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A bela de Odessa ( Saga de uma família judia na Revolução Russa)

Um vilarejo de Berdichev foi tomado de euforia enorme com a chegada do novo Czar Alexandre III, que faria uma visita à região. Tudo estava pronto para saudar o novo Czar. Uma banda, as melhores roupas, a melhor comida, estavam todos preparados para saudar a tão ilustre visitado Czar. Faigue Makarevich avistou os batedores se aproximando. À medida que se aproximava, ficava cada vez mais claro que o objetivo de Alexandre III não era visitar, mas apenas passar para dizer implicitamente que as Leis de maio de 1882 estavam prontas para serem usadas contra os judeus.

Da festa tão esperada, sobrou apenas o grande silêncio. A cortina da cabine da carruagem fechada da realeza tinha um destino. Aquele gesto indiferente tinha um endereço, e a mensagem começava a ficar clara com o passar dos dias. E qual era a mensagem? Os judeus tinham que ir embora. Ondas de pogroms antijudeus varreram várias regiões do Império russo, durante várias décadas. Mais de dez milhões de judeus fugiram da Rússia entre 1880 e 1920.

Pogrom é uma palavra russa que significa "causar estragos, destruir violentamente". Historicamente, o termo refere-se aos violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. Acredita-se que o primeiro incidente desse tipo a ser rotulado pogrom foi um tumulto antissemita ocorrido na cidade de Odessa em 1821.

Ao contrário do pai de Alexandre II que tentou implementar uma monarquia constitucional, com maior participação popular, Alexandre II era um conservador e revogou tudo o que seu pai havia feito.

 É assim que começa o romance “Bela de Odessa (saga de uma família judia na Revolução Russa)”, da escritora Rachel Bassan. Esse livro é fruto de uma pesquisa de campo feita da Rússia à Ucrânia, passando pela Turquia. A autora, neta de imigrantes judeus russos, não poupou esforços para nos mostrar a história desses imigrantes. Uma história sensível em que cada saga carrega dentro de si outra saga. E, como resultado final, passamos a  conhecer parte da rica tradição judaica vinda da Rússia. O livro é ótimo. Uma narrativa suave, mas sem perder o foco da história.

A história envolve duas árvores genealógicas das famílias: Beile Sadowik // Bela Rosenthal; a segunda, Michka Sumbulovich // Michael Cohen. A história alterna o fervor ora por um ideal político, ora por um amor entre dois jovens que pareciam ter sido feitos um para o outro, mas o destino os separou.

O livro começa em maio de 1882 e alterna para abril de 1961. O ritmo do tempo se alterna entre esses dois momentos. No século XIX, quando Bela nasce, e no século XX, na década de 1960, ela se encontra em um hospital no Rio. Dona Bela está passando por um momento de saúde delicado. Sua neta Regina estava ao seu lado quando ela desperta. Foi mais do que um despertar, uma necessidade de contar algo. Era como se precisasse fazer uma confissão íntima para sua neta soubesse. Nessa confissão havia algo maior, era a sua herança de vida, que Regina precisava saber.

Bela recordava-se de várias pessoas que passaram por sua vida, como os Blumenfeld, Maya, os vizinhos, Benia (o Robin Hood dos guetos de Odessa). E o primeiro pogrom em Moldavanka, quando ainda tinha seis anos, e, claro, Mischka Sumbulovich, que possuía a força moral e que a ensinou a lutar por sua própria vida, e que foi o primeiro grande amor de sua vida. Esse encontro é onde encontra-se o segredo, a dor, algo que o destino separou.

Em 1914, os ventos pareciam soprar em direção à Primeira Guerra Mundial, e Bela descobre o amor numa festa nos Blumenfeld:

“Bela estava fascinada com Mischka. Sentaram-se lado a lado, deixando a comida esfriar. Ela cortava os alimentos, mas sem levar à boca. O rapaz, deslumbrado com tanta atenção, discorreu sobre a guerra. Bela não piscou o olho. Ele pareceu tão sabido!” (pg. 71)

Esse lado revolucionário de Mischka de fato tinha origens bem sólidas. Seu pai era um grande ativista e lutava para tirar o povo judeu da Rússia e levá-lo para a Palestina. Mas o filho almejava algo maior: derrubar o governo czarista. Mishka sabia que a Palestina podia ser na Rússia. Para isso, uma coisa precisava ser feita: o fim da monarquia. E ele se dedica de corpo e alma para realizar esse sonho.

