma série de ataques terroristas que começam a acontecer na Rússia. Primeiro, foram pequenos incidentes, depois começaram vários atentados a apartamentos no sul da Rússia e depois em Moscou. E os atentados em Moscou foram chocantes para o país. E o sentimento era de indignação, semelhante ao 11 de Setembro nos EUA. Um atentado que matou centenas de pessoas. E tudo isso sendo filmado. O atentado ocorreu de madrugada. E o sentimento foi de perplexidade e medo. Tudo isso aconteceu às 5 da manhã. Foram explosões projetadas para o número máximo de vítimas.

 Putin aparece na televisão e diz:

“Vamos caça-los até o fim, diz ele, referindo-se aos terroristas. Onde quer que estejam, vamos encontra-los e destruí-los. Mesmo que estejam no banheiro. Vamos despachá-los pela privado abaixo.” (pg 31)

 Naquele momento, ele reivindica esse poder que legalmente ele não tinha. Ele não estava dizendo "Vamos encontrar os responsáveis e trazê-los à Justiça." Ele já os chamou de terroristas ele disse: “Nós basicamente vamos executá-los extrajudicialmente. Vamos acabar com eles no banheiro. Esqueça o processo. Esqueça essa ideia de trazê-los à Justiça. É guerra."

Bem, a crise na Chechênia que havia terminado após os tratados de paz, na época de Boris Yeltsin, voltaram com a carga total. Nacionalistas chechenos mantiveram centenas de reféns em um teatro de Moscou. Após três dias, as forças especiais russas lançaram um gás no sistema de ventilação para encerrar o cerco. Cerca de 129 pessoas que eram reféns morreram, muitos porque os médicos não foram informados sobre o tipo de gás usado. Independentemente de tudo, o uso de gás é ilegal sob a lei russa e internacional.

Uma investigação mais aprofundada sobre o cerco ao teatro de Moscou revelou detalhes.

 Alexander Litvinenko, um ex-oficial do serviço secreto russo baseado em Londres, soube que um sequestrador, Khanpasha Terkibayev, havia desocupado o teatro em segurança antes do fim mortal do cerco. Litvinenko passou as informações ao politico pró-democracia chamado Serguei Yushenkov e para a jornalista Anna Politkovskaya. Duas semanas depois Yushenkov foi morto a tiros. Politkovskaya, no entanto, entrevistou Terkibayev e, embora ele fosse conhecido por se gabar e não ter discrição, disse que trabalhava para Moscou e para o FSB, do qual Putin era o ex-chefe. No entanto, essas revelações provisórias não foram além. Terkibayev morreu em um acidente de carro em 2003. Politkovskaya foi morta a tiros, e Litvinenko morreu de um curioso e famoso caso de envenenamento radioativo em Londres em 2006. Simples assim.

Em 2004, rebeldes chechenos tomaram uma escola em Beslan, no sudoeste da Rússia. As tropas federais atacaram prédios três dias após o cerco, matando 334 pessoas, incluindo 186 crianças. Mais tarde, o único sequestrador sobrevivente revelou que as tropas russas usaram lança-chamas para expulsar os rebeldes chechenos. O ataque foi tão severo que os rebeldes tentaram proteger as crianças.

Após o cerco, Putin declarou que a Rússia precisava ser mais forte. Governadores, a câmara baixa do parlamento e prefeitos deveriam ser nomeados, em vez de eleitos. Os votos deveriam ser destinados a partidos, e não a candidatos; e todos os projetos de lei deveriam ser revistos por uma câmara especial de deputados.

 

As políticas de Putin criaram um clima de medo. Alguns empresários até conseguiram tirar proveito dos lucros em meio à privatização, mas aqueles que discordaram de Putin foram rapidamente cortados, perdendo suas fortunas ou a sua liberdade. Alguns até perderam a vida.

Vladimir Gusinsky criou um império de mídia estabelecendo o primeiro canal de televisão independente da Rússia. No entanto, Gusinsky não apoiou a campanha presidencial de Putin e exibiu em um programa de televisão onde mostrava o seu envolvimento com a polícia secreta nos atentados de 1999 em apartamentos.

Como represália, homens armados invadiram a empresa de mídia de Gusinsky, levando documentos. Uma voz de prisão foi emitida por acusações de fraude, mas ele fugiu e foi para o exílio. Mais tarde soube-se a verdade, ou seja, ele havia trocado seu império midiático por sua liberdade.

O lado implacável de Putin se dirigiu também a todos aqueles que o apoiaram em um primeiro momento, como o velho amigo de Putin Berezovsky (estão lembrados? O homem que colocou Putin no poder.) teve a audácia de criticar as reformas antidemocráticas do presidente. Acabou sendo acusado de fraude e, como resultado, decidiu permanecer no exterior. Seus ativos foram retirados deles e vendidos a preços baixos.

