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O Show do Eu – A intimidade como espetáculo.

“O Show do eu - A intimidade como espetáculo”, de Paula Sibilia, foi escrito em 2008. Podemos dizer que muitas coisas mudaram até chegarmos a 2017. A globalização, hoje, é algo questionado. Vemos o renascimento do nacionalismo logo na pátria da globalização, os EUA, onde Donald Trump é o grande símbolo. Podemos ver a desintegração de parte da Europa e o questionamento de uma pátria europeia que nasceu para unir todos os países europeus justamente para se evitar a guerra que afetou esse continente durante séculos.

A pergunta que fica é: conseguirão mesmo os EUA bloquear o processo de globalização? A resposta é “não”. O mundo está inteiramente interligado à transparência lisa e brilhosa da tela de um monitor conectado à internet, onde bilhões se comunicam, onde os mercados estão totalmente conectados e não param. Ninguém pode impedir que esse isolamento prevaleça, senão mediante uma ditadura estilo Coreia do Norte. E a tecnologia digital a cada momento se aperfeiçoa, mais e mais. O líder da maior potência comunista do mundo, Xí Jìnpíng, fez em Davos um discurso em que disse: “Defender o protecionismo é como fechar-se num quarto escuro. O vento e a chuva certamente ficarão lá fora, mas também a luz e o ar”. Foi ovacionado.

Na verdade, a globalização e a conectividade foram vividas por décadas. Hoje vemos o descontentamento numa ordem mundial, que começa a dar sinais de crise, sem sabermos o que vem a seguir. Esse descontentamento das pessoas, na verdade, tem o foco errado. A tecnologia hoje é a maior ameaça a novos empregos, não a globalização. É a automação, a inteligência artificial, a fabricação em 3D. Se essas coisas tirarem emprego das pessoas nos próximos dez anos, não só nos EUA, mas no Brasil, o movimento antiglobalização vai crescer muito mais nos mercados emergentes.

Leon Trotsky, que nunca foi invocado como um guru da tecnologia, disse: “Você pode não estar interessado em guerra, mas a guerra está interessada em você”. Podemos dizer que, se você não se interessa por tecnologia, a tecnologia está interessada em você. Quando me refiro à tecnologia no dia a dia das pessoas, refiro-me às grandes empresas criadoras cada vez mais sofisticadas, criadoras de necessidades de consumo de smartphones de última geração e por aí vai. Hoje, uma das pesquisas do Facebook descritas como revolucionárias foi colocada por Regina Dugan, chefe do departamento de inovação do Facebook.

Depois de falar da importância dos smartphones, que revolucionaram a vida das pessoas, Regina Dugan explicou o próximo passo da gigante das comunicações: desenvolver uma tecnologia que permita, em vez de escrever um e-mail, com recurso de um teclado, simplesmente pensarmos e vê-lo na tela. "Parece impossível, mas está mais perto de ser concretizado do que possamos pensar", disse Dugan, quase em jeito de profecia. 

Como se isso não bastasse, o Facebook quer ainda criar uma interface cérebro-computador, que permitiria coisas tão "surreais" como a pessoa não ter de escrever o e-mail (apenas pensá-lo), mas também não ter de ler – mas sim senti-lo no corpo, por exemplo. 

O que estou dizendo aparentemente não tem nada a ver com o nosso livro em questão, mas tem. Essas novas tecnologias criaram um novo ambiente capturado na internet. As redes digitais de comunicação tecem os seus fios ao redor do planeta. Tudo muda vertiginosamente. Se recordarmos da “Primavera Árabe”, ela foi organizada nas redes sociais. Para ser mais exato, na “Deep Web”, (onde existe um universo ainda mais complexo que essa nossa internet com que convivemos no dia a dia), Facebook, correio eletrônico, Yahoo, Messenger, entre outros.

Se os diários íntimos de antigamente tinham um modelo confessional, trancados a sete chaves, hoje eles estão expostos em blogs , weblogs, fotologs e videoblogs, onde as intimidades são expostas nas vitrines globais da rede.

“O Show do eu – A intimidade como espetáculo”, de Paula Sibilia, é um livro absolutamente imprescindível para os dias de hoje, um livro brilhante. Dona de uma sagacidade desconcertante, a autora passeia sob o tema com argumentos originais, e sua escrita simples faz o livro gostoso de ler.

O livro faz uma profunda analise sobre o “eu” na internet a partir das experiências de subjetividade. Um sinal desses novos tempos foi a escolha antecipada pela revista Time, que resolveu escolher “a personalidade do ano” no final de 2006. Hitler foi eleito, em 1938, a personalidade do ano, o Aiatolá Khomeini em 1979 e George W. Bush em 2004. E, afinal, quem foi o personagem do ano de 2006? De acordo com o respeitado veredito da revista Time, a personalidade do ano de 2006, foi você. Isso mesmo, eu, você e todos nós. Para ser preciso, cada um de nós.