Bela, desde que viu Mischka, nunca tirou os olhos dele, e as recordações vinham à medida que relatava à sua neta: a sua paixão pela política e por esse homem. Em 1917, a Rússia perdia no front da Primeira Guerra Mundial, mas algo interno começava a dar ares de mudança. A miséria, a fome, as longas filas por um prato de comida faziam com que a insatisfação do povo ganhasse um contorno óbvio. E o motor dessa insatisfação estava no exílio, na Suíça, e tinha um nome: Wladimir Ilych Ulyanov, mais conhecido como Lênin.

Mischka estava envolvido até a medula com a Revolução. Mudou-se de Odessa para Moscou, e deixou a sua amada Bela com o coração apertado. Com a queda de Kerenski, passou a frequentar o politiburo e começou a ter esperança. A vida não estava lhe dando tempo nem trégua.

“A Primeira carta Bela escrevera à luz de uma lamparina. A cidade estava às escuras, mas nada a impedia de manter o contato. Pelo jeito, as panes na usina estavam cada vez mais frequentes. Assim como a falta de alimentos, querosene, velas... e segurança. Apesar das notícias, a carta trazia paz a Mischika. Tudo indicava que, embora longe, eles estavam protegidos lá. Mais do que em Moscou” (pg 255)

A cheka era uma polícia secreta que tinha plenos poderes para fazer o que quisesse, como, por exemplo, entrar na casa de uma pessoa e arrancar tudo dela, inclusive a vida. Os tribunais revolucionários muitas vezes não eram levados em conta. Foi nesse momento que Mischka presenciou os primeiros sinais de que Lênin era apenas um Czar comunista. Certa vez, Fanni Yemovna Kaplan (personagem real), uma revolucionária membro do Partido Social Revolucionário, disparou três tiros, dois acertaram Lênin no pulmão e no ombro. E o motivo da tentativa de assassinato era a hegemonia forçada que Lênin queria impor a todos os partidos de esquerda. Mischka começava a perceber que seu líder era a continuação do que nunca deixou de existir, ou seja, o autoritarismo.

 E mais uma vez os judeus eram uma presa fácil. Os bolcheviques eram acusados por outros socialistas de antissemitismo. Lênin pedia que as palavras fossem transformadas em ações, o que significa “atacar todos os judeus”. Todos os opositores eram considerados judeus, entre eles Mischka.

Bela precisava ser retirada de Odessa. E os Blumenfeld queriam ajudá-la com recursos para financiar a sua fuga. Despediu-se de seus pais e prometeram-se encontrar. As ruas estavam desertas e Benia (o Robin Hood judeu) escoltou Bela até o navio, onde, juntamente com os refugiados franceses e os ingleses, partiriam tentando fugir do caos. Seu destino era Constantinopla, quatrocentas milhas descendo o Mar Negro. A bordo, as condições eram duras.

Enquanto isso, na Rússia, os exércitos branco e vermelho estavam em uma luta encarniçada, dizimavam tudo o que viam pela frente. As lutas internas entre partidos socialistas, anarquistas contra os bolcheviques, começavam uma pandemia do terror. O que levou Mischka a dizer:

“Achamos que sabemos tudo, e subitamente percebemos que nada é tão firme como pensamos” (pg 283)

Bela estava em Odessa e as notícias que chegavam eram de que o processo de ocupação de Odessa seria através do reinado do terror sob a polícia secreta de Lênin. Execuções sumárias. O mundo estava se despedaçando. Bela dizia que não conseguia ver beleza enquanto via e ouvia histórias terríveis. Foi quando seu destino já estava traçado, conseguiu um navio para vir para o Rio de Janeiro.

À medida que contava a história, a saúde de Bela ia se definhando. Alheia, olhava a vidraça e as folhas caindo. Mas sua força interior a fez despertar, lembrou-se de ver sua mãe sendo agredida na sua frente. Regina ouvia em silêncio.

Eu vou ficar por aqui. Muitas coisas acontecem nessa trama envolvente, na qual sonhos e desejos e uma tragédia histórica na vida de cidadãos comuns são mostrados de uma forma muito bem escrita. Obrigados a viver uma história de imigração forçada, os familiares descendentes dialogam com os personagens históricos da época. Existem muitos outros personagens com suas histórias paralelas que dão o tom dessa história emocionante. Valeu a pena!

 “Bela de Odessa (saga de uma família judia na Revolução Russa)” é um livro que merece um lugar de honra na sua estante.


Data: 17 abril 2020 | Tags: Romance


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A bela de Odessa ( Saga de uma família judia na Revolução Russa)
autor: Rachel Bassan
editora: Editores dos editores

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