Livros > Resenhas

Paris la Nuit

Prefácio: Paul Morand

Dando continuidade a fotografia. O livro que vamos expor é do fotógrafo Brassaï e chama-se “Paris de Nuit”. O transivaniano (nascido na Transilvânia) Brassaï revela a noite de Paris dos anos de 1930 de uma maneira original, um mundo fascinante próximo a Dostoiévski, Nietzsche e, como não poderia deixar de ser, de Charles Baudelaire. Um mundo fora da convenção, criadores de leis próprias, um mundo que seria perdido para sempre anos depois.

Como todos os grandes livros de fotografia. “Paris de Nuit” é uma obra-prima por várias razões. Não é apenas um registro de uma época, de um modo de vida de certa forma perigoso, pois Brassaï frequentava os lugares sórdidos da cidade e mesmo assim dignifica aqueles que estão sendo fotografados. E ao mesmo tempo, apresenta o romance de uma cidade que tem um lugar especial no coração da maioria dos que conhecem Paris, uma cidade amada por fotógrafos e assombrada por fantasmas de fotógrafos.

O escritor francês Paul Morand assina a introdução desse livro.  “Paris de Nuit”, no entanto, transcende à literatura. As imagens contam uma história, são autossuficientes. Escrito com lentes. Com luz. Escrito com sombras. "Nunca antes um fotógrafo teve a audácia de inscrever o jogo da escuridão, da sombra, da meia-luz e, ao contrário, dos lampejos de luz no centro de seu trabalho", escreveu Morand. Henry Miller vai mais fundo quando descreve Brassaï como “um homem de letras que escreveu com fotos”. Um homem capaz de contar em fotos o que poucos escritores puderam dizer em palavras.

Brassaï tinha 34 anos no momento da publicação de “Paris de Nuit”. Suas fotografias noturnas aclamadas universalmente são visualmente do seu tempo, enquanto criativamente e tecnicamente à frente do seu tempo. Através desse espetáculo, podemos ver a cidade da luz no início do século passado. Não apenas as noites parisienses, mas também seus habitantes, em plena luz, em que as sombras elegantemente moldam suas capturas. E também podemos nos aventurar nos cafés e bordéis da capital francesa.

A lente do “espião” Brassaï não tinha limites, não havia necessidade de se mover como um peixe na água naquele mundo boêmio e desenfreado. Isso faz você querer estar em Paris, naquela Paris que Brassaï sabia captar. A Grande Depressão estava começando no mundo todo, uma crise econômica mundial conhecida como a crise de 29.  Brassaï encontrou-se apaixonado pela vida noturna local. Depois de dois anos de muitos cliques, ele estava confiante de que tinha material suficiente para um livro e ele soube aproveitar a arquitetura de Paris com os seus boulevards, cabarés, e os cantos obscuros, suas festas, sua solidão, dando muita intensidade a cada registro.

Brassaï capturou avenidas enevoadas com árvores nuas, o portão para os Jardins de Luxemburgo, pontes e fachadas de ruas. Fotografou casais das ruas, casais se beijando em restaurantes. Luzes de carros, janelas, letreiros de hotéis, reflexos aguados que aumentam a sensação de drama em suas fotos noturnas e sonhadoras.

Não era fácil fazer o registro das sociedades menos penetráveis da cidade. Brassaï garantia sua entrada por meio da  introdução de um amigo ou conhecido e depois ficava por ali até que seu rosto começava a ficar mais familiar. À medida que o tempo ia passando, sua presença ia ganhando outros contornos. E começava a fotografar os ambientes e lugares.

Ao fotografar nas ruas, ele carregava uma série de gravuras no bolso para provar aos descrentes que a fotografia no escuro era possível. Ninguém tinha ouvido falar de fotografia noturna. Reza a lenda que muitas vezes Brassaï precisava convencer os policiais que ele estava fotografando um canal às três da manhã, e não estava jogando um corpo em suas águas verde-escuras.

Brassaï encontrou um ambiente de trabalho mais confortável na instituição formalizada dos bordéis de luxo, que eram frequentemente de propriedade de famílias respeitáveis ​​(e permaneceu um vestígio da belle époque de Toulouse-Lautrec, até que todos foram encerrados em um fervor de devoção pós-guerra em 1946).

Para trabalhar no submundo, Brassaï teve que pagar um preço: suas duas câmeras foram quebradas, sua carteira roubada em várias ocasiões. No entanto, apesar dos perigos, suas imagens de bandidos e gigolôs podem ser encontradas no Follie-Bergére ou nas margens do Sena.

Essas fotografias são diferentes das de Cartier-Bresson, já que são performances teatrais e não momentos decisivos. Os sujeitos de Brassaï não estão apenas conscientes do fotógrafo, eles colaboram com ele. O estilo único do Brassaï deu à “Paris de Nuit” uma intimidade distinta e levou ao seu enorme sucesso público.

Observem esta foto. Um homem está prestes a beijar uma mulher. Parecem apaixonados, seus corpos estão posicionados, um beijo está prestes a acontecer. Pelo reflexo do espelho, a imagem desse casal é triplicada.

Como um andarilho que percorre a cidade sem destino certo, Brassai explora a paisagem urbana à espera de que algo inusitado aconteça. Suas fotografias expõem a nevoa das madrugadas de Paris, a energia de um momento, detalhes apaixonantes de cotidianos noturnos, a intimidade humana, a paciência do fotógrafo à espera de um instante perfeito… São fotografias que, a meu ver, nos convocam a pensar muito além de um prazer estético.

Brassaï flanou pela cidade de Paris sem destino certo. Conhecia todos os becos sórdidos da cidade assim como conhecia sua riqueza. Sempre à espera de algum acontecimento, na espreita de que algo inusitado surgisse. Suas fotografias expõem a névoa das madrugadas de Paris. Ele procura olhar o objeto ( paisagem urbana) e transformá-lo em imagem, procura a energia dos momentos de intimidade humana, de cotidianos noturnos, sempre na espera do momento perfeito. Ou muitas vezes também o instante que o precede.

Brassaï era também um pintor.  A técnica de pintura acabou  ajudando-o a provocar o efeito da luz e das sombras. A luz refletida nas ruas molhadas e difundidas pela neblina definiria as formas dentro da escuridão. Essas imagens impressas davam riqueza e profundidade em seu estilo de fotografar.

Quando fotografava interiores, como, por exemplo, cafés, o pó explosivo em flash produzia uma luz mais suave do que os flashes, dando às imagens sua iluminação distinta.

Fico por aqui. A fotografia é um pedaço do mundo, do mundo das imagens, do mundo dos acontecimentos passados e da memória. Vale a pena conhecer esse gênio da fotografia. Em “Paris de Nuit”, Brassaï escreve Paris. Uma memória eterna e que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 23 julho 2019 (Atualizado: 23 de julho de 2019) | Tags: Fotografia


< Graffiti Vida Líquida >
Paris la Nuit
autor: Brassai
editora: Flamarion
gênero: Fotografia;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Eyemazing: the New Collectible Art Photography'

Resenhas

André Kertész

Resenhas

The Beatles on the Road: 1964 - 1966