A fama de incorruptível de Putin quando ele entrou na política pela primeira vez na década de 1990 era “corruptível”. Essa impressão não durou muito quando foi descoberto seu patrimônio espalhado em todo mundo.

Putin tem cerca de US$ 40 bilhões de dólares em ativos, incluindo um palácio no Mar Negro no valor de US$ 1 bilhão, tudo acumulado por roubos descarados e negócios obscuros.

Parte dessa fortuna foi recebida pelos oligarcas para financiar equipamentos médicos para hospitais e instalações médicas.

Em um momento bem estranho, foi pego roubando em público. Quando conheceu Robert Kraft, o dono do New England Patriots, Putin pediu para experimentar um anel de diamante e nunca mais o devolveu.

Uma coisa é certa, segundo Masha Gessen, aqueles que denunciarem Putin devem ter muito cuidado. A história de Mikhail Khodorkovsky é um exemplo poderoso. Tornou-se um clássico. Ele virou um oligarca por meio de empréstimos do governo e seu subsequente controle da Yukos, uma grande empresa petrolífera russa. Filantropo, mais tarde, criou a Open Russia Foundation, que ajudou a financiar organizações não governamentais e outros projetos sociais.

Ele chegou a contratar firmas internacionais de auditorias, como a McKinsey& Company e a Pricewaterhouse Coopers, para avaliar suas empresas, e ele falava publicamente, assim como diretamente a Putin, sobre como a corrupção estava destruindo a Rússia.

Quando Khodorkovsky questionou o presidente da estatal petrolífera Rosneft sobre a legalidade de uma fusão, Putin o interrompeu por suas opiniões. E acabou preso sob a acusação de evasão fiscal e fraude e, após o julgamento espetáculo, foi enviado para uma colônia penal. A Anistia Internacional denunciou essa arbitrariedade. A empresa petrolífera de Khodorkovsky foi então leiloada – sem surpresa, para uma empresa dirigida por um aliado de Putin.

Em 2010, a Transparência Internacional informou que a Rússia era 86% mais corrupta do que outros países. Putin e seu governo ameaçou ativamente todos ativistas e qualquer um que desafiasse seu governo político.

Em 2005, o mestre de xadrez Garry Kasparov tentou fazer campanha contra Putin. Mas, de repente, os locais em que ele planejava falar fecharam por razões sem sentido, e a mídia controlada pelo Estado parou de relatar suas palestras. Em 2011, Putin reuniu dois partidos políticos fictícios para representar uma visão mais de esquerda e uma visão mais de direita, para contrastar com seu próprio partido político.

Ele optou por Mikhail Prokhorov, um dos homens mais ricos da Rússia, para liderar a direita. Mas, quando Prokhorov se recusou a participar, ele foi excluído de seu próprio partido. O partido de Putin conquistou 49% dos votos nas eleições parlamentares de 2011, embora observadores independentes tenham testemunhado grandes fraudes em 134 dos 170 distritos de Moscou.

Masha Gessen afirma que Putin não está apenas fechando os olhos para o crescimento do crime e da corrupção, mas incentivando e participando ativamente dessas atividades como um dos principais orquestradores. De acordo com os mais próximos de Putin, incluindo um ex-oficial da KGB, Putin não se preocupa muito em roubar porque ele assume isso como a norma.

Masha Gessen cita o sociólogo húngaro Bálint Magyar para definir o estado russo como estado mafioso, administrado como uma família por um patriarca que distribui dinheiro, poder e favores. Para isso cita a administração de Medvedev que sucedeu Putin, cujo recurso era praticamente zero para ele, ou seja, tinha um secretário de imprensa e um assistente. Todo o restante estava concentrado em torno de Putin, que na época era primeiro-ministro. Mas quem mandava não era o presidente, como consta na constituição russa, mas o primeiro-ministro Putin.

Apesar de suas transgressões, Putin cultiva uma imagem como rei do submundo, punindo quem merece, mas muito generoso com quem gosta e o apoia. Seu patriotismo em relação à Rússia também funciona a seu favor, tudo isso se juntando para evocar a personalidade de alguém que é duro, mas justo. Mas que no fundo não passa de um gangster da KGB, ou FSB.

Fico por aqui. Como eu já havia dito, esta resenha seria um pouco mais longa. E acabou ficando mesmo. Para finalizar, indico o livro “Putin: A Face Oculta do Novo Czar”, de Masha Gessen, como um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 04 maro 2022 | Tags:


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Putin: A Face Oculta do Novo Czar
autor: Masha Gessen
editora: Nova Fronteira
tradutor: Maria Helena Rouanet

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