De flor em flor

Livros infantis exigem muito mais do que uma simples leitura. Não adianta pegar um livro infantil com o pragmatismo próprio da vida adulta e tentar encantar uma criança. Deve-se relaxar um pouco mais, procurar entrar no ambiente oferecido e proposto pelo livro e se deixar levar pelas ilustrações, espaços vazios, cores, palavras ou pela ausência delas. É necessário ler nas entrelinhas, buscar sentidos ocultos, tarefa essa exercida com facilidade pelas crianças que ainda têm a imaginação livre e protegida da seriedade da vida adulta e seus códigos de conduta enrijecidos.

“De flor em flor” é um livrinho assim. Delicado, simples e poético.

É a história de um adulto, provavelmente o pai, conduzindo uma criança a caminho de casa. Não fica claro de onde eles vêm, mas o destino é o lar.

O livro não oferece palavras, a narrativa é a própria ilustração, que conduz a história em preto e branco, colocando cores apenas sobre a criança, seus interesses, o que lhe desperta a atenção e lhe faz sentido.

Ambos andam na rua a pé, de mãos dadas. Os carros passam, sinais são atravessados, outros adultos circulam; um caminho como qualquer outro, se não fosse o olhar atento de uma criança que observa o mundo e procura colori-lo à sua maneira. E crianças têm esse dom de colocar cores onde os tons entre o preto e o branco dominam uma rotina de coisas iguais ou que nos passam despercebidos.

Então, a criança encontra uma florzinha ao lado de um poste e a colhe. Mesmo sendo guiada e acompanhada por um adulto alheio ao que se passa e atento às suas próprias preocupações, a criança segue encontrando e distribuindo outras pequenas flores que encontra pelo caminho, tornando sua rotina uma troca gentil com o mundo que a cerca.

Ou seja, como dizia a letra de uma das músicas dos Titãs: “Há flores em tudo que eu vejo”. E crianças possuem essa magia.

Ao chegar em casa com seu pai, a criança encontra seu universo amoroso, formado por uma mamãe que a abraça, vê seu irmão e tudo fica colorido. Os afetos que despertam e dão cor à vida; a rotina que pode ser compartilhada e ofertada com flores e cores pelo caminho.

Uma história que exige uma interpretação delicada. “De flor em flor”, através do olhar generoso de uma criança, nos dá a oportunidade de caminhar e encontrar afetos e trocas numa caminhada de volta pra casa.