“A rede mundial de computadores se tornou um grande laboratório, um terreno propício para experimentar novas subjetividades: em seus meandros nascem formas inovadoras de ser e estar no mundo, que por vezes parecem saudavelmente excêntricas e megalomaníacas, mas outras vezes (ou ao mesmo tempo) se atolam na pequenez mais rasa que se pode imaginar. Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes espaços da Web 2.0 são interessantes, nem que seja porque se apresentam como cenários bem adequados para montar um espetáculo cada vez mais estridente: o show do eu. (pg 27)

O trabalho de Paula Sibilia mostra um panorama crítico da fabricação da autoimagem no mundo virtual, onde se misturam um acirrado individualismo e rígidos disciplinamentos em um processo de visibilidade no qual as autoimagens parecem dizer: "Todo mundo é especial! Você é especial! Você é como todo mundo”.

No entanto, graças a um olhar atento, Paula Sibilia detecta alguns sinais dessa mutação, múltiplos sintomas de um distanciamento com relação a um modelo de eu que marcou uma época, mas que agora está se esfacelando. A interioridade psicológica fazia parte de um modo de subjetivação historicamente localizável, que vigorou de maneira hegemônica nos últimos duzentos anos do mundo ocidental.

As “Confissões” de Santo Agostinho aparecem pela primeira vez na tradição ocidental numa exigência de um autoexame perpétuo. Suas confissões se concentram na busca de uma interioridade, na busca da essência do eu, ou seja, a busca da interioridade é onde mora a verdade. Cada vez que olhamos para dentro de nós mesmos é possível alcançar a natureza.

No século XVIII, o autor dessas confissões já não é um homem que procura dialogar com Deus nas profundezas da alma, mas um sujeito que afirma a sua individualidade face a uma ordem social que ele deseja mudar, pois nela vigora tudo aquilo que esse indivíduo nega.

Já no século XIX, o universo íntimo veio à tona em meio àquele movimento que enalteceria a autenticidade de cada um. Um outro tipo de individualismo, nas palavras de Georg Simmel, mais “qualitativo”, onde o que se valoriza é a singularidade individual, o homo psychologicus, um indivíduo em estreito contato consigo mesmo, capaz de revelar uma realidade que é, ao mesmo tempo, universal e individual, objetiva e subjetiva, pública e privada, exterior e interior. Ele organiza sua experiência vital em torno de um eixo situado em sua interioridade, “uma substância etérea e espessa, infestada de enigmas e em alguma medida incognoscível”. O sociólogo alemão manifestou a esperança de que “o imprevisível trabalho da humanidade produza sempre mais variadas formas de afirmação da personalidade e do valor da existência”

O motivo dessa escolha deve-se à era da informação. E a escolha é a celebração do eu na web, onde podemos celebrar as idiotices jorradas na internet por hordas de estúpidos como também podemos celebrar a sabedoria. Uma mistura da glorificação da mediocridade assim como das grandezas. Nas palavras Paula Sibilia: “Vontade de potência e impotência ao mesmo tempo. Megalomania ou despretensão”.

Se, no século XX, os meios de comunicação apareceram de forma desconcertante baseados em tecnologias eletrônicas, como o rádio e a televisão, cuja estrutura comporta uma fonte emissora para muitos receptores, no século XXI, estamos vivendo a era dos computadores interconectados através de redes digitais, que se converteram nos novos meios de comunicação.

A sociedade do século XIX e início do século XX cultivava separações entre o âmbito público e o privado, germinando uma nova personalidade mais psicológica, mais privada. No século XXI, as personalidades recebem a convocação para se mostrarem. É a publicidade do privado, a sensação de se tornar celebridade. Um exibicionismo da intimidade, que em outras épocas seria algo totalmente impensável. Uma mutação subjetiva que empurra o eu para outras regiões, ou seja, do interior para o exterior, da alma para pele, do quarto para as telas de vidro.

O Facebook converteu cada usuário da rede em um eficaz instrumento de marketing. Cada usuário produz conteúdo de graça para essa rede social servindo ao marketing de dezenas de companhias que vendem produtos e serviços na internet. Isso ocorre em meio ao processo de globalização dos mercados e de uma sociedade altamente midiatizada, fascinada pela incitação à visibilidade.

Na cultura das sensações e do espetáculo, a interioridade psicológica na definição do que cada um é começa a ser questionada. As narrativas biográficas na internet potencializam o consumo de vidas alheias e reais. A não ficção atropela o mundo ficcional, o herói foi abandonado em favor da intimidade comum. O eu público e o eu privado viviam num conflito que muitas vezes resultava em angústias e suicídios de estrelas do século XX. Hoje, a busca de fazer do próprio eu o espetáculo não deixa de apontar para um desejo de afastar os fantasmas da solidão.

Fico por aqui. O livro aborda muitas outras questões absolutamente pertinentes aos dias de hoje. “O Show do eu – A intimidade como espetáculo”, de Paula Sibilia, é um livro simplesmente sensacional e que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 02 maio 2017 | Tags:


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O Show do Eu – A intimidade como espetáculo.
autor: Paula Sibilia
editora: Contraponto

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